Itália põe mercado nacional de defesa na alça de mira

Principal conglomerado industrial italiano desembarca no Brasil, mas terá de enfrentar predominância francesa no segmento

Marcelo Cabral, de Roma - Brasil Econômico

Uma guerra fria promete esquentar a disputa pela segurança das terras, mares e céus do Brasil.

Tradicional cliente dos Estados Unidos quando o assunto é a compra de materiais militares, o país assistiu nos últimos anos à gradativa substituição da influência americana pela francesa na área. Mas agora um novo competidor está chegando à batalha. Trata-se da Itália. O grupo Finmeccanica

maior conglomerado industrial italiano, que concentra a parte de leão do segmento de Defesa do país europeu está se preparando para investir pesado por aqui, com a abertura de uma unidade em Brasília. O foco é o crescente mercado militar nacional, que vem se reerguendo após décadas de estagnação e falta de investimento.

―O Brasil tema necessidade e a Itália tem a tecnologia, resume Pier Francesco Guarguaglini,CEO do grupo.

―O Brasil representa uma grande oportunidade. É um país que está crescendo muito, tem

ganhado projeção política internacional e ainda não possui uma indústria de Defesa muito grande. Isso é tanto uma chance para nós fazermos negócios quanto para o país desenvolver esse segmento, analisa Paolo Pozzessere, vice-presidente de vendas.

―Além disso, é claro, é um dos mercados de onde a concorrência americana se afastou, o que para nós é fantástico, brinca.

Oportunidade

A brecha para o interesse italiano surgiu em abril, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi assinaram, em Washington, um acordo de cooperação entre os países, que prevê a possibilidade de diversos negócios na área de Defesa. Um dos campos considerados mais promissores é o naval, pois o Brasil deverá comprar cerca de 20 navios de grande e médio porte para reforçar o patrulhamento dos campos petrolíferos do pré-sal e criar uma nova esquadra

sediada no norte do país. Ao longo dos anos, o negócio deve superar os US$ 5 bilhões.

―Temos muita experiência em suprir material para as marinhas da região‖, diz o vice-presidente. Através de sua subsidiária Telespazio, o grupo também está oferecendo sua constelação de satélites Cosmo- SkyMed para uso no patrulhamento da Amazônia Azul, nome dado pela Marinha para as 200 milhas navais da zona econômica exclusiva do Brasil. No setor aéreo, os negócios estão ainda mais adiantados para a venda de 24 a 36 jatos de treinamento M-346 para a Força Aérea Brasileira (FAB) por cerca de US$1 bilhão.

No entanto, os italianos terão que enfrentar uma barreira formidável, chamada França, para ter possibilidades reais no mercado nacional. Segundo Fernando Arbache, presidente da Arbache Consultoria, a Marinha foi a primeira força a se aproximar mais dos franceses, a partir da venda do portaaviões São Paulo, seguida, no ano passado, de contratos para o fornecimento de submarinos e helicópteros franceses, além do desenvolvimento de um vaso movido a energia nuclear. Afrancesa Dassault também é favorita para a venda de seus caças Rafale para a FAB, um negócio que deve ultrapassar a barreira de US$ 10 bilhões jáno primeiro contrato.

Peso político

A questão política também deverá ter um peso fundamental na relação entre o Brasil e os países

europeus.

―O jogo depende muito de saber quem será eleito no Brasil para o próximo governo e quem será o novo ministro da Defesa. Dependendo do resultado, toda a configuração política pode mudar, alerta Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador militar da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mas a mesma máxima vale para os mandatários dos países europeus. Hoje, Lula é mais próximo do francês Nicolas Sarkozy que de Berlusconi.

A grande variável é que essas peças podem ser rapidamente substituídas por outras.

―Não podemos ficar com uma única aliança. Se aparece nesses países um governo opositor, como ficamos?,

questiona Bastos, defendendo a diversificação das apostas políticas. A própria situação volátil da economia europeia, com a crise grega ameaçando desembarcar definitivamente em outros países, põe ainda mais pimenta no tempero diplomático.

Por outro lado, uma diversificação excessiva de fornecedores prejudica a cadeia logística das

forças armadas brasileiras.

―Atualmente temos uma miscelânea absolutamente sem propósito de equipamentos: blindados alemães, fragatas inglesas, caças americanos e mísseis russos, só para citar alguns, argumenta Arbache. Ou seja, o importante é buscar um equilíbrio entre a variedade de aliados e de fornecedores, até que seja possível desenvolver tecnologia suficiente para fabricar os equipamentos militares por aqui. O que será bem mais fácil com pelo menos dois países disputando o protagonismo.

Grupo aposta em tecnologia e cooperação

Cerca de 11º do faturamento é revertido para pesquisa, um dos maiores índices do mundo Disputar o mercado brasileiro de Defesa com os franceses não será nada fácil. Mas a Finmeccanica - oitavo maior conglomerado mundial de defesa por faturamento, atrás apenas dos gigantes americanos e do consórcio multinacional europeu EADS - aposta na alta tecnologia como um fator decisivo para sair vitoriosa da luta. Hoje, cerca de 11% de todo o faturamento do grupo é revertido para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), um dos maiores percentuais entre todas as companhias do setor, segundo a pesquisa International R&D Scoreboard.

―Manter a liderança tecnológica é a única chance de competir no mercado de Defesa, principal mente em relação aos americanos. E reforça nossa estratégia de transferir tecnologia para nossos parceiros‖, afirma o vice-presidente Paolo Pozzessere.

Atualmente, o grupo é formado por 20 empresas próprias e outras seis joint ventures, que atuam em sete grandes segmentos (veja quadro acima). Uma reestruturação iniciada nos anos 2000 mudou o foco dos negócios mais diretamente para o setor de Defesa, que passou de 43% para 81% no peso total das operações corporativas. O faturamento teve aumento similar, saindo da casa dos € 10 bilhões em 2005 para cerca de € 18 bilhões no ano passado, ou o equivalente a US$ 25 bilhões. Frente a 2008, a elevação foi de 21%. Ao mesmo tempo, o grupo se internacionalizou: a fatia do mercado externo passou de 20% para 43% do resultado da companhia. A maior parte dos empregados (56%) ainda está na Itália, que é seguida pelos EUA, Reino Unido e Polônia.

Tradição conjunta

Diversas empresas do grupo já têm tradição em parceria com o Brasil. O avião de ataque leve AMX foi desenvolvido no começo dos anos 1980 pela Embraer em conjunto com a Aeritalia e a Aermacchi, (hoje Alenia Aermacchi) e está em serviço em ambas as Forças Aéreas. O know-how desenvolvido pela fabricante brasileira em componentes, nessa ocasião, deu oportunidade para a origem das linhas de E-jets e dos modelos Phenome Legacy, que hoje formam o coração da fabricante de jatos regionais. Mais ou menos na mesma época, a Selex Sistemi Integrati, na ocasião conhecida como Selenia, forneceu radares para navios da Marinha e, mais tarde, ajudou no complexo programa de modernização das fragatas da classe Niterói. Em terra, o Exército usa canhões leves da Oto Melara. Na área civil, a Telespazio fornece serviços de telecomunicações para operadoras de telefonia, e no ano passado a Ansaldo Breda assinou um contrato de US$ 117 milhões para fornecer trens elétricos para o sistema de transporte de Fortaleza.

O problema foi que a proximidade com os EUA e a crise econômica brasileira - que afetou profundamente o desenvolvimento de novos projetos de Defesa - afastaram a Itália do papel de protagonista do cenário militar do Brasil. Já nos últimos anos, a introdução de uma política nacional de Defesa, que pede a transferência de tecnologia, distanciou o Brasil dos EUA e abriu caminho para a chegada dos franceses. Como retomar o cenário positivo? ―Se os italianos quiserem entrar aqui, vão ter que atuar em sistemas como joint ventures, associação ou transferências de tecnologia. A direção das Forças Armadas está convencida de que só comprar os equipamentos não é mais suficiente, diz o especialista Fernando Arbache. Segundo o CEO Guarguaglini, essa é exatamente a intenção do grupo.

Para os países emergentes, como Brasil e Índia, a estratégia da Finmeccanica é partir para acordos de cooperação com empresas da região, diferente de outros mercados que já possuem indústrias militares estabelecidas, como a Rússia e a China.

- Os planos de comprar até cinco fragatas, além de 14 navios de porte médio, podem ser o estopim de uma batalha comercial entre França e Itália pela venda das embarcações.

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Italianos apostam na venda da ―Ferrari dos torpedos‖, o Black Shark, para refazer o estoque de armas brasileiro, depois que o país adquirir os submarinos franceses Scorpène.

- A Força Aérea Brasileira precisará investir na compra de jatos de treinamento depois de adquirir os caças do famoso projeto FX-2. Estima-se que sejam gastos US$ 1 bilhão.

O repórter viajou a convite do grupo Finmeccanica

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