Entrevista com Bob Gower da Boeing


Ao concluir sua visita ao Brasil, Bob Gower, vice-presidente para a linha de produtos F-18 dentro da divisão Global Strike Systems da Boeing, deu uma longa e ampla entrevista à ALIDE sobre o F-18E/F Super Hornet e suas perspectivas de sucesso na concorrência F-X2.

Alide: O mercado global de caças se encontra aparentemente “encantado” pelas novas capacidades agregadas pelos assim chamados “Caças de 5ª geração” como o F-22, F-35 e o futuro PAK-FA. No ponto de vista da Boeing, qual a oportunidade de mercado para um caça médio-pesado de 4ª geração como o F-18E/F.

Bob Gower: Uma coisa precisa ficar bem clara, termos como “quarta” e “quinta geração” são meros rótulos de marketing usados pelos vários fabricantes para tentar distinguir seus produtos... Para nós, muito mais importante é a maneira pela qual a aeronave se posiciona em relação às capacidades da ameaça que se confronta com ela. O F-18E/F é o que nós chamamos de um “balanced approach”, uma proposta “equilibrada”. Nele, se por um lado, temos uma ênfase menor nas formas exteriores “stealth”, nós colocamos uma atenção renovada nos seus aviônicos de última geração. Com isso, nossa “conectividade” é hoje espetacular, superior a tudo que existe ofertado no mercado. E tenho certeza que nossos clientes concordam conosco, pois, há muito tempo que não recebemos tantos pedidos de informação (RFIs) e de proposta (RFPs).

Outro ponto importante é que toda vez que alguém coloca um sistema de defesa novo em operação, os cientistas e técnicos do lado oponente imediatamente reagem com o desenvolvimento de novas armas e sensores para contrapor-se a esta ação inicial. Para nós, o diferencial de verdade está na arena dos múltiplos sensores e na fusão destes dados todos para melhor orientar o combatente sentado no cockpit. Para a Boeing, os múltiplos sensores, sejam eles internos ou externos, são o melhor caminho para o futuro. A integração completa dos sensores faz com que um alvo identificado por um sensor infra-vermelho (IRST) possa ser re-avaliado em tempo real por um estreito feixe do nosso radar AESA. Assim ganhamos tempo, expomos menos o piloto ao MAGE inimigo, e provemos mais certeza de informação para que o piloto possa tomar suas decisões.

Alide: Existe alguma credibilidade nas informações veiculadas recentemente sobre versões avançadas, “stelthificadas”, do F-18 em desenvolvimento, para além dos modelos E/F.

BG: Desde o início da década de 80, uma série de programas de pesquisa e de desenvolvimento de novas tecnologias buscava produzir os componentes e tecnologias que seriam necessários para equipar os novos modelos de caças que viriam a substituir o F-16 e F-18 clássicos além de outros modelos então em operação. A partir de 1993 o programa JAST consolidou todos estes esforços e assim acabou viabilizando o F-22, o F-35 e também o F-18E/F Super Hornet. Enquanto os dois primeiros modelos focaram mais no aspecto de furtividade (stealth), no caso do Super Hornet, o direcionamento foi conduzido para o lado de novos sensores e de conectividade ampliada. A US Navy já definiu um “Road Map” (plano de implementação gradual de melhorias) para o F-18, com seu orçamento já plenamente garantido. Os planos atuais determinam que o F-18E/F permanecerá em serviço nos EUA até, no mínimo, o ano de 2035. Como eu disse antes, nossa estratégia para este modelo é verdadeiramente “equilibrada”, prevendo a adição, ao longo dos anos, de uma grande quantidade de melhorias por todos os sistemas. Quando a US Navy nos pediu uma solução para substituir os F-18C/D nós já estávamos bem adiantados (“ahead of the game”) e tínhamos várias soluções possíveis nas mãos.

O F-18 E/F inicial, o chamado “Block 1”, visava implementar de saída uma série de melhorias de performance e de capacidade de carga de armamento. Sua nova fuselagem era [cerca 20%] maior que a dos F-18 clássicos, carregava [33%] mais combustível internamente e novas armas. Preparado para o futuro, esse modelo apresentava novas turbinas [35%] mais potentes e muito maior capacidade de refrigeração (cooling) e de fornecimento de eletricidade. Para simplificar e reduzir o risco do programa, o “Block 1” foi entregue com os mesmos aviônicos que eram padrão no último lote de F-18C/D. O F-18 do “Block 2” veio em seguida, agregando a esta nova célula, toda a aviônica moderna que faria parte das nosso avião proposto durante a disputa JSF. O desenvolvimento do Block 2 demandou um investimento de USD 4,9 bilhões adicionais da US Navy.

Alide: As novas funções de “ataque eletrônico” presentes no radar AESA APG-79 compensam a falta de características “stealth” da célula?

BG: Sem dúvida alguma, o novo radar muda completamente tudo o que sabemos sobre a guerra eletrônica (EW). Todas as táticas terão que ser revisadas nos próximos anos, especialmente pelo fato do piloto passar a ter uma percepção muito ampliada sobre o que esta ocorrendo naquele momento no campo de batalha aérea. O sistema AESA faz com que haja uma redução marcante na assinatura eletrônica do avião, quando comparado com os radares de antenas apontadas mecanicamente. Quando os primeiros esquadrões de Super Hornet operacionais retornaram de seus deployments no Oriente Médio, já estava claro que novas táticas teriam que ser escritas para extrair a máxima vantagem dos novos sistemas eletrônicos embarcados.

Alide: A Suíça recentemente descartou o Super Hornet da concorrência para substituir seus veteranos Northrop F-5E. O que ocorreu neste caso?

BG: Na realidade, a coisa não foi bem assim. Nós mesmos decidimos por não continuar no processo porque os requerimentos técnicos exigidos apontavam para um nicho abaixo do mercado-alvo do F-18E/F. Os suíços, na realidade, até desejavam que continuássemos na concorrência, mas, eles não estavam no mercado visando adquirir o “melhor caça disponível”, queriam apenas um novo caça leve para substituir seus F-5E.

Alide: Qual é o ritmo da produção atual do Super Hornet?

BG: Bem, este ritmo muda ano a ano, de acordo com as necessidades dos clientes e da empresa. No ano passado, por exemplo, fabricamos um total de 44 unidades. Para este ano, a previsão é de entregarmos 45 aviões. Devido à venda para a Austrália e da entrada em produção do EA-18 Growler, estamos acelerando a produção para alcançar um patamar de mais de 50 aeronaves por ano. Mas, se novas vendas ocorrerem, para o Brasil, por exemplo, poderemos aumentar, ainda mais, este ritmo.

Alide: A recente compra de Super Hornets pela Austrália foi peculiar ao envolver apenas células bi-places. Para a área comercial da Boeing, isso demonstra algum tipo de nova tendência de mercado?

BG: Não creio que possamos ver aí alguma “tendência de mercado”. Na realidade, a escolha por aviões de caça bi-places ou mono-places tem muito mais a ver com a cultura operacional peculiar de cada força aérea. No caso específico da Austrália, estes aviões foram comprados para substituir os General Dynamics F-111, que, como você bem sabe, é um avião de ataque bi-place. Na RAAF existe uma percepção de que o segundo tripulante é importante e útil para auxiliar na compilação de todas as centenas de informações que chegam ao piloto durante o procedimento de ataque ao solo.

Alide: Os F-18s Clássicos venderam muito bem para vários clientes internacionais de destaque como: Canadá, Austrália, Espanha, Finlândia, Suíça, Malásia e Kuweit. Destes, apenas a Austrália parece ter decidido adquirir a nova versão E/F. A Boeing encara os demais clientes do Hornet como potenciais para adotarem o Super Hornet?

BG: Para este grupo de clientes, especificamente, nosso foco principal está em apoiar a operação dos seus Hornets atuais. Pelo que nós percebemos, nenhum deles, além da Suíça sobre qual já falamos anteriormente, se encontra no momento de adquirir novos caças neste momento.

Alide: O novo caça de guerra eletrônica EA-18G Growler já se encontra disponível para exportação? Ele está sendo oferecido ao Brasil?

BG: Bem, nas próximas semanas está previsto começar o período de avaliação operacional do Growler na US Navy. A conclusão desta fase deve ocorrer apenas no final de 2009. Os clientes estrangeiros, por definição, só passam a demonstrar interesse num novo produto quando ele conclui esta fase de Avaliação Operacional nas forças armadas americanas. Por isso, estamos esperando o interesse surgir em 2009, e a partir deste momento, estaremos prontos a oferecer e suportar este produto para clientes no exterior.

Alide: A Boeing se encontra disputando tenazmente a concorrência MMRCA na Índia. Como no Brasil, lá eles esperam uma proposta profunda de transferência de tecnologia, incluindo até a fabricação das aeronaves pela indústria local. Quais as semelhanças e diferenças entre os requerimentos de transferência de tecnologia da Índia e do Brasil?

BG: É verdade, ambos os países incluíram cláusulas de transferência de tecnologia nas suas concorrências, mas, os objetivos específicos aparentemente são bem distintos. Enquanto a Índia foca sua intenção na construção local dos aviões selecionados, o Brasil busca um conjunto estreito de tecnologias que avancem o potencial de sua indústria de uma forma mais ampla, bem além dos limites do programa F-X. O Brasil tem uma indústria bastante avançada e de competência reconhecida no mundo aeroespacial. Eu vejo o Brasil buscando estabelecer relações industriais internacionais de natureza mais igualitária (“peer-to-peer”) ao invés de se bastar com um formato mais simples, algo como “pai-filho”. Dentro do “Request for Information” havia um item que especificava cerca de 10 tecnologias-chaves que o Brasil deseja adquirir. Algumas destas teriam que ser absorvidas por órgãos de pesquisa do setor, como o CTA/ITA. Outras, naturalmente, seriam mais da alçada da Embraer, e outras, ainda, viriam a ser úteis para alguma das várias empresas médias de componentes para a indústria de defesa/aeroespacial que começam a se destacar no Brasil.

Eu acho inclusive que esta estratégia da FAB para obter novas tecnologias está, sem dúvida, sendo implementada de uma maneira particularmente inteligente. Parece que o objetivo deles é “aprender a pescar” e não apenas “obter os peixes”. A Força Aérea Brasileira está buscando maneiras de capacitar a indústria local para aprender a projetar e desenvolver suas próprias “caixas”. Um elemento importante é lembrarmos que a tecnologia avançada também tem seu “prazo de validade”. Se a indústria local não tiver como aproveitar essa tecnologia dentro de um prazo curto, o valor da transferência pode diminuir, ou mesmo, vir a desaparecer.

Alide: No F-X inicial a Boeing optou por não participar da concorrência logo no seu início. Porque isso ocorreu? O que mudou para que a Boeing estivesse interessada em participar agora?

BG: Isso ocorreu há muito tempo, numa época em que eu não fazia parte do grupo ainda. Mas o que sei, é que, naquele momento, o Super Hornet ainda se encontrava bem no início da produção, numa fase natural de qualquer programa industrial onde se conjugavam capacidades operacionais ainda restritas e de altíssimos custos. Tendo isto em vista, ficou evidente para a Boeing que dificilmente nós conseguiríamos atender ao requerido dentro do orçamento previsto para o F-X. Desde então, nosso custo unitário caiu sensivelmente desde a época dos aviões do “Block 1”, e as características operacionais melhoraram demais. Isso esta acontecendo com o F-35, e sem dúvida irá passar também com o PAK-FA russo. No nosso caso, diferentemente do que ocorreu naquela época, nós acabamos de entrar no ponto ideal de custo benefício, o verdadeiro “sweet-spot”. Esta é a nossa melhor hora, já entregamos mais de 360 Super Hornets, nos encontrando quatro meses adiantados em relação ao cronograma de entrega acertado.

Desta vez, o cronograma do F-X2 está muito agressivo, nós retiramos o documento de solicitação de informações (RFI) no dia 12 de junho e a data para sua apresentação era apenas 45 dias depois, no dia 30 de julho. O RFI do F-X2, com cerca de 100 páginas impressas, foi muito bem escrito e organizado. Não foi muito difícil para nós responder ao RFI, uma vez que a maioria do que nos foi solicitado já estava apurado para a participação em outras concorrências. O RFP deve ser muito mais detalhado, por isso mais extenso. Como comparação, nossa resposta ao RFP da Índia tinha nada menos que 8.000 páginas. A FAB está de parabéns por sua objetividade, assim ela evitou que árvores demais fossem sacrificadas apenas para preparar nossa resposta. Nossa expectativa, pelo que conversamos com a FAB, é que o RFP venha a ser emitido ainda antes do fim do ano. Se tudo correr assim, as datas de anúncio do vencedor do F-X2, previstas pela imprensa para abril de 2009, seriam bastante alcançáveis.

Alide: Que tipos de off-sets serão ofertados ao Brasil caso o programa F-18E/F seja escolhido vencedor do F-X2?

BG: A Boeing tem uma excelente história em relação à aplicação de programas de off-set. Ao longo dos anos nós já cumprimos cerca de 30 bilhões de dólares, apenas em programas de off-set em vendas internacionais, e isso, sempre dentro dos prazos acertados. Neste caso em especial, os termos do off-set ainda não foram devidamente detalhados no RFI, esperamos que isto venha a ser explicado em profundidade no RFP.

Alide: Os caças americanos têm sido repetidamente percebidos no Brasil como “propostas inviáveis”, especialmente, devido às restrições impostas pelo Departamento de Estado para a transferência de tecnologia militar avançada. Esta proposta do Super Hornet para a FAB poderá atender, por completo, às exigências de acesso aos códigos fontes dos sistemas embarcados?

BG: Sim, ela poderá. A relação política entre os EUA e o Brasil, duas potências econômicas de grande importância no mundo, segue numa tendência de melhora contínua. Embora a Boeing esteja aqui apresentando o produto e esclarecendo dúvidas, caso ele venha a ser concluído, este negócio será realizado como venda “governo a governo”, ofertado dentro do formato Foreign Military Sales (FMS). Caberá ao governo americano a compra destes aviões da Boeing para sua posterior revenda ao Brasil. Sem o apoio absoluto e completo do governo americano, nós não teríamos nada o que fazer aqui agora.

Alide: Ventila-se na imprensa brasileira que o pedido inicial seria para 36 células, com o número total alcançado entre 100 e 120 aeronaves. O que diz no RFI?

BG: Exatamente, o RFI estipula 36 células e nada mais. Nós estamos nos focando exclusivamente nestas 36 aeronaves, o que vier depois nós consideraremos e responderemos no futuro.

Alide: Tendo em vista a origem naval do Super Hornet, existe alguma conversa em andamento no sentido de padronização da frota de caças da FAB e da Marinha do Brasil? Complementando, o F-18E/F poderia operar desde o convôo do navio-aérodromo São Paulo?

BG: Respondendo primeiro a sua segunda pergunta: sim, o Super Hornet pode operar desde o porta-aviões brasileiro. Inclusive, nós concluímos que o Super Hornet pode operar até mesmo de porta-aviões menores que o São Paulo, usando apenas ski-jump como auxílio. Isso foi apurado, recentemente, para atender às necessidades expressadas pela Marinha Indiana. Mas, como disse antes, nosso foco neste momento é a seleção do novo caça da FAB, considerações sobre caças da Marinha ficarão para depois.

Alide: A Força Aérea Brasileira usa um padrão de datalink local, distinto dos sistemas padronizados pela OTAN. O F-18 receberia estes sistemas na fábrica, ou eles seriam instalados, posteriormente à entrega, já no Brasil?

BG: Esta questão é uma das que ficou para ser detalhado/decidido dentro do Request for Proposal (RFP) a ser emitido no futuro pela FAB. Mas não vejo isso como nenhum “bicho de sete cabeças”, uma vez que é um requerimento relativamente comum. O que, sim, constava do RFI era um questionamento detalhado sobre os tipos de datalinks que já se encontram habilitados/disponibilizados na nossa aeronave.

Alide: O Congresso dos Estados Unidos já autorizou a venda dos F-18E/F e de seu armamento para o Brasil?

BG: Como falamos antes, como esta será uma venda via o programa FMS, o fato de que o governo americano já nos autorizou para a venda do Super Hornet Block 2 ao Brasil é prova clara do conforto do governo americano com este negócio e com o Brasil como parceiro na esfera militar.

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