EUA torturaram opositores de ditador líbio Gaddafi, revela relatório de ONG

Sob ordens de Bush, ONG afirma que EUA torturaram opositores de Gaddafi

EFE 
María Peña
Em Washington

Os Estados Unidos torturaram durante o mandato de George W. Bush opositores do ditador líbio, Muammar Gaddafi, e os transferiu para sua custódia, denunciou um relatório divulgado nesta quarta-feira (5) pela organização humanitária Human Rights Watch (HRW).

O relatório de 154 páginas, intitulado "Entregues às mãos inimigas: como os EUA lideraram o abuso e a entrega de opositores à Líbia de Gaddafi", descreve o ocorrido com 14 opositores de Gaddafi justo quando este iniciava uma etapa de "aproximação" com as autoridades dos EUA e do Reino Unido. "Há muito que desconhecemos do que aconteceu nas prisões clandestinas da CIA, e este relatório revela que muitos dos abusos cometidos foram além do que os EUA tinham autorizado", disse à Agência Efe Laura Pitter, assessora de assuntos antiterroristas da HRW e autora do relatório.

"Embora a tortura destes opositores tenha ocorrido durante o mandato de Bush, o assunto pode fazer parte do legado do presidente Barack Obama se sua Administração não investigar os abusos e erros cometidos", advertiu a especialista em entrevista telefônica.


O relatório foi elaborado com base em entrevistas que Pitter realizou com 14 opositores de Gaddafi agora em liberdade e documentos encontrados por acaso no dia 3 de setembro de 2011 - alguns nunca antes publicados - nos escritórios do ex-chefe de inteligência líbio, Mussa Kussa, quando os insurgentes dominaram a capital Trípoli.


Pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA, com a ajuda de outros governos, detiveram e mantiveram sob sua custódia, sem acusações formais, vários membros do Grupo de Combate Islâmico Líbio (LIFG, em inglês) no exterior e depois os entregou ao governo de Gaddafi.


Dos 14 detidos, dez foram entregues no primeiro ano desta "aproximação" de Gaddafi com o Ocidente, segundo Pitter. Os documentos incluem uma troca de comunicações sobre os detidos entre os serviços de inteligência de EUA, Reino Unido e Líbia, e estabelecem que vários pertenciam ao LIFG, que durante 20 anos tentou derrubar Gaddafi.

O LIFG esteve na mira da CIA desde os atentados de setembro de 2001, em parte porque Gaddafi havia argumentado que o grupo tinha vínculos com a Al Qaeda.


Muitos membros do LIFG se somaram em 2011 às forças rebeldes contra Gaddafi, apoiadas pela Otan, e alguns dos supostos torturados e entregues à Líbia agora ostentam "cargos de liderança" nesse país, indicou a HRW.


Cinco dos ex-membros do LIFG denunciaram que foram submetidos a "graves abusos", incluindo o uso de "asfixia simulada", em duas prisões dos EUA no Afeganistão, provavelmente operadas pela CIA.


Os agora ex-prisioneiros também relataram que foram acorrentados a paredes, algumas vezes nus ou apenas com fraldas, em celas completamente escuras e sem janelas durante "semanas ou meses"; ou golpeados e jogados com força contra a parede, e submetidos a uma clausura durante quase cinco meses sem poder tomar banho.

 
Além disso, foram obrigados a manter-se em posições muito dolorosas durante longos períodos, em condições de aglomeração e privados do sono mediante o uso de "música ocidental de alto volume".

Khalid al-Sharif, detido em uma das duas prisões supostamente operadas pela CIA no Afeganistão, afirmou que foi submetido a interrogatórios durante três meses, "a cada dia com um tipo de tortura diferente".


Sharif é agora titular da Guarda Nacional Líbia e encarregado da segurança em prisões que abrigam detidos de "alto valor" para o governo líbio, informou a HRW.


Estas denúncias não tinham sido propriamente documentadas antes porque a maioria dos que foram devolvidos à Líbia permaneceram na prisão ali até 2011, quando foram postos em liberdade por causa do conflito civil.


A HRW se queixou que os EUA "não tiveram a vontade de divulgar os detalhes das instalações secretas da CIA" e que "apesar das arrasadoras provas dos numerosos e sistemáticos abusos dos detidos, os EUA ainda não exigiram contas de nenhum funcionário de alta categoria e só militares de baixa categoria foram castigados".


"A falta de prestação de contas provavelmente não significa muito aqui, mas é algo muito importante e com profundas repercussões no mundo árabe, de onde provinha a maioria dos detidos. Se não for feito algo para investigar e exigir contas dos responsáveis, isso mina a credibilidade dos EUA em matéria de direitos humanos", enfatizou Pitter.


"A tendência é não remexer, não olhar para trás, mas acho que em algum momento os EUA terão que fazê-lo, terão que exigir contas porque este assunto não vai desaparecer", concluiu.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem