A viabilidade da Defesa e Segurança transnacionais

Walmir Azevedo

Uma das características atuais marcantes da política externa dos países da região é a preocupação com a integração sul–americana na área da Segurança e Defesa, meta sublinhada com um rol de iniciativas que propugnam pelo fortalecimento de mecanismos de consulta e cooperação.

Incremento subordinado, regionalmente, ao estabelecimento de uma visão comum de Segurança e Defesa, e que poderia respaldar uma Política convergente de Segurança e Defesa.

É concebido que as alianças serão mais sólidas, quando o contexto dos seus membros engloba interesses comuns, condição que respalda a consistência e a permanência do acordado.

Por sua vez, é patente que devido às assimetrias porventura existentes entre eles, estaremos a um passo de que anseios e aspirações particulares se sobreponham aos interesses coletivos.

Este tem sido o grande óbice ao estabelecimento efetivo de um mecanismo transnacional e um empecilho para o concerto de um organismo autóctone regional.

Apesar da conscientização quanto à importância e mesmo necessidade de os países, mormente os circunvizinhos construírem um enlace comum que lhes proporcione a tranqüilidade tanto externa como interna, eles se debatem com pelo menos dois gigantescos desafios: o estabelecimento preliminar de uma segurança e defesa regional e as desfavoráveis condições de governabilidade presentes em alguns países.

Em conseqüência, quando buscamos concertar ligações transnacionais, a partir do contexto regional, devemos considerar como pressuposto a fragilidade das Instituições Regionais Governamentais, em especial das Instituições Políticas, cuja fraca estrutura tem sua origem desde o processo colonizador.

A SEGURANÇA E DEFESA TRANSNACIONAL

A América do Sul apresenta um quadro singular de vocações simultaneamente orientadas à fragmentação e à integração. As idiossincrasias nacionais e as desigualdades entre os Estados têm inviabilizado a promoção de coalizões em nível regional.

Este tem sido o grande óbice ao estabelecimento de uma Segurança e Defesa Transnacional, que deveria preceder uma Política Integrada de Defesa.

Analisando – se a questão, constata - se que será necessário o estabelecimento de uma Concepção de Segurança e Defesa Transnacional que atenda às expectativas de seus associados, definindo–se a profundidade de seu alcance, no que se refere aos objetivos propostos, uma vez que referida a cada membro, alcança uma permanência atrelada à conquista de objetivos permanentes, a despeito dos obstáculos existentes e potenciais.

No caso de um conjunto de nações, a complexidade é potencializada por inúmeros aspectos, contudo cabe ressaltar que os membros devem comungar de determinados referenciais, como: a conscientização quanto à existência de ameaças comuns, perfeitamente definidas; a certeza de que a soberania de cada membro será preservada; que as decisões serão fruto da deliberação unânime dos membros; o estabelecimento de medidas de confiança mútua; a constituição de um colegiado representativo de cada membro; a identidade das políticas de segurança e a de defesa; que o interesse, mesmo coletivo, não se sobreporá ao interesse nacional; a utilização da defesa para a prevenção e o combate às ameaças serão encargos de cada nação, quando em seu território.

GOVERNABILIDADE

O êxito para o estabelecimento de um acordo envolvendo diversos atores é dependente de diferentes fatores, desde a vontade política, até o acordado ser de efetivo interesse de todas as partes.

Assim o respaldo para que cada parte cumpra o seu compromisso será, muitas vezes, função da estabilidade de suas instituições, isto para que haja permanência nos objetivos que levaram ao compromisso, atitude nem sempre presente em Países, cujos governos vivem sob o frágil equilíbrio de suas cambaleantes instituições.

Em geral, aquelas nações vivenciam uma tradição secular de baixo nível cultural, possuem um lastro histórico onde proliferaram e, eventualmente, eclodem crises que tendem a superdimensionar–se como indicativo da fragilidade de suas instituições, em particular as políticas.

Aquelas sociedades, emersas em gritantes desníveis sociais, são propensas a aceitar como atávico, mesmo que a contragosto, as por vezes, violentas reviravoltas políticas, capitaneadas por demagogos e populistas, indivíduos cujos interesses se sobrepõem acima dos objetivos nacionais.

No ambiente regional tal perspectiva é presente, não somente nas suas periclitantes instituições, mas ainda, na falta de compromisso de novos mandatários, que buscam descaracterizar os antigos governos, e primam por não dar continuidade aos projetos anteriores, mesmo que reconhecidamente do interesse da nação.

ASPECTOS POLÍTICOS

Na área política, constatamos que a vertente da esquerda que domina a maioria dos países regionais tem propiciado e incentivado aquelas ligações, além de impulsionarem explícitos ataques contra o sistema democrático – capitalista.

Corroboram os fatos, as significativas mudanças políticas efetuadas no quadro sul-americano, onde estão patentes as convergências de seus atuais governos, que por intermédio de associações do porte do Grupo do Rio e do Grupo de Lima têm procurado soluções pacíficas para as crises locais que possam ameaçar a estabilidade regional, consolidando a Democracia, ao mesmo tempo em que constroem uma social – democracia.

Contudo, merece redobrada atenção o fato de que esta integração ocorre na proliferação de fóruns e reuniões de cunho socialistas capitaneadas pelo Brasil e pela Venezuela.

ASPECTOS MILITARES

Na área militar, é preciso sublinhar que:

- no contexto sub - regional, os diversos países possuem um histórico, que os induziu a uma concepção e trato do tema Segurança e Defesa com idênticos enfoques.

Assim, a postura dissuasiva – defensiva, fruto do respeito permanente entre aquelas nações, repousa na dimensão que a “Soberania” possui no cenário, onde avulta de importância a incolumidade das decisões de Governo e a não interferência nas questões internas, e que possam ferir as suscetibilidades dos Estados;

- a análise das Políticas de Defesa dos países regionais comprova a afirmativa, pertinente também aos demais países da América do Sul, os quais amparam a Dissuasão - Defensiva como sua estratégia básica de atuação, ou seja, todas as Nações, nos aspectos Segurança e Defesa almejam contar com uma capacidade de retaliação (Poder Militar) suficientemente forte para frustrar ou inibir qualquer iniciativa agressiva militar de outros Centros de Poder;

- a ênfase na capacidade dissuasiva, que permeou a história das instituições militares regionais no passado, é válida na atualidade, e esta foi uma postura que manteve e mantém o equilíbrio nas relações entre os países;

- não há no cenário regional ou sub-regional qualquer anuviamento no relacionamento dos países, porquanto existe um clima de harmonia e uma incapacidade econômica que inibem qualquer aventura bélica entre seus membros, transparecendo que no panorama futuro são remotas as possibilidades de um conflito envolvendo os países do hemisfério.

AMEAÇAS

No contexto sul-americano as ameaças prevalecentes referem – se aos ilícitos, que por sua amplitude possuem vertentes de cunho interno e, por serem transnacionais, adquirem a conotação de ameaças externas.

São os ilícitos, geralmente, considerados como crimes policiais, contra os quais existem ou deveriam existir aparatos de cunho judicial, e que envolvem no seu combate diuturno, a máquina policial.

Podemos levantar como antigas e novas ameaças e desafios que podem perturbar o ambiente hemisfério: o Terrorismo; as Armas de Destruição em Massa; o Narcotráfico; a Degradação do Meio Ambiente; a Corrupção; o Tráfico Ilícito de Armas; as Pendências Fronteiriças; o Crime Organizado Internacional; a AIDS; a Violência Social; e os Desastres Naturais.

Sem dúvida, os problemas emergências, hoje voltados para as alterações estruturais na máquina governamental, na reavaliação dos diversos poderes e no reajuste da componente econômica, acrescidos com a premência na solução de seculares problemas sociais, avultam como preocupação prioritária, posicionando como secundários os relativos à Segurança e Defesa.

Contudo, no atual contexto, não pode ser desprezado o fato de que está em gestação a criação de uma nova ameaça comum, conforme denuncias patrocinadas por setores da inteligência regional. Trata – se dos americanos do norte.

CONCLUSÃO

Entendemos que a Segurança e Defesa Transnacional poderá ser costurada a partir de instrumentos sub-regionais, com finalidades mais específicas, pelo agrupamento de países com problemas e desafios similares, englobando um extenso conserto que tratasse, inclusive do poder militar.

Assim, apesar de viável, um dos problemas será a incapacidade ou insensibilidade dos países sub-regionais formarem as alianças necessárias, tendo em vista a existência, em alguns casos, de ranços seculares; a outra barreira será o abandono de uma prática, também centenária, de ser evitado a todo custo, o estabelecimento de acordos multilaterais para o trato de tais assuntos.

Por tradição atávica, os governos relutam em entabular conversações deste nível, talvez por temer o surgimento de eventuais lideranças no contexto sub- regional.

Superadas as contradições, cremos que, dependendo dos rumos ou desgovernos instalados, estará montado o cenário para um consenso que respaldará um Pacto de Varsóvia tupiniquim.

Valmir Fonseca Azevedo Pereira é General de Brigada RI e vice–presidente do Instituto Nacional de Estudos e Assuntos Estratégicos (INEA) - InfoRel

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem