Os militares e as fronteiras


Mauro Santayana

É necessário que o bom senso venha a prevalecer na Questão de Roraima. O Senado devia ser o centro do entendimento, mas os senadores da região estão ocupados em coisas menores. O descontentamento militar para com a demarcação em área contínua da Reserva Raposa Serra do Sol deve ser entendido e provocar uma reflexão mais profunda, tendo em vista todos os aspectos do problema. Enquanto se espera a decisão que o Supremo Tribunal Federal vier a adotar, é bom que o presidente e seus ministros continuem a negociar com todos os interessados.

O Congresso, desde o famoso Consenso de Washington, parece ter abandonado o seu principal dever, que é o de garantir a integridade do território nacional. Ao contrário disso, abriram-se as fronteiras setentrionais para a invasão das ONGs – em continuidade a projeto antigo, do qual foi braço importante o senhor Nelson Rockfeller. Há, sobre o assunto, livro importante, de Gerard Colby e Charlotte Dennet (Thy _UNA be done). É preciso que sejam expulsos da área os agentes provocadores estrangeiros, membros de ONGs que ali atuam, em franca violação da soberania nacional.

A Igreja Católica pode compreender a necessidade de que a faixa de fronteira fique sob ocupação militar ostensiva e permanente, e que a demarcação em ilhas – respeitando a ocupação histórica das tribos – é a solução lógica. A tese é a de que a cultura autóctone deve ser preservada. Ela exigiria que os missionários de qualquer culto deixassem os índios com seus próprios deuses. Não há violação mais forte contra a identidade de um povo do que a de lhe trazer deuses estranhos. Não têm faltado defensores apaixonados da globalização da causa indígena, mas têm faltado defensores da soberania nacional.

Em 1900, ao defender a causa do Brasil na Questão de Limites com a Guiana, Joaquim Nabuco (que nunca foi nacionalista extremado), lembrou que a Inglaterra havia mandado para a fronteira de sua colônia com o Brasil o pastor missionário Ioud, ainda em 1838. O evangelista se estabeleceu entre os macuxis da região de Pirara, e essa presença serviu de pretexto para que, quatro anos mais tarde, a Inglaterra invadisse o território brasileiro com um contingente militar comandado pelo mercenário alemão, travestido de cientista, Robert Hermann Schomburgk. O governo britânico pedira ao governo brasileiro passaporte que autorizasse ao cientista que, nas pesquisas que faria na região, entrasse em território nacional. A nossa boa-fé funcionou, e Schomburgk hasteou a bandeira britânica nas nascentes do Rio Essequibo. Em conseqüência de nossa negligência durante o governo da Regência, perdemos dois quintos do território em litígio com os ingleses, com o laudo de arbitragem do rei da Itália em 1904.

Estamos agora, no caso da Raposa Serra do Sol (a mesma região), entrando pelo mesmo caminho e podemos até mesmo perder o que nos sobrou há um século. Os macuxis – os mesmos que foram na conversa do pastor e do mercenário – estão sendo agora seduzidos pelas ONGs, pelos novos missionários protestantes, e pelo Cimi.

A questão básica de Roraima é a soberania brasileira sobre o território que nos foi legado pela História. O governo do presidente Lula naturalmente levará em conta que os governos, os partidos e todos nós somos efêmeros, mas que uma nação só merece existir se existir com o compromisso de permanecer para sempre. Outro aspecto é o do pacto federativo. O governo passado, aproveitando-se de circunstâncias conjunturais, decidiu a demarcação da Reserva – que era projeto do governo Collor, conforme confessou o senhor Sidney Possuelo, então superintendente da _UNAI. Já dissemos, neste espaço, que foi um erro converter os antigos territórios fronteiriços em Estados. Não havia neles cultura sedimentada que autorizasse a autonomia, nem tradições históricas de autogoverno. Mas sendo Roraima um Estado, tem todos os direitos do pacto federativo.

O terceiro aspecto – que se amarra aos interesses ingleses do século 19 – é o da atualidade geopolítica. O New York Times, o mais liberal (no léxico político clássico e não em seu significado econômico atual) dos diários americanos, acaba de fazer apelo à maioria democrática do Congresso para que aprove novo tratado com a Colômbia. O argumento – nele atentemos – é o de que é importante a presença dos Estados Unidos em uma região em que os seus interesses estão sendo ameaçados pela queda da credibilidade do governo Bush. O jornal não nomeia quem rejeita a presença americana na área, mas é certo que estamos entre os que gostariam de que não se imiscuíssem na América Meridional.

Alguns militares exageraram, ao dizer que, servindo ao Estado, não devem estar submetidos ao chefe de governo. Mas a sua angústia, diante das perspectivas do mundo, é explicável.

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