Cobrança suspeita

Lobistas cobram 18 milhões de dólares da Embraer. Eles dizem (mas não provam) que parte do dinheiro pagou "contribuições políticas" na Colômbia

Diego Escosteguy

No mundo em que voa a Embraer, a maior fabricante de aviões da América Latina, são comuns pendengas por interesses comerciais contrariados envolvendo cifras vultosas. Desde o fim do ano passado, a Embraer está às voltas com um litígio assim. A empresa brasileira tornou-se alvo de uma ação da lobista colombiana Maria Juliana Buendía de La Vega, sócia da Eximco International, uma conhecida representante do comércio mundial de armas e equipamentos militares. Ela contratou um escritório de advocacia no Brasil para cobrar da Embraer uma suposta dívida de 18 milhões de dólares. O dinheiro, segundo ela, deveria ter sido pago como bônus de sucesso por um acordo que envolveu a venda ao governo da Colômbia de 25 aviões Super Tucano pelo valor de 234 milhões de dólares. Para uma companhia que tem uma receita anual de 7 bilhões de reais e emprega 23 000 funcionários, o valor da dívida não seria um grande problema. O que fere a Embraer é o fato de a Eximco afirmar que o negócio só se concretizou mediante o pagamento de "contribuições políticas" a autoridades colombianas.

A Eximco International intermedeia a venda de equipamentos militares a governos de vários países. Em 2000, a companhia foi contratada pela Embraer para assessorá-la numa concorrência aberta pelo governo colombiano para a compra de aviões de combate. De acordo com Maria Juliana de La Vega, a fabricante brasileira venceu a licitação, em 2005, graças a um trabalho de lobby realizado por seu marido, o major aposentado Guillermo Garcia Gil, conhecido como Mayorca e bem relacionado no governo. O major era amigo do general Héctor Velasco, comandante da Força Aérea da Colômbia. Segundo a lobista, para garantir a vitória da Embraer, Mayorca, que morreu em 2005, teria distribuído 4 milhões de dólares em propina, tendo o general Velasco e o então ministro da Defesa e vice-presidente Gustavo Bell como os principais beneficiados.

Para tentar embasar as acusações, os advogados da lobista apresentaram um conjunto de documentos à Embraer aos quais VEJA teve acesso. Além de um contrato de prestação de serviços, há várias trocas de correspondência entre diretores das duas empresas. Os papéis não provam pagamento de propina às autoridades colombianas – nem que a atuação do lobista tenha sido decisiva para a compra dos aviões. Nas conversas dos executivos da Embraer, os lobistas falam em "contribuições políticas", "comissões" e "taxas políticas", termos que poderiam sugerir alguma ação menos ortodoxa. Nada mais do que isso. Mayorca foi contratado pela Embraer em 2000, depois de procurar a companhia e narrar as intenções do governo colombiano. "Ficou claro que ele tinha um acesso político privilegiado e poderia ajudar na venda", explica Eduardo Munhós, executivo responsável, ao tempo do episódio, pela diretoria internacional da Embraer. Pelo acordo, Mayorca receberia 8% do valor da venda. O executivo diz que a tal "contribuição política" fazia parte do trabalho legal de lobby, como a montagem de um escritório e jantares de representação. Nada a ver com suborno de funcionários.

Em um relatório datado de 2 de novembro de 2001, endereçado ao executivo da Embraer Eduardo Munhós, o lobista lembra que, durante as negociações entre as duas partes, ficou acertado que ele "desenvolveria a representação com 8 (%), restando estabelecido que vocês (Embraer) reservariam 2 (%) para o manejo da parte política, tão importante neste tipo de negócio". O lobista afirma no mesmo relatório que combinara os "acertos" diretamente com "Superfuente", codinome dado ao vice-presidente Gustavo Bell. Munhós respondeu apenas que o valor da comissão prometido já era "bastante elevado" e que temia estar perdendo o "controle das variáveis em jogo". Também recorrendo a codinomes, Munhós mostrou-se apreensivo: "Nos preocupa muito que Condor 6 (o general Héctor Velasco), nosso aliado mais forte, tenha, aparentemente, se virado para outros campos".

Meses depois, em outro documento enviado à Embraer, o lobista renovou seu pedido de "aumento de comissão" – e mais uma vez demonstrou sua influência junto ao governo colombiano. Mayorca anexou um ofício assinado pelo general Velasco, o Condor 6, com data futura, reiterando ao ministro da Defesa a "urgente necessidade" de conseguir o dinheiro para a licitação. Escreveu o lobista: "Isto é o que chamamos no jargão de inteligência de ‘informação marcada’; por conseguinte, peço o grande favor de que destrua este texto uma vez que o tenha lido e analisado, para que você se dê conta da grande cooperação que aporta este senhor ao nosso projeto". E concluiu: "A única coisa que pode levar esse projeto adiante, no curto tempo que nos resta, é a colaboração política". O lobista sublinhou a expressão "colaboração política".

A Embraer garante não ter fechado nenhum tipo de acordo adicional com o lobista – e, efetivamente, não existe prova disso. A empresa brasileira afirma ter rescindido o contrato por falta de resultados práticos. Mas pelo menos os contatos continuaram, conforme mostram os documentos. Logo após a posse do presidente Álvaro Uribe, em 2002, o lobista comemorou a decisão do governo de manter o comandante da Força Aérea. Escreveu Mayorca à Embraer: "A nave segue seu rumo, com capitão a bordo, com o norte indicado". Segundo a viúva do lobista, para evitar problemas com o novo governo, o contrato entre a Embraer e a Eximco, já alvo de denúncias de irregularidades, passou a ser informal. "A contratação de profissionais ou empresas para a promoção de vendas de produtos de defesa constitui prática de mercado prevista na legislação de inúmeros países, inclusive a Colômbia. Informações contratuais específicas são sujeitas a cláusulas de confidencialidade e não serão comentadas pela Embraer", diz uma nota da companhia.

O episódio envolvendo a Embraer com os colombianos tem alguma relevância – e pode virar-se agora contra a imagem da empresa de forma desproporcionalmente injusta – por uma razão básica: o comércio mundial de armas e equipamentos militares é sempre eivado de suspeitas. Na França, Christine Deviers-Joncour, amante de um ministro do governo François Mitterrand, recebeu 10 milhões de dólares para convencer o parceiro a autorizar a venda superfaturada de fragatas francesas a Taiwan. No Japão, o ex-vice-ministro da Defesa Takemasa Moriya admitiu ter recebido propina de uma fornecedora de material militar. No fim do ano passado, VEJA procurou Maria Juliana de La Vega, que mora na Espanha. Por meio do advogado Raul Canal, a lobista confirmou a denúncia e disse que viria ao Brasil conceder uma entrevista. Na data marcada, ela não apareceu e mandou avisar que fora procurada por um emissário da Embraer, que teria se comprometido a pagar a dívida. A Embraer nega a existência de qualquer acordo e garante que estuda processar a lobista colombiana.

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