O Brasil e a Defesa Nacional

Waldir Pires

Introdução

Inicialmente, quero agradecer ao eminente Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, a honra que me conferiu, convidando-me para vir aqui, hoje, proferir a Conferência de Abertura do VI Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, com o importante, tema que me foi sinalizado: “O Brasil e a Defesa Nacional”.

E ainda é tanto maior minha satisfação porque cumpro essa missão no cenário desta notável Instituição de ensino, a Escola de Guerra Naval, que simboliza as mais respeitáveis tradições brasileiras de capacitação, estudo, competência, e valor na formação dos marinheiros do Brasil.

Cumprimento os organizadores deste Encontro; permito-me parabenizá-los pela excelente e oportuna seleção dos temas que compõem a estrutura do evento e, sobretudo, louvo a escolha dos palestrantes ilustres, que por seus títulos e certamente suas sugestões, hão de ajudar-nos a refletir e pensar os desafios contemporâneos em torno das questões de Defesa Nacional.

O conceito e os compromissos da política de Defesa Nacional assentam suas raízes profundas nos próprios fundamentos republicanos do Brasil, os objetivos e princípios organizatórios do Estado Democrático de Direito, para a construção do destino da Nação, e o exercício das garantias, direitos e obrigações de nossa cidadania, nas legítimas aspirações do nosso povo.

É um dever de todos os brasileiros conhecê-los e defendê-los.

O caminho de assegurarmos a inserção do Brasil no desenvolvimento atual do mundo; de realizarmos nosso progresso econômico, cultural e tecnológico com inclusão social crescente, que democratiza a sociedade e viabiliza o regime de igualdade de oportunidades; garantirmos a defesa do nosso território, nossos mares, nossas fronteiras, nosso espaço aéreo, nossa visão solidária e fraterna de convivência dos povos, nossa vida.

Defesa de um Estado Democrático de Direito, forte, decidido, com Forças Armadas capacitadas e treinadas, assegurando o cumprimento de tarefas que o exercício da soberania assegura para os desafios de hoje e amanhã.

O século XXI começa com o mundo se tornando cada vez mais inseguro. A grande Instituição internacional, plantada após a 2ª Guerra Mundial, a ONU – para a missão de administrar e assegurar as condições da paz, precisando da solidariedade de todos nós e do nosso esforço comum – países maiores e menores – para que se torne capacitada e apta, e eficaz à consecução de sua missão intransferível e irrenunciável: trabalhar a paz mantê-la.

Vivemos fatores de desequilíbrio que se generalizam e ampliam. O terrorismo criminoso e nefasto e a natureza da guerra para combatê-lo, que não pode aumentar a exacerbação dos conflitos. Incapacidade de pensar a convivência das nações e dos povos.

Assimetrias sociais e humanas insuportáveis e inexplicáveis: expansão da pobreza externa, os fluxos migratórios, o comércio, o meio ambiente, a vida no planeta, que já não tem a magnitude imaginária de um universo, mas, simplesmente, nossa modesta e conhecida aldeia, comum a todos nós, por todos acompanhada e sentida.

O desafio de corrigirmos esse incompetente curto circuito entre a capacitação admirável da inteligência contemporânea, que produziu a revolução do conhecimento científico e tecnológico, o conseqüente crescimento da capacidade produtiva quase desmesurada, e a paralisia do atraso das relações sociais, econômicas, financeiras, políticas, jurídicas, que não se disciplinam para o destino natural da inclusão social.

O cenário permanece com a nódoa dos conflitos perigosos, que confirmam a exclusão crescente de grandes parcelas da população humana. Concentração da riqueza e da renda, quase obscena, contrastando com a iniqüidade do abandono e do desrespeito à dignidade da pessoa humana, que é o paradigma ético de nossa civilização.

São políticas as preocupações maiores do nosso tempo. A Política de Defesa Nacional é a equação adequada, de um lado, entre os nossos valores e aspirações, nossa realidade e nossos meios; e de outro lado o jogo de poder entre as nações, suas tensões, instabilidades, crises e conflitos.

A política de preservarmo-nos cordial e altivamente, crescermos, e darmos a contribuição possível ao ordenamento de um mundo digno e de paz.

Sabemos, de algum tempo, que as gerações contemporâneas são as primeiras, na História, que alcançaram a capacidade de destruir o planeta ou destruir a humanidade. Foi uma conquista inédita e terrível. O desafio é participar da construção das forças que não permitirão a catástrofe.

A 2ª Guerra mundial se concluiu triunfante, a partir da mobilização do Ocidente, determinado a derrotar a insanidade e a paranóia do Nazismo, na convocação da eloqüente Carta do Atlântico, de 1941, em instante extremamente perigoso ao destino do ser humano.

A conclamação vitoriosa foi a dos ideais da Democracia e das Liberdades, organizatórios de um novo tempo da humanidade. Com duas diretrizes símbolos da sociedade democrática universal a conquistar: o direito que tem cada povo de escolher a forma de governo sob a qual quer viver; e a garantia a todos os homens e mulheres, de todos os países, a uma existência livre do medo e da necessidade.

Deste holocausto de meados do século XX participamos e perderam suas vidas, lutando, centenas de brasileiros nos mares do Atlântico, ou nas terras e nos ares da Europa.

A política de Defesa Nacional reúne as energias do nosso povo, as preocupações do seu governo, a competência e mobilização de suas Forças Armadas.

E acompanha o desenho do mapa estratégico do mundo identificando-lhe a evolução próxima e futura, para colaborarmos, segundo nossos valores culturais e éticos, e nossos princípios fundamentais, no exercício de nossa soberania, para o destino de paz que almejamos, no mundo.

No alvorecer deste século XXI, acompanhamos os Estados Unidos e a União Européia, na América do Norte e na Europa; a importância significativa da Ásia, no crescente desenvolvimento da China, da Índia, do Japão. A situação do Paquistão e das Coréias, do Sul e do Norte.

A problemática de Taiwan. O aprimoramento democrático da África do Sul; o abandono e a desolação na miséria extrema do continente Africano.

As responsabilidades da ONU – Organização das Nações Unidas - a grandeza dos seus encargos, a tarefa de seus organismos econômico e social, a serem redimidos pela retomada do destino que os inspirou: o Banco Mundial, o FMI, a OMC, e seus setores social e ecológico, e suas missões de Força de Paz, para a tarefa completa de ajudar a restaurar a integridade decomposta da estrutura do Estado socorrido, e simultaneamente garantir-lhe a segurança interna.

E aqui, em nossa América do Sul, continuar e insistir no velho sonho, hoje princípio constitucional nosso de integração e cooperação econômica, social, política, cultural, buscando traduzirmos nossos compromissos, sempre e por toda parte, de vizinhos e irmãos, com uma voz de compreensão comum, de solidariedade recíproca, voz una, voz forte, sem acentos de liderança nem hegemonia, voz de paz e de fraternidade, que vá, pouco a pouco, palmo a palmo, abrangendo toda a nossa América Latina.

CENÁRIO MUNDIAL – VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

Na atualidade, observamos a preocupação com a internacionalização e expansão do conceito de segurança. A segurança extrapolou o nível nacional, havendo alcançado o regional e o internacional. As expressões segurança regional, internacional e coletiva, passaram a ser novas e crescentes cogitações.

Ao expandir-se, o conceito passou a abranger pessoas e problemas emergentes como as questões ambientais, os direitos humanos, a miséria, a fome e a saúde. Nesse processo evolutivo, a segurança transcendeu o ambiente militar, mas o poder decisório nas questões a ela afetas manteve-se sempre concentrado junto ao mais elevado nível do poder político.

O planejamento de maior projeção do Brasil no cenário mundial deve levar em conta as ameaças no campo internacional. Afinal, veladas, imprevisíveis ou explícitas, elas sempre existirão.

O CENÁRIO MUNDIAL – VISÃO POLÍTICO-ESTRATÉGICA

A partir do término da bipolaridade, a chamada guerra-fria, o cenário mundial adquiriu novos contornos e nova dinâmica, inaugurando um ordenamento político com peculiaridades próprias.

Na dimensão militar, os Estados Unidos da América impuseram a hegemonia, dispondo de ampla capacidade econômica que sustenta seu incontrastável poderio bélico.

A dimensão não estatal ganhou força, ao compor o complexo das relações horizontais entre comunidades que desconhecem fronteiras tradicionais e obedecem apenas a interesses e valores próprios.

Nesse contexto, redefinem-se, continuamente, as relações de poder e de autoridade entre agentes públicos e privados. Os Estados têm limitadas condições de interferir e controlar o que ocorre no âmbito dessas “novas fronteiras”.

Assim, as atuais relações políticas resultam em complexas interações entre os agentes. Em visão mais abrangente, pode-se afirmar que o poder mundial se encontra até pulverizado e em complexa relação de interdependência com os principais atores das diferentes dimensões de poder.

De acordo com esse entendimento, aumentou a probabilidade de emergirem crises internacionais e conflitos armados, fato que se pode atestar ao apreciar a conjuntura internacional.

O mundo moderno, regido por essa complexa estrutura de poder, é marcado ainda por fortes assimetrias nos campos econômico, científico-tecnológico, social e militar.

As nações que conseguem se beneficiar dos adventos da globalização e dos resultados da revolução tecnológica, desenvolvem-se e conseguem elevar o nível de bem-estar de seus povos.

Contudo, grande parte dos Estados encontra-se marginalizada, enfrentando dificuldades para manter a estabilidade de suas instituições, enquanto a miséria grassa incontida.

Essa brutal assimetria, aliada à conscientização pelos excluídos de sua impotência para reverter a situação, tende a alimentar tensões nos relacionamentos internacionais e a gerar crises e conflitos.

As ações do terrorismo internacional, fundadas em questões étnicas, religiosas e de cunho nacionalista, apresentam-se como outras novas ameaças ao Estado Democrático. Outras formas dessas ameaças são o narcotráfico e os crimes transnacionais.

Os países mais ricos, inseridos em seus respectivos blocos econômicos, paradoxalmente, combinam discurso liberal com postura protecionista. Ao mesmo tempo, preocupados com a situação político-estratégica reinante, aqueles países destinam recursos crescentes às suas forças armadas.

Essa é uma realidade do mundo atual que deve merecer a atenção de todos, principalmente daqueles responsáveis por assuntos de segurança e defesa que não crêem na existência de ameaças externas simplesmente porque não conseguem vislumbrá-las.

A questão não pode ser negligenciada, especialmente pelos Estados que almejam elevar seus status no cenário mundial.

O entorno estratégico brasileiro, distante dos principais focos mundiais de tensão, vivencia processos de integração regional e de consolidação democrática, que tendem a aproximar os países da região. Contudo, é natural que ocorram divergências de interesses nesse entorno.

A fragilidade de algumas economias e de instituições democráticas, bem como a pobreza extrema, podem produzir conflitos que afetem a estabilidade regional. Apesar disso, vivemos há mais de um século sem qualquer conflito maior com nossos vizinhos e irmãos da América do Sul.

Por sua vez, a conjuntura brasileira, na perspectiva político-estratégica, caracteriza-se por acentuadas contradições. Há uma pujante e competitiva economia; um extraordinário potencial de recursos minerais, biodiversidade e água doce; e instituições nacionais que têm dado demonstrações de maturidade, uma vez que conseguem operar, regularmente, em meio a crises eventuais.

Em síntese, a plena vigência do processo democrático é uma realidade no País. No entanto, persistem os desafios – os ainda acentuados bolsões de pobreza; insatisfatória distribuição de renda; e uma Amazônia com baixíssima densidade demográfica, sem a efetiva presença do poder público e com extensas fronteiras, caracterizadas por indesejável vulnerabilidade.

Adicionalmente, a dependência que o país apresenta em relação ao comércio marítimo contrasta com as limitações existentes para a mais efetiva presença brasileira nas nossas águas jurisdicionais.

As Forças Armadas do Brasil necessitam de investimentos para atualizar-se e adequar-se à estatura político-estratégica do País.

PROJEÇÃO DO BRASIL NO CENÁRIO MUNDIAL

O esforço brasileiro para consolidar o processo de inserção internacional, como condição indispensável e incontornável para garantir o desenvolvimento e o progresso, passou a ser considerado interesse estratégico nacional.

A inserção internacional deve processar-se em diversos campos: no político, projetando o País e levando-o a participar dos fóruns de decisão internacionais do mais alto nível; no econômico, proporcionando a participação brasileira no comércio exterior em escala global e fortalecendo seu mercado interno; e no campo da segurança e da Defesa, onde se incluem as Forças Armadas, promovendo a necessária blindagem contra ameaças.

Ainda como instrumento da segurança no processo de inserção internacional, sobressai-se uma maior participação brasileira nas operações de paz, sob a égide do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e em observância aos interesses nacionais.

Intensificar a participação em operações de paz promovidas pelo Conselho de Segurança da ONU, a exemplo da decisão brasileira com respeito ao Haiti, é conduta que contribui eficazmente para a projeção do Brasil no cenário mundial.

Adicionalmente, é desejável que ocorram o consenso, a harmonia política e a convergência de ações entre nossos países vizinhos, visando buscar melhores condições para o desenvolvimento econômico e social, o que contribuirá para tornar a região mais coesa e mais forte, no caminho da integração.

Devem ser intensificados, também, a cooperação e o comércio com países africanos, principalmente os de língua portuguesa, e a consolidação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul.

A Política de Defesa Nacional atribui prioridade aos esforços de defesa da Amazônia e dos interesses nacionais no Atlântico Sul, o que significa, no campo da Defesa e da segurança, cuidados adicionais para a identificação de ameaças internacionais que possam afetar essas regiões.

Esses esforços envolvem tanto a diversificação como a ênfase nos relacionamentos internacionais, com atitudes pró-ativas, procurando eliminar, na origem, o surgimento de iniciativas que ameacem comprometer a soberania brasileira.

Por fim, a inserção internacional do Brasil deve merecer um planejamento estratégico que transcenda os ciclos governamentais e que busque, a médio e longo prazos, colimar resultados em favor do desenvolvimento sustentado do País.

O RESPALDO DO PODER MILITAR

De acordo com a Política de Defesa Nacional, a vertente preventiva da Defesa Nacional reside na valorização da ação diplomática como instrumento primeiro de solução de conflitos e em postura estratégica baseada na existência de uma capacidade militar com credibilidade, apta a gerar efeito dissuasório.

Por sua vez, a vertente reativa da defesa prevê que o País empregará todo o poder nacional, com ênfase na expressão militar, caso sofra agressão.

O preparo do Poder Militar brasileiro, parte preponderante da capacidade de Defesa Nacional, é condicionado pela Política de Defesa Nacional e decorre da Sistemática do Planejamento Estratégico Militar, da Política Militar de Defesa e da Estratégia Militar de Defesa.

De conformidade com esses documentos, o Brasil busca ampliar sua atuação política e econômica em nível global, a convivência fraterna e harmoniosa com as nações irmãs da América do Sul e a condição de potência militar de porte médio.

Adicionalmente, há o pressuposto de que a capacidade de defesa brasileira deve estar ajustada à estatura político-estratégica do País.

Em face desses condicionamentos, seguem-se algumas diretrizes estratégicas a serem atendidas pelas Forças Armadas brasileiras para a garantia das demandas de Defesa:

- manter forças estratégicas em condições de emprego imediato, para a solução de conflitos;

- dispor de meios com capacidade de salvaguardar as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior;

- incrementar a interoperabilidade entre as Forças Armadas, ampliando o emprego combinado;

- aprimorar a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo do Brasil;

- aumentar a presença militar nas áreas estratégicas do Atlântico Sul e da Amazônia brasileira;

- proteger as linhas de comunicações marítimas de importância vital para o País;

- dispor de estrutura capaz de contribuir para a prevenção de atos terroristas; e

- dispor de capacidade de projeção de poder, visando à eventual participação em operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério da Defesa, no exercício da direção superior das Forças Armadas, tem produzido documentos que tratam de orientações e balizamentos para o aprimoramento da capacidade da Defesa Nacional.

As orientações para o preparo e o emprego das Forças Armadas brasileiras têm fundamento na Política de Defesa Nacional (documento atualizado e aprovado em junho de 2005) e, no que respeita ao setor militar da Defesa, detalhadas na Política Militar de Defesa (documento aprovado em setembro de 2005) e na Estratégia Militar de Defesa, ora em fase final de revisão.

A Sistemática do Planejamento Estratégico Militar (aprovada em agosto de 2005) uniformiza e dá um sentido único aos esforços exigidos nesse complexo planejamento.

A elaboração da Política de Defesa Nacional (PDN) contou com a participação de militares, diplomatas, intelectuais de diversos campos do saber e cidadãos.

Os demais documentos citados, de cunho estritamente militar, foram, ou estão sendo formulados com expressiva participação de representantes das Forças Armadas em esforço comum com o Ministério da Defesa.

No conjunto, representam relevante ganho na harmonização de entendimentos e de percepções entre as Forças. Neste ponto, a capacidade bélica do País valoriza-se em face de uma maior integração conceitual das Forças.

Há, ainda, alguns desafios que devem ser vencidos para dotar efetivamente o Brasil de um Sistema de Defesa que assegure ao País o pleno exercício da posição que lhe cabe no concerto das nações e, dessa forma, lhe permita participar das conquistas e dos benefícios da ciência e da tecnologia mundiais.

O frágil conhecimento das necessidades de Defesa no Brasil é um desses desafios. Talvez, seja o mais relevante deles. (?) Por que o cidadão brasileiro tributa pouca importância aos assuntos que dizem respeito à Defesa de seu próprio País?

Como desenvolver uma mentalidade de Defesa e, sobretudo, a capacidade de Defesa compatível com a natural estatura política do país no cenário mundial, sem deixar de atender a outras necessidades ingentes e gritantes, como o resgate da imensa dívida social que herdamos, que dura desde sempre e que exclui imensos contingentes de nossa população?

Este é o desafio que temos pela frente. E vamos vencê-los unidos, enquanto povo e Nação.

Waldir Pires é o Ministro da Defesa do Brasil - InfoRel

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