Desmilitarização à vista nos céus

Estudo pedido por Lula recomenda que aviação civil passe do Ministério da Defesa para os Transportes

Geralda Doca - O Globo

A aviação civil no país deve estar subordinada ao Ministério dos Transportes, e não à Defesa; e o controle do tráfego aéreo precisa sair da Aeronáutica para uma agência civil, também ligada à área de transportes. Debaixo do mesmo guarda-chuva, ficariam a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Infraero, que seria reestruturada e perderia o monopólio da administração dos aeroportos - tarefa que passaria a ser compartilhada com o setor privado. Estas recomendações, que em outras palavras consistem na desmilitarização do setor, fazem parte de um completo diagnóstico pedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao BNDES e elaborado pela consultoria McKinsey.

O levantamento, ao qual O GLOBO teve acesso, será divulgado nos próximos dias. As medidas, aliadas a outras ações emergenciais, têm por objetivo acabar com os gargalos na infraestrutura aeroportuária e permitir que mais 200 milhões de brasileiros - o equivalente ao movimento anual de nove aeroportos de Guarulhos - possam voar, o que vai exigir investimento entre R$25 bilhões e R$34 bilhões até 2030 somente nos 20 aeroportos mais movimentados do país.

O documento, de 400 páginas, conclui que, depois de três anos do apagão aéreo, continua faltando articulação entre os órgãos do setor, além da falta de planejamento para expandir a capacidade dos aeroportos e acompanhar o crescimento da demanda. Diz ainda que há sobreposição de funções entre as autoridades responsáveis e de normas (do extinto Departamento de Aviação Civil-DAC), que precisam ser revistas, revogadas e organizadas. Destaca também a necessidade de um marco regulatório para o setor (regras de contratos de concessão dos aeroportos), parado no Ministério da Defesa.

De 20 aeroportos, 13 têm gargalos

Entre os benefícios de se criar uma agência civil para fazer o controle do tráfego aéreo, o documento destaca maior transparência na atividade, com a publicação de balanços com indicadores operacionais e financeiros, a atuação de um conselho de administração com regras de governança. Fala ainda na criação de incentivos (cargos e salários) e a definição clara de metas individuais e coletivas.
 
Essa agência teria uma estrutura própria, presidência e diretorias, com receita própria e responsabilidade pela geração de resultados. O estudo cita o controle da aviação civil nos EUA, feito por funcionários civis do governo, com contrato específico de trabalho que os proíbe de fazer greve, sob pena de demissão e consequências judiciais.

O relatório destaca, no entanto, que essa migração ocorreria a médio prazo. Para evitar custos elevados com a duplicação de sistemas existentes hoje, propõe o uso comum dos equipamentos civis e militares, que passariam a fazer parte do ativo da nova empresa pública. Os instrumentos exclusivamente militares continuariam com a Aeronáutica. E, para evitar perdas de receitas, sugere melhorar o orçamento da Força.

Com a mudança no controle, acompanhada de uma transferência das atividades para o Ministério dos Transportes, o órgão máximo do setor hoje, o Conselho de Aviação Civil (Conac), ganharia um novo parceiro, o Conselho Nacional de Infraestrutura de Transportes (Conit), criado em 2001.

Também seria transferido para a pasta dos Transportes o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), subordinado à Aeronáutica. Na nova configuração, o órgão ficaria apenas com a responsabilidade de investigar acidentes aéreos, sem a preocupação de apontar culpados, mas evitar problemas recorrentes. Seria da Anac a missão de prevenir acidentes, com fiscalização.

O estudo aponta gargalos em 13 dos 20 aeroportos mais movimentados do país. O aeroporto Santos Dumont, apresenta, por exemplo, limitações no pátio de aeronaves. O documento também alerta que a Copa do Mundo e as Olimpíadas vão aumentar a pressão sobre a infraestrutura e destaca a incapacidade da Infraero em tocar as obras dentro do tempo previsto. Do total de R$2,804 bilhões previstos para serem investidos em 17 aeroportos em 2006, três anos depois a estatal executou apenas R$815 milhões. Alguns projetos, como a construção do segundo viaduto do aeroporto de Brasília, fundamental para que possam ser utilizadas as duas pistas do terminal, não saíram do papel.

Segundo o relatório, a Infraero obteve um lucro em suas operações de R$400 milhões em 2008. No entanto, nas condições atuais, precisaria de transferência do Tesouro para realizar seus investimentos planejados em R$2 bilhões ao ano, nos próximos cinco anos. De acordo com o estudo, os ativos aeroportuários são "subutilizados" no Brasil, onde as receitas comerciais representam apenas 25% das receitas aeroportuárias totais. Nos aeroportos internacionais, esses ganhos equivalem a 55%. O texto diz, porém, que os aeroportos brasileiros podem ser autossuficientes com melhor aproveitamento dos ativos e "um pequeno incremento nas tarifas aeroportuárias".

Alguns gargalos, alerta o diagnóstico, precisam ser solucionados a "curtíssimo prazo", como a instalação de terminais provisórios, além de medidas estruturantes, que são investimentos de maior porte para atender à demanda projetada nos terminais de passageiros, sobretudo em pátio e pista. A situação é mais grave nos três aeroportos de São Paulo (Guarulhos, Congonhas e Campinas), devido ao efeito cascata de atrasos e cancelamentos no resto na malha. Construir um terceiro terminal no estado não é a solução mais adequada, diz o estudo. Essa pode ser uma saída para a aviação geral (jatos executivos).
 
Documento critica limitação de pousos
O documento indica a reestruturação da Infraero e sua abertura de capital, com autorização para que a iniciativa privada possa construir e explorar novos terminais. Sugere como contrapartida para áreas comerciais investimentos em pistas e pátio.

Segundo o levantamento, limitar a capacidade, com restrição de pousos e decolagens - como fazem hoje as autoridades envolvidas em Congonhas e em Guarulhos em determinados horários - "significa não somente deixar passageiros desatendidos, com reflexos adversos na economia, mas regredir em muitas das conquistas do setor, como a maior competição, que permitiu redução de preços aos passageiros".

O setor cresceu 10% ao ano entre 2003 e 2008, quando o preço médio por quilômetro voado baixou 48% no período. Apesar da crise global, no segundo semestre de 2009, o setor já retomou ao patamar anterior de forte demanda.

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