Ribeirinhos do Amazonas acusam Exército de impedir chegada do Luz para Todos

Àrea funciona como centro de treinamento militar do Cigs. O local foi doado pelo governo do Amazonas para a União no início dos anos 70
 
Elaíze Farias - A Crítica


Moradores de quatro comunidades rurais de Manaus, localizadas à margem do rio Amazonas, acusam o Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), vinculado ao Comando Militar da Amazônia (CMA) de impedir a chegada do programa federal Luz para Todos no local.

As comunidades ficam localizadas na área do Puraquequara, a 20 minutos de Manaus de lancha.

O presidente da comunidade Jatuarana, Doramir Cunha, em entrevista ao acritica.com, disse que no dia 17 de março, representantes do Cigs ofereceram aos comunitários a opção de assinar um documento onde abriam mão da posse de suas terras em troca do direito ao programa Luz para Todos.

“Muitos assinaram, mas outros não fizeram isso, como eu. Se a gente assinar vai virar mero morador das comunidades. O general nos pressionou, dizendo que os nossos títulos caducaram e que estávamos perdendo dinheiro ao ficar pagando tributos. Quer dizer que estamos dando nossas terras para o Exército?”, disse Cunha, que possui um título de terra em Jatuarana que data de 1903.

De acordo com o presidente da comunidade, uma nova reunião sobre a proposta de assinatura do documento está marcada para esta quarta-feira (06), entre os representantes do Cigs e os moradores, em uma base do Exército localizada na área.

Conforme Doramir Cunha, Jatuarana, Mainã, São Francisco e São Raimundo foram as únicas que ficaram de fora do Luz Para Todos de uma área que abrange um aglomerado de 19 comunidades no total.

Conflito

O conflito de interesses entre os moradores das comunidades e o Comando Militar da Amazônia já existe há várias décadas, mas estourou publicamente em 2009, quando o Cigs sugeriu que as famílias fossem deslocadas da área para terras localizadas à margem do rio Cuieiras, afluente do rio Negro.

As famílias protestaram e o caso repercutiu na imprensa. A situação foi parar no Ministério Público Federal, na Assembleia Legislativa e no Instituto de Terras do Amazonas (Iteam).

“A terra que o Exército tem direito é mais no fundo. Onde a gente está é na margem. Ninguém quer ficar na área deles”, disse Cunha.

Conforme Doramir, ano passado, o grupo de pesquisa Nova Cartografia Social da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), iniciou um trabalho nas comunidades. O trabalho ainda está sendo finalizado.

A reportagem do acritica.com procurou a assessoria de imprensa do CMA, que também responde pelo Cigs, e esta disse que teria resposta sobre o assunto apenas nesta quarta-feira (06). A assessoria, contudo, disse que não existe nenhuma audiência marcada para ser realizada nesta quarta em Jatuarana.

Eletrobrás

A Eletrobrás informou ao acritica.com, por meio da assessoria de imprensa, que o programa Luz Para Todos no Amazonas já atendeu as comunidades da área do Puraquequara até o assentamento Nazaré, conforme rege o contrato do programa até este momento.

Um novo contrato por meio do governo federal vai dar continuidade às ações, previstas para acontecer ainda este ano nas comunidades que ainda faltam ser atendidas, entre elas Jatuarana.

Segundo a assessoria, o atendimento vai acontecer por meio do Distrito de Novo Remanso, localizado no município de Itacoatiara, para que a rede não passe pela área do Exército.

Doação

As terras onde funcionam os treinamentos do Exército foram doadas à União no início dos anos 70 pelo governo do Amazonas, apesar de na área já existir famílias que moravam antes da medida.

Nas décadas seguintes, o conflito começou a se agravar, especialmente com o crescimento populacional nas comunidades.

O Exército começou a restringir o acesso a trechos de lagos e matos com a justificativa de que seria perigoso para os moradores. Estes, por sua vez, passaram a se queixar destas limitações.

Desde 2009, quando o conflito ficou mais evidente, várias tentativas foram realizadas para se chegar a um acordo.

O Iteam entrou no diálogo e propôs que a melhor forma de regularização fundiária dos moradores seria a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

Segundo Itamar, em declaração publicada no site do Iteam, o CDRU permite a permanência das famílias em suas terras e e repasse aos seus herdeiros, plantar em áreas previamente demarcadas e caçar e pescar na região, desde que seja fora dos períodos de treinamento militar.

Regras

Na mesma matéria, o general de brigada Vagner Oliveira Gonçalves, diretor de Patrimônio do Exército, com sede em Brasília, disse que “a partir dessa documentação os moradores da região poderão fazer financiamentos em bancos e com isso melhorar as condições de vida, mas algumas regras de convivência deverão ser respeitadas, principalmente as ambientais”.

O Exército ficaria responsável para esclarecer às comunidades sobre a aplicabilidade dos documentos e as regras de convivência.

Também ficaria proibido que novos moradores entrassem nas terras.

Procurado nesta terça-feira (05) pela reportagem do acritica.com, Itamar de Oliveira Mar disse que “não acompanhou mais o caso” e que o assunto estaria sendo tratado pelo Exército.

A procuradora federal Luciana Gadelha, que participou desta reunião, não atua mais em Manaus. Em seu lugar está o procurador Alexandre Senra. Segundo a assessoria de imprensa do MPF, ele está de férias.

Postar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem