O submarino verde-e-amarelo II

Por Marina Nery,
do Rio de Janeiro - IPEA

Tecnologia


Construir um submarino, mesmo que convencional, é privilégio de poucos. No mundo, apenas quinze países têm a capacitação tecnológica necessária. No hemisfério sul, atualmente, somente o Brasil mantém um programa de construção em andamento, o que qualifica o país para a execução de outros projetos navais. "O Brasil é candidato a ser plataforma de construção e reparo de submarinos de água rasa, podendo exportar para países da América do Sul, da África e mesmo para as nações desenvolvidas que se especializaram em submarinos de águas profundas", diz José Carlos Miranda, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento.

Embora o Tikuna seja o maior submarino brasileiro, não se deixe enganar. Os 62 metros de comprimento desse charuto metálico até que parecem razoáveis, mas os 6,2 metros de diâmetro são preenchidos por tubulações, máquinas, sistemas, radares e um sem-número de aparatos. Por vezes, sobra apenas meio metro de largura para que os tripulantes caminhem nas instalações. Isso se ninguém quiser se aventurar pela sala de máquinas, onde para alcançar determinados cantos é preciso abaixar.

O lugar mais espaçoso da embarcação é a proa, onde estão abrigados os enormes torpedos. Por ironia, é justamente lá que todos costumam se reunir para o lazer - quando não estão em missão, é claro. O motivo é simples: o espaço permite relaxar um pouco, mesmo ao lado de torpedos, e é ali que fica a sala de televisão. Contudo, numa situação real de conflito ou treinamento, o local é bem perigoso. Basta lembrar que o submarino russo Kursk afundou em 2000, com 118 tripulantes a bordo, exatamente porque um torpedo defeituoso explodiu na proa após um treinamento.


O escritor Júlio Verne não estava brincando quando deu status de monstro ao submarino Nautilus comandado pelo Capitão Nemo, no longínquo ano de 1870, em seu livro Vinte Mil Léguas Submarinas. O capitão-tenente Aurélio Linhares descreve o submarino como um enorme cetáceo de aço que mergulha despercebido nas águas e delas emerge - ou nelas permanece obscuramente para sempre.A vida a bordo, para ele, é um rosário de pequenos e diários sacrifícios: "Cada um tranqüilo em seu posto.Mas a tensão nervosa está presente. Escutam-se todos os ruídos, checando se são normais.Acompanham- se todas as inclinações e os adernamentos, analisando-os para que não se agravem nem se prolonguem.Aspiram-se todos os odores: um curto-circuito na instalação, um derramamento de ácido. Há os que acompanham os manômetros, os grupos, a profundidade, as pressões...Na manobra e no cuidado de um pode estar a vida de todos".


Diferente do famoso yellow submarine ("submarino amarelo", em português) criado pelo grupo inglês The Beatles, no Tikuna não há escotilhas. A sensação de clausura submarina é real. "O ar é renovado por um sistema chamado esnorquel, tanto para carregar baterias como para a respiração dos tripulantes", esclarece o comandante Oliveira Júnior. A embarcação sobe a uma profundidade suficiente para que o periscópio alcance a superfície e iça um mastro que suga ar com diesel-geradores. Um submarino convencional faz isso sempre que a carga de sua bateria cai a determinado nível. Quando sobe à tona por completo, oferece uma oportunidade única para os fumantes. Sim, isso mesmo, por incrível que pareça, existem tripulantes que conseguem conciliar o vício com a profissão de submarinista.

Mercado

O próximo passo na indústria brasileira deve se dar ainda neste ano. Será um contrato de construção e modernização de submarinos firmado com a siderúrgica alemã Thyssen Krupp, por meio de sua subsidiária Thyssen Krupp Marine Systems.O projeto em discussão prevê a entrega do submarino num prazo de sete anos após a assinatura do contrato e envolve também a instalação de uma siderúrgica no Rio de Janeiro, sede do Arsenal da Marinha. O investimento total será de 1,08 bilhão de euros. Assinado o contrato, os trabalhos começarão no início de 2007. Além do novo submergível (classe 214), de 1,5 mil toneladas de deslocamento, haverá modernização nos outros cinco. O acordo pressupõe a transferência de tecnologia,o que capacitará definitivamente o Brasil a construir,modernizar e exportar submarinos para outros países.

O mercado esperava que a Marinha tivesse optado pela construção de um submarino com o sistema AIP (air independent propulsion, em inglês, ou "propulsão independente do ar", em português), que poderia navegar entre Porto Alegre e Recife, durante duas semanas, sem ligar os motores a diesel, permanecendo praticamente imperceptível a qualquer sonar. Mas o alto custo definiu a decisão a favor do modelo convencional sem AIP.

"Para 2007, o comando da Marinha já tem assegurados 301,7 milhões de reais para a construção de submarinos e outros 208,5 milhões de reais para sua modernização", informa o senador Siba Machado (PT-AC), que participou da aprovação dos recursos na revisão do Plano Plurianual 2004-2007, pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.
Os equipamentos são tantos que sobra pouco espaço para movimentação dentro do submarino. Os profissionais devem ter boa capacidade de autocontrole

Espera-se que o projeto gere 4 mil novos empregos, além de incentivar a criação A tripulação do Tikuna consegue ouvir um golfinho se aproximando de um complexo industrial de fornecedores de componentes. A experiência do Tikuna mostra que isso é possível. A construção do submarino promoveu progressos, inclusive, em algumas atividades paralelas, como o Laboratório de Som do Centro de Instrução de Submarinos e Mergulho (Ciama),na Ilha de Mocanguê, em Niterói, no Rio de Janeiro. Ali está em elaboração um banco de dados de sons e ruídos do ambiente marinho, gravados e registrados para utilização no treinamento de submarinistas e no teste de peças e equipamentos.

O submarino nuclear tem muitas vantagens, entre elas a possibilidade de submersão por até três anos, o que é positivo do ponto de vista estratégico, embora resulte em enorme desgaste para os tripulantes. Seu combustível, no entanto, gera muita polêmica e oposição, principalmente por parte de organizações preocupadas com a preservação ambiental. Essas e outras razões explicam o porquê de o Brasil não dedicar maior esforço à construção de seu modelo nuclear. "Resta saber qual a tripulação que permanecerá três anos submersa e quantos submarinos podem ser fabricados com os recursos necessários para completar a construção do submarino atômico", pondera o coordenador da Campanha Antinuclear do Greenpeace, Guilherme Leonardi. Por outro lado, a máquina daria ao Brasil capacidade de atuação global e aumento do poder de dissuasão, um incentivo à solução pacífica de conflitos. Na ausência de necessidade, o Tikuna segue silenciosamente patrulhando a extensa costa do país.

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