Crea: empresas contratadas pelo IME são ilegais

Consultorias, que atuaram em obras de rodovias brasileiras, não têm registro no órgão ou engenheiro responsável

Carla Rocha e Vera Araújo - O Globo

Um levantamento do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ) revela que todas as 12 empresas contratadas pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército, que estão sendo investigadas por uma suposta formação de cartel, estão em situação irregular. Só uma delas tem registro no órgão (o que é exigido por lei), mas mesmo ela não tem um engenheiro responsável em dia com suas obrigações legais. As informações já foram encaminhadas pelo presidente do Crea, Agostinho Guerreiro, à Procuradoria de Justiça Militar do Rio, que investiga o esquema que pode ter fraudado licitações no valor total de R$ 15,3 milhões.

As empresas foram contratadas para prestar serviços de consultoria em diversas áreas, como informática e meio ambiente, sendo a maior parte deles realizada entre 2004 e 2006. Os contratos visavam a melhorias em rodovias brasileiras em projetos coordenados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, em parceria com o IME, centro acadêmico de referência, subordinado ao Ministério da Defesa. O caso é investigado porque há suspeita de que as firmas contratadas tinham entre seus sócios parentes ou outras pessoas ligadas a militares e a ex-militares do instituto, que eram usados como laranjas. O objetivo seria ganhar concorrências de cartas marcadas, já que muitos eram oficiais lotados à época no IME.

Agostinho Guerreiro disse que o fato de o IME não ter exigido o registro das empresas no Crea chama a atenção:

— É estranho que não tenha sido exigido o registro porque ele é a segurança de que o contrato está dentro da lei. Muitos problemas poderiam ter sido evitados. Todas as obras realizadas por essas empresas estão ilegais. O presidente do Crea lembra que, de acordo com o artigo 15 da lei 5.194/66, são nulos os contratos referentes a qualquer ramo da engenharia, quando firmados por entidade pública ou particular com pessoa física ou jurídica não legalmente habilitada a praticar a atividade. A única empresa com registro no Crea é a GNBR, a que mais recebeu recursos do IME e prestou serviços para uma obra da BR-163, que liga Cuiabá, no Mato Grosso do Sul, a Santarém, no Pará. Entre 2004 e 2008, a empresa teve R$ 3,3 milhões liberados pelo IME, de acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal. No período, por meio do instituto, a firma prestou serviços também ao Colégio Militar do Rio. No bairro do Jockey, em São Gonçalo, onde ficaria a sede da GNBR, de acordo com a Receita Federal, há uma casa simples, onde, segundo vizinhos, nunca funcionou uma empresa — uma prática comum entre as firmas investigadas. Outras também não foram encontradas nas sedes informadas e havia até uma sócia que declarava morar no Morro do Urubu, em Pilares.

Após as denúncias publicadas pelo GLOBO, o Ministério Público fez uma ação de busca e apreensão no prédio do IME, na Urca, procedimento considerado incomum dentro de uma unidade militar. Ainda depois das reportagens, o IME abriu um inquérito policialmilitar, conduzido pelo general de divisão João Edison Minnicelli, diretor do Centro Tecnológico do Exército. A procuradora Maria de Lourdes Sanson, do 5oOfício do Ministério Público Militar, coordena uma força-tarefa que investiga o caso.

Pagamentos a jato

Uma das linhas de investigação do Ministério Público Militar se refere à velocidade com que as empresas recebiam pelos serviços. Contratadas pelo IME para prestar consultorias às vezes complexas na área de geoprocessamento, elas conseguiam receber poucos dias depois. Os procuradores se baseiam em históricos como o da Enrilan: criada em 13 de setembro de 2004, a empresa venceu a licitação pouco mais de um mês depois, em 27 de outubro, e recebeu o primeiro pagamento no dia 19 de novembro. Os procuradores querem saber ainda se os serviços foram de fato prestados.

A prática irregular do IME já tinha chamado a atenção de técnicos do Tribunal de Contas da União. Em 2005, uma auditoria alertava que, numa concorrência realizada pelo instituto para obras na BR-101, no município de Osório (RS), quatro empresas tinham sócios em comum, o que prejudicaria a disputa. O tribunal citou ainda um caso em que o pagamento a uma das firmas foi feito um dia após a emissão da nota de empenho. Para o TCU, só havia duas hipóteses para explicar a proeza: ou a empresa recebeu valores superiores a R$ 100 mil por serviços realizados em um único dia ou o pagamento foi feito antes da execução dos trabalhos.

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