Das ruas às armas

Militares desertores atacam base das Forças Armadas na capital síria e ameaçam combater o regime "em qualquer lugar e a qualquer momento"

Renata Tranches – Correio Braziliense 

O primeiro ataque a uma grande instalação militar, reivindicado por desertores, aumentou o temor de que a crise na Síria se encaminhe para uma guerra civil, depois de nove meses de protestos contra o presidente Bashar Al-Assad. O isolamento internacional do regime aumenta a cada dia.

Endossados pela Turquia, os países-membros da Liga Árabe ratificaram a suspensão do país das atividades da organização e deram prazo de três dias para que a violência cesse, mas rechaçaram uma intervenção militar internacional. A decisão de congelar a participação de Damasco levou simpatizantes de Assad a atacar, mais uma vez, representações diplomáticas na capital do país — entre elas a da França, que chamou de volta seu embaixador.

O alvo do ataque de ontem, que não tem precedentes, foi uma base da inteligência da Força Aérea. Não havia informações sobre baixas ou danos materiais, mas um informe do Comitê de Coordenação Local (LCC), que organiza os protestos no país, afirmou que foram usados mísseis e lança-granadas contra a instalação, localizada em Harasta, subúrbio de Damasco.

Segundo agências internacionais, soldados também teriam se recusado a abrir fogo contra manifestantes civis, em novo sinal de que o regime está perdendo o apoio da tropa. Os rebeldes pertenceriam a um grupo recém-criado, que reivindicou os ataques em comunicado divulgado no Facebook. “O Exército Livre da Síria tem comandado operações especiais em toda a área de Damasco e frustrado planos que o governo preparou contra nosso povo. Nossa mensagem ao regime é de que o Exército Livre da Síria pode atingir qualquer lugar a qualquer momento”, diz o texto. A milícia poderia estar recebendo ajuda, inclusive armas, de governos estrangeiros.

A situação dos militares sírios passa também pela questão étnico-religiosa, como explica o analista e especialista em assuntos de defesa Alexandre Fuccille, do Departamento de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp), que é também colaborador da Universidade Nacional de Defesa (EUA). Assim como o presidente Assad e seu regime, a cúpula militar síria pertence à comunidade alauíta, seita xiita que agrupa cerca de 15% da população. A maioria da população, assim como a base da tropa, pertence ao islã sunita. Um racha nas Forças Armadas, combinado com o isolamento cada vez maior do presidente, pode empurrar o país para uma guerra civil.

"Infelizmente, não há mais tempo para uma transição pacífica”, afirmou Fuccille ao Correio.

A crise interna se agrava na mesma medida em que crescem as dificuldades na frente externa. 

Reunidos no Marrocos, os chanceleres dos países-membros da Liga Árabe ratificaram a decisão, tomada no sábado, de suspender o país do organismo. Antes, os ministros haviam concordado em impor sanções políticas e econômicas, retirar os embaixadores de Damasco e manter conversas com grupos de oposição sobre um governo pós-Assad. No último dia 2, a liga e o regime sírio fecharam um plano de paz que previa a proteção de civis, a retirada de tropas e tanques das ruas, a libertação de presos e a abertura de negociações. O plano não chegou a ser implementado.

Após o encontro de ontem, representantes de 21 países-membros (todos, menos a própria Síria) disseram, em comunicado, que Damasco tem três dias para responder ao acordo prévio, que envolve também o envio de uma delegação da liga para monitorar a situação na Síria. O secretário-geral, Nabil Al-Arabi, disse, porém, que nenhum observador deveria ser enviado antes de um claro entendimento ser assinado com Damasco, uma vez que o plano falhou anteriormente.

Convidada para a reunião, a Turquia voltou a endurecer o discurso contra Assad, um dia depois de ter suspendido a exploração conjunta de petróleo e ameaçado cortar o fornecimento de energia elétrica. O chanceler Ahmet Davutoglu alertou que o regime sírio “vai pagar muito caro pelo que fez”.
No mesmo dia, mais uma monarquia árabe subiu o tom contra Damasco, segundo o exemplo do rei Abdullah II, da Jordânia, que na segunda-feira pediu a renúncia de Assad. Ontem foi a vez de o príncipe saudita Turki Al-Faisal, ex-chefe dos serviços de inteligência, afirmar que a saída do presidente sírio é “inevitável”.

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