Tenente médica retorna do Haiti e relata dramas


LUCIARA SCHNEID - Correio do Povo

Após sete meses e oito dias no Haiti e um período no Rio de Janeiro, a tenente Daniella Gil, de 34 anos, que atua no Posto Médico de Guarnição de Pelotas, está de volta à cidade. Atualmente, se divide entre o atendimento no local e as aulas do mestrado em Ciências da Saúde, na Universidade Federal do Rio Grande.

Integrante da Missão de Paz do Brasil no Haiti, Daniella estava lá durante o terremoto ocorrido em 12 de janeiro. Ficou mais de 72 horas sem dormir para atender as vítimas, entre elas crianças gravemente feridas e gestantes. "A gente não teve tempo de chorar nossos mortos, tinha que ajudar quem precisava e tinha chance de sobreviver", diz, ao se referir aos 18 militares que morreram na tragédia.

A tenente retomou as atividades em Pelotas após um período de licença do Exército, que aproveitou para ficar com a família no Rio de Janeiro. "Quando voltei, meus pais diziam que estava muito retraída. Foi uma experiência diferente, de confinamento. Mas eu estou bem, com a sensação de missão cumprida. No tempo em que estive lá, consegui desenvolver um trabalho que valeu a pena", afirma. 

A médica conta que, dos 11 partos realizados após a tragédia, duas recém-nascidas receberam seu nome. "Depende das oportunidades, mas pretendo voltar lá um dia. Gostaria de conhecer as Daniellas mais velhas", diz. Durante a tragédia, a militar atendia no consultório montado em contêineres, quando sentiu tudo tremer. Saiu à rua para ver o que tinha acontecido. "Alguém falou: ''É um terremoto''.

Em seguida, chegou um soldado com ferimentos leves, mas rapidamente começaram a aparecer haitianos machucados, alguns até com pernas amputadas. De repente era uma quantidade tão grande que não tínhamos mais capacidade para atender e outros militares começaram a ajudar", conta.

As condições eram precárias e os pacientes recebiam socorro no chão, na areia. Adultos e crianças chegavam a todo momento. Muitos com fratura exposta e necessitavam de cirurgia. O problema era onde, se os hospitais que restaram não tinham condições de receber ninguém. No dia 12 de janeiro, Daniella atendeu um paciente atrás do outro, cerca de cem pessoas. Sobreviveram 70. Muitos dos médicos da Missão de Paz foram para a rua resgatar os feridos. A região mais alta do Haiti, onde ficavam as casas da elite, foi a mais atingida.

A médica conta que às 5h uma grávida entrou em trabalho de parto e a criança nasceu no chão.

"No meio daquele caos, uma alegria ver uma vida chegando, dando esperança para a gente", frisa. A gestante sangrou muito. "Conseguimos controlar a hemorragia. Mantive as duas, a mãe e a menina com a gente até ficarem bem, mas me dei conta que elas não tinham para onde ir, como o resto", acrescenta. 

No dia seguinte ao terremoto, uma enfermaria foi improvisada, ainda na areia. A instalação do Hospital da Aeronáutica permitiu, depois, a transferência dos pacientes para procedimentos delicados. "O Brasil mandou mais 700 homens após o terremoto. O que a gente espera é que o país consiga se reerguer", afirma.

Carioca, ela participou de treinamento antes de vir para Pelotas, sua segunda opção para trabalhar. A primeira era sua terra natal. "O Rio Grande do Sul tem tudo, além de os gaúchos serem muito simpáticos", diz. Daniella tem amiga aqui e salienta que sempre gostou do estilo de vida do povo, por isso quis vir.

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