A delicada arquitetura de uma nova defesa nacional


Vasconcelos Quadros

Brasília - O projeto de reestruturação das Forças Armadas que está sendo preparado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, será a maior mexida na estrutura militar nos últimos 50 anos.

Impulsionada por um pacote de leis que chegará em breve ao Congresso, a proposta cria o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), muda a doutrina para permitir uma nova missão interna em tempos de paz, estende o poder de polícia à Aeronáutica e Marinha, equipa as três Forças, estimula o surgimento de uma indústria militar e, por tabela, dá a Jobim o status de superministro no apagar das luzes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As mudanças em curso têm como pano de fundo uma alteração radical na estratégia de defesa mirando a França com parceira: a preparação das Forças Armadas para garantir ao país a consolidação da bacia do pré-sal e, como consequência, um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) com o ônus e o bônus que a conquista representa.

– O Jobim se empolgou – ironiza o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), representante da frente parlamentar que acompanha as mudanças na área militar. – É um processo iniciado no governo Fernando Henrique, com a criação do Ministério da Defesa e costurado a quatro mãos por Jobim e Unger (o ex-ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger) com os militares.

Ao participar da audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quartafeira, Jobim, que foi relator da Constituição de 1988, fez a mea culpa pelo fato de o Congresso ter deixado redesenhar o papel para os militares naquela ocasião.

– Confundimos defesa com perseguição política. Nenhum de nós se comprometeu com um projeto de nação – disse o ministro, depois de um detalhado relato sobre os esforços que vem fazendo para reestruturar as Forças Armadas, passo imprescindível, segundo ele, para dar ao Brasil o papel de líder da América do Sul no novo eixo regional. Sempre acompanhado por um séquito das três forças para demonstrar que tem o apoio da caserna, o ministro explica que, depois de 24 anos de democracia, o país vai, finalmente, pacificar a historicamente tensa relação entre civis e militares com uma guinada: – Será a subordinação definitiva das Forças Armadas ao poder civil.

Em contrapartida, Jobim garante a reestruturação da Marinha com uma segunda frota – a vitrine será o submarino de propulsão nuclear e uma indústria naval que resultará da parceria com a França – criará na Amazônia novos 28 pelotões do Exército e, ao modificar a legislação atual, dará à Aeronáutica os 36 caças que, ao que tudo indica, serão os Rafale produzidos pela indústria francesa Dessault. Entre as três forças funcionará o novo EMCFA, que cuidará da logística, integração, mobilização, serviço militar – que envolverá uma parte obrigatória e outra de profissionais – e uma nova secretaria de compras, atribuição que também sairá dos comandos militares.

A engenharia jurídica em gestação mudará basicamente duas leis – que regem a área militar – para transferir poder ao Ministério da Defesa. O EMCFA já nasce integrando as três armas. O pulo do gato político está na designação de seu comandante. Ele pode ser um oficial-general da ativa nomeado pelo presidente e "indicado" pelo ministro da Defesa, atribuição que sai da esfera militar. O ministro também deixa de ser apenas "ouvido" na nomeação dos comandantes militares e passa a indicá-los antes de encaminhar os nomes para o Palácio do Planalto. Na definição de promoções, os comandantes elaboram as listas, mas quem escolhe é também o ministro.

No emprego das Forças Armadas em operações dentro do país, as ações que antes eram apenas combinadas, passam a ser integradas, embora cada comando mantenha sua estrutura de treinamento e preparo. A Aeronáutica, por exemplo, deixa de ter apenas o papel de poder de abate sobre uma aeronave que não atender a ordem de aterrissar em casos de suspeita de envolvimento com o crime e poderá fazer revistas e prisões em flagrante – hoje esse papel cabe apenas ao Exército e Polícia Federal. A Marinha, ao ganhar status para atuar em "águas jurisdicionais brasileiras" poderá também patrulhar os rios da Amazônia e prender criminosos.

– No geral o plano é bom. Mexe no organograma, na estrutura material e nos recursos humanos das Forças Armadas. Reforça o poder civil – concorda o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. Jobim volta ao Congresso depois do dia 21, data em que o governo avalia as propostas para bater o martelo na compra dos caças, já com o pacote de leis mais amadurecido.

O ministro quer aliar a desconcentração das estruturas das estratégias militares, hoje com 80% concentrados em São José dos Campos (SP), com o estímulo a formação de um complexo industrial bélico e a ampliação da base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão. Contará com a parceria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que passará a financiar também a indústria bélica.

Nos planos do ministro, em vez de três bases, como é atualmente, Alcântara teria mais 20, cada uma com um raio de cinco quilômetros de distância uma da outra. Geograficamente estratégico, é o melhor ponto de lançamento de foguetes do mundo, a apenas três graus da Linha do Equador. Jobim acha que o Brasil pode obter renda alugando as bases para outros países.

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