Liberdade sob a farda

Barack Obama assina a lei que permite aos militares homossexuais falarem abertamente de sua opção sexual. Gays excluídos do serviço reivindicam a reintegração

Tatiana Sabadini - Correio Braziliense

Com a assinatura de Barack Obama, os anos de silêncio sobre homossexualidade dentro das Forças Armadas dos Estados Unidos terminaram. O presidente norte-americano fez valer a lei que permite os militares assumirem sua orientação sexual e acabou com a política batizada como Don’t ask, don’t tell (“não pergunte, não conte”). Durante uma cerimônia emocionante, o chefe de Estado foi ovacionado por ativistas gays e militares que gritavam agradecimentos e comemoraram a revogação da medida. 

“Dezenas de milhares de americanos fardados não serão mais obrigados a viver uma mentira, ou com medo de serem descobertos, para servirem ao país que amam”, discursou o governante. A mudança deve entrar em vigor dentro de 60 dias, mas acabar com o tabu e o preconceito deve ser um longo processo, na prática.

O oficial de infantaria do Exército Dan Choi, veterano da guerra do Iraque, foi dispensado no ano passado, depois de ter assumido sua homossexualidade em um programa de TV. A lei vigente não permitia que militares gays e lésbicas falassem abertamente sobre sua orientação sexual. Choi chegou a ser preso, em abril deste ano, e começou a lutar no Congresso para que a “lei do silêncio” fosse banida. Pelo menos 13 mil militares já foram excluídos com base no Don’t ask, don’t tell, em vigor desde 1993.

Durante a cerimônia de ontem, Choi estava na plateia e se emocionou com o discurso de Barack Obama. “É um momento histórico. Mas é necessariamente uma forma de integração, porque os soldados gays já estão presentes nas Forças Armadas e servindo com sucesso. Nós simplesmente queremos dizer a verdade sobre nossa identidade e nossos relacionamentos amorosos, ter nossa família reconhecida e apoiada, tudo isso com base na igualdade e na integridade”, disse ao Correio, por e-mail. Com a mudança, o oficial já entrou com um processo para ser reintegrado no Exército.

Batalha judicial

Políticos conservadores tentaram barrar a queda da “lei do silêncio” no Senado, que acabou por revogá-la no último fim de semana. A justificativa era de que a liberdade de expressão poderia afetar negativamente a unidade das tropas e a segurança do país em momento crucial, como a guerra do Afeganistão. A despeito das críticas, Obama classificou o momento como único, além de uma forma de fortalecer a segurança nacional e sustentar o moral das forças militares. “Não somos um país que diz ‘não pergunte, não conte’. Somos uma nação que diz: entre tantos, somos um”, declarou. “Como o almirante Mike Mullen (chefe do Estado-Maior Conjunto) disse uma vez: nosso povo sacrifica muito por seu país, incluindo a vida. Nenhum deles deveria ter de sacrificar sua integridade também”, reforçou.

O secretário de Defesa, Robert Gates, disse que o governo deve atuar com “precaução e método” para que a nova política seja aplicada com eficiência. A fim de preparar o contigente para a integração, o Pentágono anunciou em novembro passado uma revisão do código militar. Segundo uma pesquisa feita pelo governo, 70% dos soldados se disseram preparados para receber militares que se declarem abertamente homossexuais. Em algumas unidades, como a dos fuzileiros navais, o fim da política foi considerado negativo por 60% dos entrevistados.

De acordo com Steven Schlossman, professor da Universidade de Carnegie Mellon e pesquisador de políticas militares, a atuação de Obama, do secretário de Defesa e do chefe do Estado-Maior será essencial. “Se eles se certificarem de que a política será mesmo implementada, e com todos os lados caminhando na mesma direção, estou otimista de que a forte tradição dos militares de conseguirem ‘fazer tudo’ pode impulsionar o movimento e levar a um processo relativamente rápido”, sugere Schlossman.

Para Diane Mazur, professora de Direito da Universidade da Flórida, o fim da política do silêncio pode indicar um caminho para o reconhecimento dos direitos familiares dos homossexuais, não apenas no meio militar mas em toda a sociedade. “As Forças Armadas precisam seguir as leis do Estado, que não reconhecem o casamento gay. Até que essa lei mude, os militares não vão poder ter seus parceiros reconhecidos pela legilação. Mas esse já é um grande avanço para a igualdade de direitos. Com certeza, um momento histórico”, afirma a especialista.

Senado ratifica acordo

Em outra vitória política para o presidente Barack Obama, nos últimos dias de um ano marcado pela derrota sofrida por seu partido nas eleições para a renovação do Congresso, o Senado ratificou ontem um acordo firmado com a Rússia para a redução dos arsenais nucleares de ambas as potências. O Tratado sobre Redução de Armas Estratégicas (Start 2) representa um passo concreto para a erradicação progressiva dos artefatos atômicos, objetivo que o próprio Obama encampou durante conferência internacional realizada no primeiro semestre em Praga, na República Tcheca.

A ratificação, aprovada por 71 votos contra 26, salvou Obama de um embaraço diplomático e de uma negociação que se anunciava ainda mais difícil no próximo ano: a partir de janeiro, a bancada governista, embora ainda com estreita maioria, estará distante de contar com os 67 votos (dois terços do total de 100 senadores) exigidos para esse tipo de decisão. O resultado favorável se desenhava desde a noite de terça-feira, quando foi anunciado um acordo entre o democrata John Kerry e o republicano Richard Lugar, que lideram as respectivas bancadas nos temas de defesa e segurança.

O Start 2 tem como principal item a definição de um teto de 1.550 ogivas nucleares para cada um dos dois países, o que significa uma redução de 74% em relação aos totais previstos no acordo Start 1, negociado entre os EUA e a hoje extinta União Soviética no fim da década de 1980 e firmado em 1993 pelos presidentes Bill Clinton e Boris Yeltsin — este já em nome da Rússia, sucedânea da URSS. O texto limita em 800 o total de vetores (mísseis baseados em terra ou a bordo de submarinos e aviões) que as potências poderão ter em seus arsenais, e a 700 o total de vetores posicionados — com um alvo programado, portanto em condição de serem disparados.

Reaproximação

Produto de negociações iniciadas ainda com Vladimir Putin na Presidência da Rússia, o Start 2 foi concluído como parte de um esforço de Obama para promover reaproximação com o sucessor de Putin, Dmitri Medvedev. As relações entre EUA e Rússia foram abaladas pela decisão do antecessor imediato de Obama, o republicano George W. Bush, de instalar um escudo antimísseis na Europa Oriental, não muito distante da fronteira russa. Na interpretação norte-americana, o novo tratado não impede o desenvolvimento do escudo, embora o governo Obama tenha indicado que não pretende levar adiante o projeto, por ora.

A ratificação do Start 2 pelo Senado americano foi saudada pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, como um passo positivo para a distensão nuclear. Lavrov observou, porém, que Moscou precisará de “mais algum tempo para examinar” o conteúdo dos documentos americanos antes de tomar decisão semelhante. O tratado entrará em vigor a partir da ratificação por ambas as partes.

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