Plano estratégico

Merval Pereira – O Globo

Preocupado com os rumos que pode tomar no Congresso a discussão da Estratégia Nacional de Defesa (END), o professor Eduardo Brick, da Universidade Federal Fluminense, criou, a partir de pesquisas do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), um projeto de agenda nacional voltada para reorganizar, fortalecer e sustentar a Base Logística de Defesa Nacional, de modo que ela possa atender ao que está previsto, com cinco pontos principais.

O problema principal a ser enfrentado, diz Brick, é a alocação de um orçamento condizente com o tamanho dos desafios e com os objetivos já definidos.

Com o orçamento atual da defesa, de cerca de 1,6 % do PIB, ele diz que não será possível ter os instrumentos de defesa implícita e explicitamente definidos na END.

Adicionalmente, a aquisição de complexos sistemas de defesa envolve processos de longo prazo, impossíveis de serem gerenciados sem que haja uma garantia de recursos durante esse período.

O segundo aspecto, portanto, alerta Eduardo Brick, é a definição de um orçamento para defesa de longo prazo, de modo que também se possa planejar em longo prazo.

Esse orçamento deveria contemplar as necessidades de aparelhamento de meios e seus custos de operação e manutenção, capacitação industrial e inovação em produtos de defesa e em seus insumos e processos produtivos.

A demanda governamental é que garante a sustentação da indústria. Portanto, os planos de aparelhamento, com orçamentos garantidos, são peça fundamental.

Mas eles não podem estar dissociados da necessidade de capacitação produtiva nem de planos para incentivar e financiar a inovação.

Assim, o segundo ponto da agenda seria preparar um programa integrado de reaparelhamento, capacitação industrial e inovação para defesa.

O planejamento do Ministério da Defesa da Austrália (Defense Capability Plan) é uma boa fonte de inspiração para o plano brasileiro, segundo Eduardo Brick.

Define um orçamento de longo prazo, os sistemas e produtos de defesa que devem ser produzidos, em que quantidades e datas de entrega, e, adicionalmente, quais capacitações industriais são essenciais.

Para planejar, é fundamental possuir informações adequadas e de boa qualidade. Existe uma grande escassez de informações sobre a Base Logística de Defesa.

Os sistemas nacionais de codificação para levantamento de dados estatísticos sobre a economia não identificam as empresas que desenvolvem produtos para a Defesa, com pouquíssimas exceções.

Esta situação é uma das consequências da desatenção com que sempre foi tratado esse setor.

É preciso então criar instrumentos para exercer a função de inteligência tecnológica para Defesa e o acompanhamento continuado da situação da BLD. O próximo passo seria a criação de um programa de mobilização, reestruturação e fortalecimento da Base Logística de Defesa Nacional.

A Estratégia Nacional de Defesa define que o setor estatal da indústria de defesa deverá se responsabilizar por produtos no teto da tecnologia. Faz-se, portanto, necessária uma definição mais clara das atribuições dos setores público e privado da BLD.

Da mesma forma, ressalta Brick, existe uma grande deficiência no setor produtivo de defesa brasileiro, com relação a muitos insumos críticos e estratégicos, que normalmente são cerceados pelos países que os produzem, insumos que também são os grandes responsáveis pelo nosso déficit

tecnológico.

Na sua fase inicial de criação, a BLD brasileira quase certamente não terá condições de demanda para justificar economicamente a produção desses bens. O Estado, portanto, deveria assumir essa responsabilidade, diz Brick.

A capacitação industrial e de CT&I para defesa envolve uma série de medidas em vários campos, com destaque para a formação e qualificação de recursos humanos, a modernização de laboratórios e instalações produtivas e para inovação, a integração da indústria com os institutos de ciência e tecnologia (ICT) e universidades, e a disponibilização de serviços técnicos tais como certificação, proteção intelectual, metrologia e normatização.

O quinto ponto da agenda envolve programas mobilizadores. Esses programas são, normalmente, compostos por um conjunto articulado de projetos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento experimental, engenharia e comercialização pioneira, conduzido com a participação de empresas, órgãos governamentais, universidades, centros e institutos de pesquisa e outros atores da área científica e tecnológica.

O programa americano para colocar um homem na Lua e o programa brasileiro para dominar o ciclo completo de processamento de urânio são bons exemplos.

Eles são fundamentais quando a inovação interessa a vários setores, e muitos atores devem participar do esforço para obtê-la.

Nestas condições, é importante a existência de um único responsável pelo programa, com os atributos abaixo descritos. Este comando único garante foco e evita dispersão de esforços.

Esta característica é particularmente importante no caso do Brasil, explica Eduardo Brick, onde existem pelo menos três ministérios com responsabilidades em relação à BLD.

Programas mobilizadores devem ser capazes de arregimentar e aglutinar, de uma forma desburocratizada, o potencial nacional necessário ao desenvolvimento de novos e sofisticados produtos, tecnologias e capacitações industriais para defesa, segurança e competitividade industrial.

Para um país que adia há quatro governos o reaparelhamento das Forças Armadas, especialmente a compra de caças para a Aeronáutica, tudo isso parece um desafio quase impossível de superar.

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