Recrutas obrigados a comprar enxoval

Novatos que ingressam no curso de formação da Força têm que adquirir material escolar e peças de vestuário anteriormente pagas pela instituição. Exigência fere o Estatuto dos Militares

Guilherme Amado – Correio Braziliense

Contrariando o que está previsto no Estatuto dos Militares, a Aeronáutica passou a exigir que os recrutas levem seu próprio enxoval para ingressar no Curso de Formação de Soldados. Num documento a que o Correio teve acesso, o Batalhão de Infantaria Especial de Brasília (Binfae) determina que os futuros soldados providenciem eles mesmos itens de material escolar e de vestuário. Segundo os recrutas, a prática estaria dificultando o ingresso nas Forças Armadas.

De toalha branca a pares de tênis, o custo com o enxoval exigido pelo Binfae é de, no mínimo, R$ 500. Segundo o Estatuto dos Militares, lei que rege o funcionamento das Forças Armadas, seus direitos e deveres, caberia à Aeronáutica fornecer esse tipo de material. "Tem muito colega de família mais pobre que desistiu por causa dessa obrigatoriedade. É um gasto grande que temos e não é todo mundo que tem bala na agulha para isso", criticou um recruta, que pediu anonimato. "Isso tem acontecido muito, não só na Aeronáutica. Cada vez mais, somos nós que temos que garantir as nossas condições de trabalho", afirmou outro soldado.

No passado, era tradição nas três Forças Armadas a cessão de até dois enxovais. Segundo o coronel Pedro Ivo Moreira, hoje na reserva do Exército, os recentes cortes orçamentários fizeram com que as corporações passassem a entregar apenas um kit por soldado. "Os soldados incorporados sempre recebiam dois enxovais completos, com uniforme de passeio, de instrução, coturno, escova de dente, graxa, escova para sapato. Mas aí entramos na época das economias. O governo começou a fazer economia em cima das Forças Armadas e os soldados passaram a receber apenas um", explicou o coronel. Em sua página na internet, o Ministério da Defesa destaca que, para 2012, o Fundo do Serviço Militar dispõe de R$ 7,3 milhões para gastos relacionados ao serviço militar, incluindo os enxovais e alimentação.

Embora a lista de materiais tenha como título "Material obrigatório para o início do curso", a Aeronáutica negou que a compra do enxoval seja compulsória. De acordo com a instituição, a lista se refere ao número mínimo de itens de uso exclusivamente pessoal necessário para o início do curso de formação de soldados, quando ainda não foi possível distribuir o material de acordo com as medidas de cada um.

Ainda de acordo com a Aeronáutica, ninguém deixará de ingressar na instituição por não dispor de recursos.

"Apesar da solicitação desses materiais, nenhum recruta será prejudicado caso não possua os itens solicitados e será encaminhado ao setor de assistência social da unidade", explicou nota enviada ao Correio. A Aeronáutica afirmou ainda que pedirá às organizações militares onde há cursos de formação que evite a obrigatoriedade na compra de materiais, "sendo mantido apenas o caráter de sugestão".

Talheres

Na última terça-feira, o Ministério Público Militar do Rio decidiu apurar a denúncia de que o Instituto Militar de Engenharia (IME) estaria exigindo que seus recrutas comprassem roupas, pratos, talheres, copos descartáveis, sabonetes e até papel higiênico. A decisão foi tomada pela procuradora-geral Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz, da Justiça Militar. Em despacho, ela designou o promotor Aílton José da Silva, da Justiça Militar no Rio, para apurar as denúncias e tomar as medidas cabíveis.

Procurado, o Exército afirmou que o pedido de enxoval seria apenas para o conforto dos conscritos (candidatos ao alistamento), durante a fase de seleção. "O jovem se apresenta nos quartéis e ainda não está certo que vai se incorporar. Pedimos que ele traga calção, tênis, camiseta, para que eles fiquem mais confortáveis. É o material pessoal de cada um. Vários deles não vão servir, estão ali com trajes civis. Mas quando incorporam, recebem o enxoval", explicou a Seção de Imprensa da instituição.

Itens

Confira o que é exigido dos recrutas

Material de vestuário

1 toalha branca

2 calções azuis

2 camisetas olímpicas brancas

2 camisetas regatas brancas

2 calças jeans azuis

2 pares de meias brancas grossas

1 sandália havaiana azul escura

1 par de tênis branco

1 par de tênis para corrida (opcional)

1 escova para sapato

1 graxa preta para sapato

2 cadeados com duas chaves Cabides

Material escolar

1 caderno brochura

1 lápis ou lapiseira

1 apontador

1 caneca azul

1 borracha

1 régua

1 prancheta de madeira

O que diz a lei

Segundo o Estatuto dos Militares, sancionado em dezembro de 1980, é dever das três Forças Armadas garantir o fardamento completo aos militares da ativa, desde que sejam de uma graduação inferior a terceiro-sargento. O primeiro capítulo da seção "Dos direitos e das prerrogativas dos militares" lista, entre os itens que estão incluídos nesse grupo, "o fardamento, constituindo-se no conjunto de uniformes, roupa branca e roupa de cama". Além disso, cabe a cada uma das Forças Armadas fornecer alimentação, assistência médico-hospitalar para o militar e seus dependentes (incluindo atividades relacionadas com a prevenção, a conservação ou a recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos) e funeral para o militar e seus dependentes.

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