O acordo militar Brasil-França



 

José Luiz Niemeyer dos Santos

O acordo militar firmado entre Brasil e França estabelece outro nível de relacionamento estratégico entre os dois países. Os países serão parceiros por um longo período em função de projetos na área da cooperação industrial-militar.

A intenção do acordo é, sim, condizente com as necessidades de defesa do Brasil. A aquisição de submarinos convencionais e de aviões de ataque é uma diretriz governamental que se apresenta como correta, sendo que tais armas se configuram como meios militares que dão prioridade à mobilidade estratégica e aos processos de dissuasão de ameaças em alto-mar e em fronteiras terrestre complexas.

Todavia duas questões devem ser também discutidas em favor da transparência do acordo e de sua viabilidade político-estratégica.

Com relação à primeira questão levantada, devem ficar mais claras as regras da licitação dos 36 caças que serão adquiridos pela Força Aérea do país.

Principalmente porque este é um processo que se originou no ano de 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso; a forma e o conteúdo das negociações ao longo do tempo podem ter sido alterados de acordo com as intenções dos governos à época – o que é até compreensível –, mas, em contrapartida, deve-se resguardar o projeto de renovação da frota da FAB como uma ação de Estado e não de governo.

Na perspectiva político-estratégica a complexidade é muito maior. Um acordo militar deste porte, de alto custo financeiro e de desdobramentos no campo da grande estratégia de defesa do país, não se constitui em algo trivial.

Como o próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva deixa claro, este acordo é um marco na construção de um posicionamento mais soberano do Brasil com relação ao resguardo dos seus interesses sub-regionais, regionais e mesmo sistêmicos.

O acordo foi firmado com a França, fato por si só louvável, sendo este país um aliado tradicional do Brasil nas questões que envolvem uma participação mais relevante e efetiva das nações emergentes nas discussões relativas à alta política internacional.

Todavia, antes deste acordo, já existiam o que caracterizamos como "as relações internacionais". Que se resumem em relações mais ou menos estáticas entre agentes estatais.

Em diplomacia o tempo e os recursos são escassos. Mesmo sendo necessário, em muitos casos, "apressar o tempo" para se alocar recursos de poder, não se pode desvincular o passado das ações concretas do presente, ainda mais sendo tais ações relativas à área muito sensível da segurança do Estado.

Até "ontem", o parceiro principal do Brasil do ponto de vista estratégico-militar eram os Estados Unidos da América.

Ponto.

O Brasil, nas últimas décadas, tem sido um interlocutor importante dos EUA na América do Sul, mediando, inclusive, hipóteses de conflitos e de guerra entre países, o que sempre caracterizou o Brasil como um aliado dos EUA no continente e no hemisfério. A maior e mais sofisticada operação militar brasileira no pós-Segunda Guerra Mundial foi o envio de tropas ao Haiti, movimento que contou com o total apoio do governo dos EUA junto à ONU e aos demais membros da missão. A proximidade geopolítica e geoestratégica com os EUA contribuiu para que o Brasil construísse parcerias de longo prazo no que diz respeito ao combate dos ilícitos internacionais; à cooperação energética; à conservação do meio ambiente; e à construção de uma base de segurança alimentar para os povos da região. Todos estes temas possuem ligação direta com a área da segurança e da defesa nacional.

Também nas últimas décadas processaram-se canais institucionais muito relevantes entre as esferas estatais brasileiras e norte-americanas, seja no campo da cooperação econômicocomercial seja nos assuntos da diplomacia e do conflito.

Assim, um acordo militar entre França e Brasil não pode deixar de ser tratado sob um prisma também político.

Neste âmbito é importante que a Chancelaria brasileira esteja atenta aos desdobramentos do acordo no que diz respeito à posição norteamericana. Como também é fundamental perceber a reação do sistema de Estados a este movimento por parte do Brasil num mundo ainda em transformação.

Mantendo-se por parte do país, basicamente, uma ação fundada na autonomia responsável. A contribuição brasileira para a construção de um contexto multilateral pós-Guerra Fria já é uma realidade. O Brasil tem desenvolvido nos últimos anos credenciais neste sentido, seja no campo diplomático, da cooperação econômico-empresarial e da corresponsabilidade em temas sensíveis das relações internacionais.

Mas é senhor que as decisões de política externa e de defesa nacional sigam procedimentos preestabelecidos, institucionais e transparentes, dentro dos quais não se exagere nos meios alocados, descaracterizando valores tradicionais, em busca de objetivos pouco realistas e por demais custosos.

José Luiz Niemeyer dos Santos Filho é coordenador de graduação em relações internacionais do Ibmec/RJ e Ibmec/BH.

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