Exército admite prorrogar ação no Alemão

Comandante acredita que, para militares continuarem no complexo, bastará o estado fazer um pedido à União 

Orivaldo Perin - O Globo
 
Se o governo estadual pedir, o Exército não relutará a prorrogar a ação que vem desenvolvendo no Complexo do Alemão há seis meses. Claro, passando antes pela aprovação do Ministério da Defesa e da Presidência da República, ressalva o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri. 


Ele admite que as experiências das tropas brasileiras no Haiti (desde 2005) e no Rio estão ajudando a construir um modelo de segurança pública que, embora ainda sujeito a aprimoramentos, pode contribuir significativamente ao combate à violência nas grandes cidades do país. 

A notícia é boa especialmente para o Rio, que pelo acordo vigente entre estado e União deixará já em agosto próximo de contar com os militares na área do Complexo do Alemão. E, a longo prazo, pode ser a solução para questões de segurança durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
 
— Se o Rio de Janeiro pedir para o Exército continuar no Complexo do Alemão, acredito que a solicitação será examinada e que (a prorrogação) acontecerá — disse Enzo Peri em entrevista ao GLOBO.

 
— Mas isso é futuro e tudo vai depender de autorização superior. Amanhã, a Força de Pacificação do Exército que atua no Alemão recebe os 1.800 homens da 11a Brigada de Infantaria Leve, com sede em Campinas (SP), que, sob o comando do general de brigada Carlos Maurício Barroso, terá mais três meses de trabalho pela frente. No início de setembro, conforme o acordo do estado com a União (firmado durante o governo Lula), o Exército deixa a área, que será ocupada por 2.200 policiais militares divididos em dez Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

 
O GLOBO: A experiência no Complexo do Alemão configura um novo papel do Exército na vida brasileira?


GENERAL ENZO MARTINS PERI: Da maneira como o trabalho está sendo realizado, sim. Mas, de qualquer forma, a intervenção, a participação do Exército numa operação desse tipo está dentro daquilo que é preconizado pela Constituição. O que aconteceu lá? O governo do estado, numa situação de grande necessidade, num determinado momento de crise no aspecto da segurança, solicitou ao presidente da República e ao ministro da Defesa a participação das Forças Armadas (numa ação). Essa participação ocorre habitualmente de forma episódica, com tempo definido e objetivo determinado.

 
Não era o caso do Alemão?
 

GENERAL ENZO: Ali aconteceu aquela situação de guerra, de desordem urbana, que motivou a invasão da Vila Cruzeiro, seguida pelo que vimos depois na TV, aquela fuga desenfreada dos criminosos em direção ao Complexo do Alemão. Foi então que veio o pedido do governo estadual. Em princípio, participaríamos (apenas) do cerco, que, aliás, não foi fácil. Foi grande a troca de tiros entre nossas tropas e os traficantes.
 
Por que vocês decidiram permanecer lá?
 

GENERAL ENZO: No planejamento das UPPs, aquela área, pela sua complexidade, seria uma das últimas a receber as unidades, não fosse a situação de guerra que os traficantes impuseram ao Rio e que motivou a invasão do complexo. O governo estadual decidiu então antecipar a implantação das UPPs na área, mas precisava de tempo para preparar os policiais militares para as unidades previstas. Nossa permanência então foi acertada para durar o tempo necessário à formação desses PMs, que estarão prontos em agosto próximo. Se saíssemos de lá após o trabalho de ocupação, simplesmente ia voltar tudo a ser como era antes, e isso não seria absolutamente admissível. Em 1994, quando, a pedido do governo estadual, o Exército participou da Operação Rio, foi feita a ocupação de algumas favelas e desfeita logo em seguida. O tráfico reocupou todas as posições que as tropas haviam desmontado. No Haiti, vivemos experiência semelhante na Favela Belair, a maior de Porto Príncipe, a capital do país. O Exército entrou e saiu por duas vezes da área. As gangues de lá fizeram o mesmo movimento. A segurança só chegou com a ocupação definitiva do lugar.
 
Antes do Alemão, foram muitas as tentativas de envolver as Forças Armadas no combate à violência. O que aconteceu desta vez?


GENERAL ENZO: Algo notável: a total integração entre o governo do estado e o federal, e todas as instâncias envolvidas, como o Ministério da Defesa, o Comando Militar do Leste, as polícias Civil e Militar. Outra questão decisiva, desde o início, foi o apoio do Judiciário, que continua atuante por lá. Em breve, vai instalar-se fisicamente no complexo para atender à demanda da área.
 

Como se construiu essa integração?
 

GENERAL ENZO: Desde o começo, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o governador Sérgio Cabral conversaram muito. Num segundo momento, eles decidiram estabelecer normas para a atuação das tropas no complexo. Surgiram então o que chamamos de regras de engajamento, aprovadas pela União e pelo estado. Elas definem o papel das nossas tropas e das polícias Civil e Militar, todas sob o comando da Força de Pacificação, chefiada por um general de brigada. A força passou a ter também um perímetro de atuação.
 
Como é a rotina dos homens do Exército no complexo?


GENERAL ENZO: As regras de procedimento existem e são claras também. As operações só podem ser feitas em conjunto, ou seja, com a participação das polícias Civil e Militar. As UPPs ainda não chegaram, mas a Polícia Militar está lá desde o começo.

 
O Exército nunca ficou tanto tempo (seis meses) numa operação de segurança urbana. Como o senhor avalia esse recorde?


GENERAL ENZO: Nosso compromisso é ficar lá até o fim de agosto, prazo para a preparação dos homens da PM para as dez UPPs da área. Não pretendemos substituir a polícia. Nem entendemos que vamos ser sempre empregados em operações desse tipo. Mas entendemos, sim, que podemos ser empregados por um período que for necessário para resolver situações de crise. No caso do Complexo do Alemão, é preciso destacar o clima de total entendimento entre as autoridades envolvidas.

 
É possível ver no Alemão e no Haiti laboratórios para um novo modelo de segurança pública?


GENERAL ENZO: Naturalmente. No Alemão, criou-se uma situação totalmente diferente, inédita. No Haiti, costumamos dizer que é parecido, mas não é igual. Lá é pobreza absoluta, país estrangeiro, e temos o comando da ONU. No início, demos certo no Haiti porque a preparação normal dos nossos homens de infantaria inclui combates em localidades e eventualmente operações de polícia. Depois, claro, passamos a dar treinamento específico às tropas destinadas ao Haiti. Um treinamento que dura seis meses. No Alemão, entramos inicialmente com os paraquedistas, tropa altamente preparada para situações como aquela. Depois, nos valemos de soldados que tinham atuado no Haiti. E, como no Haiti, resolvemos dar treinamento específico a quem vai trabalhar no Alemão. Essa tropa da Brigada de Infantaria Leve, de Campinas, foi devidamente preparada para o serviço. O básico um soldado já tem, que é a instrução militar. É preciso, no entanto, que ele treine a ação de polícia. Numa comunidade como o Alemão, ele não estará lidando com o inimigo. Eventualmente, terá um criminoso pela frente. Ou não.

 
Ainda existem traficantes no Complexo do Alemão, segundo a própria Força de Pacificação. Até quando esses bandidos ficarão lá?

 GENERAL ENZO: O tráfico ainda existe, deve continuar existindo, mas deixou de aparecer. Aquelas cenas (de criminosos) com armamento pesado não podiam ser toleradas. Mas o tráfico não acaba, ninguém acaba com o crime organizado. Onde existir consumo, haverá tráfico.
 
Em seis meses de ocupação, ocorreram dois homicídios no Alemão. O que mais o senhor destacaria nesse trabalho?


GENERAL ENZO: Criamos lá uma espécie de disque-denúncia, um telefone para a comunidade falar diretamente com a Força de Pacificação. O volume de ligações varia de um dia para o outro, mas podemos dizer que a maior parte delas é avassaladoramente favorável ao trabalho que vem sendo desenvolvido lá. Claro, ligam para reclamar, denunciar, e há até pedidos de comunidades vizinhas para serem incluídas no perímetro de atuação da força. Aos poucos, a presença do Estado vai se tornando realidade: coleta de lixo, regularização do fornecimento de energia elétrica, serviço legal de TV a cabo, distribuição de gás e assim por diante. Antes, isso não era possível, por motivos óbvios. Há também empresas anunciando que voltarão a se instalar na região. Sou carioca e posso dizer que há uma sensação de segurança que há tempos o Rio não vivia.

 
Há possibilidade de o trabalho do Exército no Alemão ir além de agosto?

 GENERAL ENZO: Se isso for necessário, se o governo do estado solicitar, se o Ministério da Defesa aprovar e a presidenta Dilma Rousseff autorizar, não tenha dúvida.

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