Segredos de graça

A cada vez que a compra multibilionária dos 36 caças é abordada, menos confiança esse negócio mostra merecer

Jânio de Freitas - Folha de S.Paulo

Com uma pequena frase a meio de sua exposição para parlamentares sobre a "concorrência" para compra dos aviões de caça, o representante do F-A18E, que a Boeing oferece em vão ao Brasil, suscita dois questionamentos importantes à conduta do governo brasileiro. Disse ele que no F-18 há componentes cuja tecnologia "nem a Boeing conhece".

Mesmo que seja só para despachar outros concorrentes que não o Rafale francês, desejado por Lula e por Nelson Jobim, a exigência de cessão integral da tecnologia aplicada no avião, para aceitar comprá-lo, excede em desconsideração, ou em desconhecimento, realidades essenciais.

Assim como, em exemplo mais simples, as chamadas fábricas de automóveis usam muitas partes compradas a fabricantes diversos, a indústria aeronáutica usa múltiplos pesquisadores, projetistas e fabricantes. A Espanha, para citar um caso, é fornecedora de asas para muitas indústrias, inclusive a bem-sucedida Embraer, cujos aviões mais qualificados têm cerca de 80% do seu custo e tecnologia provenientes do exterior.

Em uma de suas formulações simplistas, Nelson Jobim diz que qualquer ressalva à cessão da tecnologia exclui a priori o concorrente. Logo, ou o concorrente precisa fabricar tudo em todo o avião, dos pneus às sofisticações mais inacreditáveis -e nos caças modernos são muitas -, ou todos os inúmeros fabricantes de componentes têm, também, que ceder os direitos, conhecimentos ainda que secretos, processos e ferramentas das tecnologias que desenvolveram. Nos dois casos, a exigência brasileira não está longe do desatino.

Se oficializada a oferta do presidente Sarkozy a Lula, de ceder toda a tecnologia do Rafale, duas hipóteses merecem consideração. Ou a promessa não será cumprida de fato, como os mais variados pretextos já amputaram cessões adquiridas; ou o modelo ofertado de Rafale está desprovido das melhores modernidades, sempre resguardadas como segredos militares de altos investimentos e conhecimentos. Neste capítulo, convém lembrar que o custo de criação do Rafale foi tão alto, que as indústrias Dassault só puderam arcar com 25% dele, precisando o governo francês entrar com os restantes 75%. E agora, segundo o tal "preço especial" citado por Lula, transfeririam ao Brasil o resultado de todos aqueles investimentos e conhecimentos pelo preço de custo direto do produto. Pois sim.
 
A cada vez que a compra multibilionária dos 36 caças é abordada, menos confiança esse negócio mostra merecer.

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