O submarino verde-e-amarelo I

Por Marina Nery,
do Rio de Janeiro - IPEA

Rápido e silencioso, ele é o guarda-costas perfeito para os 8,4 mil quilômetros de costa marítima do Brasil. O Tikuna incorpora inovações tecnológicas que lhe garantem melhor desempenho, menor ruído e maior período de submersão. A etiqueta Made in Brazil confirma o país no seleto grupo de quinze nações com capacidade de fazer submarinos e permite que seja plataforma de construção e reparo para clientes da América do Sul e da África

Navegar em submarinos é antes de tudo um exercício de adaptação a pequenos espaços. Algo como viver feito sardinha em lata. Não é sem motivo que o cinema gosta de explorar as tensões que surgem entre pessoas confinadas num artefato de metal, sem poder ver a luz do sol e cercadas por muitos milhões de metros cúbicos de água.Todo cuidado é pouco quando se trata de passar dias submerso. O capitão-de-fragata Francisco Antonio de Oliveira Júnior, comandante do Tikuna, o mais novo submarino brasileiro, passa a vida em estado de alerta. Sua audição aguçada está sempre procurando qualquer leve barulhinho na mais ínfima parte do submarino. E são muitas, muitas partes. Só as válvulas são incontáveis, mas Oliveira Júnior é capaz de dizer como cada uma delas está operando.

O S34-Tikuna, quinto submarino a compor a frota brasileira, não é nuclear, como o Seaview, comandado pelo almirante Harrigan Nelson, do seriado de TV Viagem ao Fundo do Mar. Ele é do tipo convencional, movido a bateria. Contudo, obviamente, não se trata de bateria comum. Em cada uma há 480 elementos. E as baterias são um dos itens de tecnologia nacional embarcados no submergível.

Embora construído no Brasil, o Tikuna é um projeto adaptado do modelo alemão IKL-209. Por isso, seu nome oficial é IKL-209-1500. Sua história começou em 1982, quando a Marinha brasileira assinou um contrato com o consórcio alemão Ferrostaal/Howaldtswerke Deutsche Werft (HDW), responsável pela construção do primeiro submarino no mundo, em 1850.

Os engenheiros navais brasileiros projetaram diesel - geradores potentes e eficientes, que reduziram o tempo de recarga das baterias O submarino brasileiro é extremamente silencioso, resultado de tecnologia nacional. A tripulação do Tikuna consegue ouvir um golfinho se aproximando

O negócio previa a construção de dois navios. O primeiro feito na Alemanha, com acompanhamento de técnicos brasileiros, e o segundo fabricado no Brasil, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Foi assim que surgiram o submarino Tupi, de 1989, e o Tamoio, lançado seis anos depois. Posteriormente, foram fabricados mais dois, evoluções do modelo inicial, e por isso considerados da família Tupi (veja ao lado a tabela que mostra as características da frota brasileira de submarinos).

O Tikuna é o mais novo integrante da família. "É uma espécie de classe intermediária, com peculiaridades básicas do alemão IKL 209/ 1400, mas muito melhorado nos aspectos operacionais", informa o engenheiro naval Irineu Franco, que trabalhou na primeira fase do programa.

Indiscrição
As diferenças são grandes e foram concebidas por engenheiros brasileiros (veja detalhes na tabela ao lado). Das modificações introduzidas, a que mais se destaca diz respeito às baterias. Elas descarregam à medida que são usadas, e precisam ser recarregadas, como qualquer bateria. Mas a recarga é feita por dínamos movidos por motores a diesel, cuja combustão interna precisa de ar.

Então, para a recarga, é necessário que pelo menos o mastro do submarino esteja na superfície. Esse é um momento perigoso, pois a embarcação fica exposta à detecção visual e de radar - razão pela qual é tão importante a redução do tempo de carga. Os engenheiros navais brasileiros projetaram diesel-geradores mais potentes e mais eficientes, com o que chamam de "menor taxa de indiscrição", ou seja, menor tempo de exposição visual.

Mas não é apenas por meio da visão que se detecta a presença de um submarino. Muitas vezes a embarcação se revela pelo ruído que produz. A arte de construí-los tem muito a ver com a capacidade de manter silêncio no ambiente aquático, em que o som se propaga rapidamente.

Os brasileiros reduziram o nível global de barulho irradiado. Suavizaram as linhas do casco para que gerasse menos ruído hidrodinâmico, provocado pelo deslocamento de água. Dizem os tripulantes que, quando ficam quietos, podem ouvir até golfinhos se aproximando. O Tikuna é imperceptível, mais discreto por curtos períodos se comparado a um submarino nuclear. No conflito que envolveu Argentina e Inglaterra pelo controle das Ilhas Malvinas, em 1982, os submergíveis ingleses alijaram do cenário os navios argentinos. Se contasse com bons submarinos convencionais, a Marinha argentina poderia ter defendido melhor suas embarcações.

O Tikuna leva uma tripulação de sete oficiais e 29 praças. Possui oito tubos de torpedo e é movido por propulsão diesel-elétrica, com motor elétrico, baterias e conjuntos de motores diesel-gerador. Sua construção permitiu ao Brasil dominar o ciclo "projeto, construção e reparação", o que é positivo, já que o processo de fabricação de submarinos estimula o desenvolvimento de novas tecnologias para a indústria naval e beneficia outros setores, além de aumentar a geração de empregos.

O Tikuna proporcionou ao país o domínio do ciclo "projeto, construção e reparo" de submarinos, que, entre outros benefícios, estimula a indústria naval.

Tikuna é o nome de uma das tribos indígenas mais guerreiras e persistentes do Brasil, motivo pelo qual foi escolhido para identificar o submarino que levou dez longos anos para ficar pronto. Nesse período, foram gerados 402 empregos diretos e 2,1 mil indiretos, para militares e civis.

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