De volta à terra do gelo

Um ano depois do incêndio que destruiu a Estação Comandante Ferraz, militares brasileiros retomam a presença no continente. Nova base deverá ficar pronta até 2015 e custará cerca de R$ 100 milhões

Renato Alves
- Enviado especial - Correio Braziliense


Punta Arenas (Chile) — O Brasil voltou a ocupar um território na Antártida. No mesmo local onde ficava a Estação Antártica Comandante Ferraz — destruída por um incêndio em 25 de fevereiro do ano passado —, militares estão instalando os chamados módulos antárticos emergenciais (MAEs), que abrigarão de 10 a 15 homens durante o próximo inverno no continente gelado. O processo de desmonte e limpeza dos escombros da base foi concluído em 12 de janeiro. Os cientistas mantêm as pesquisas, improvisando navios como abrigos e laboratórios. Dezenove projetos, de diferentes instituições brasileiras, estão em andamento.


Para evitar a interrupção dos estudos, a Marinha do Brasil montou neste verão sua maior operação logística em mais de três décadas de presença brasileira na Antártida. A Operação Antártica XXXI (Operantar XXXI) conta com quase 190 militares em cinco embarcações — o navio polar Almirante Maximiano, o navio de apoio oceanográfico Ary Rongel e o navio de socorro submarino Felinto Perry, da Marinha do Brasil; o navio de apoio logístico Ara San Blas, da Marinha Argentina; e o navio mercante Germania, fretado para apoiar o desmonte da Comandante Ferraz e a instalação dos MAEs.


A operação permitiu que cerca de 200 cientistas continuassem as pesquisas neste ano. Os especialistas têm se revezado em grupos de até 25 integrantes. Apesar dos danos causados pelo incêndio, o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) não foi interrompido. As pesquisas são realizadas a bordo dos navios da Marinha e no módulo especializado Criosfera 1. A 2,5 mil km da estação Comandante Ferraz e em uma área mais profunda da Antártida, o módulo acaba de completar um ano e vem fornecendo dados em diversas áreas. 


Recentemente, os cientistas se surpreenderam com a temperatura de 65 graus centígrados abaixo de zero no auge do inverno, entre julho e agosto — uma medida mais baixa do que o esperado. Nesse período, o acúmulo de neve na área da estação pode chegar a 3m de altura. A temperatura média anual é de 2,8 graus negativos.

Estrutura
 

Com uma área total de 3 mil m², contra os 2,6 mil m² da anterior, a nova estação será construída no mesmo local da anterior, na Península Keller, no interior da Baía do Almirantado (Ilha Rei George).

Ela terá todas as suas edificações reconstruídas ou substituídas, à exceção dos tanques de combustíveis, que ficaram intactos. A base terá sistemas de água potável e residual, energia, resíduos sólidos, rede lógica e comunicações de dado e de voz, segurança, logística, instalações mecânicas e sistemas especiais, como fontes de energias renováveis. Contará com biblioteca, academia de ginástica, lan house, centro cirúrgico de emergência e laboratórios, entre outros ambientes.


A escolha do projeto da nova base será feita por meio de concurso da Marinha em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). De acordo com Julio Soares de Moura Neto, comandante da Marinha, a reconstrução deverá custar cerca de R$ 100 milhões e terá como referência uma estação recém-construída pela Espanha no continente, que consumiu 40 milhões de euros (cerca de R$ 108 milhões). Os militares já começaram a preparar o terreno. A previsão é de que as obras se iniciem no próximo verão antártico, que começa em novembro, com conclusão entre 2014 e 2015.


Os concorrentes deverão apresentar um projeto com tecnologias que atendam as exigências de segurança, habitabilidade e durabilidade, prevendo-se o mínimo de manutenção e uma vida útil de 40 anos, com possibilidade de reciclagem ou reaproveitamento dos materiais. O período para realização das construções em território antártico é de cerca de 4 meses ao ano. Por isso, a Marinha vai privilegiar técnicas e materiais pré-fabricados, de montagem fácil e rápida. A ideia é que o novo projeto use soluções que se adaptem às características do solo, às variações de temperatura sazonais e ao vento, que pode chegar a 200km/h.


Interesse internacional
 

Outros países têm programas de pesquisa na Ilha Rei George, situada no Arquipélago Shetland do Sul. Entre eles, estão Polônia, Estados Unidos, Peru e Equador, na Baía do Almirantado, e Argentina, Chile, Uruguai, Rússia, China e Coreia do Sul, na Baía Fildes. Em toda a Antártida, 29 nações possuem bases científicas na Antártida.

Sargento indiciado

 

Inaugurada em 1984, a Estação Antártica Comandante Ferraz foi destruída por um incêndio em 25 de fevereiro de 2012. O fogo consumiu cerca de 70% das instalações e matou dois militares da Marinha. Em dezembro, o Ministério Público Militar indiciou o sargento Luciano Gomes Medeiros por homicídio culposo (sem intenção de matar) e por danos à estação. Ele era responsável pelo setor de máquinas, o foco do incêndio. O nome da estação homenageia Luís Antônio de Carvalho Ferraz, comandante da Marinha do Brasil, hidrógrafo e oceanógrafo que visitou o continente antártico por duas vezes a bordo de navios britânicos. Ele desempenhou importante papel ao convencer o governo brasileiro a desenvolver um programa na região.

Presença garantida
 

Com capacidade para 64 pessoas durante o verão e 34 no inverno, a estação abrigará uma população formada por militares da Marinha e pesquisadores que, no geral, realizam seus estudos durante 30 dias, no verão antártico — entre novembro e março. Os militares permanecerão na base por um ano, a fim de apoiar as atividades de pesquisa, cuidar das instalações e manter a presença brasileira na Antártida. Eventualmente, o local também receberá visitantes brasileiros e de outras nacionalidades.

Segurança prioritária


A Marinha garante que o projeto terá um sistema para fuga em situações de emergência, segurança das operações de combate ao incêndio e minimização de danos. Materiais não combustíveis também são muito usados em estações antárticas, e a separação dos ambientes em blocos pode ajudar no combate a incêndios. "A preocupação com a segurança das edificações deve estar presente desde a fase inicial de elaboração do projeto de arquitetura. A partir do conhecimento do IAB, que nos ajudará a escolher a melhor proposta, certamente teremos uma estação moderna e com todos os requisitos de segurança", afirma o comandante da Marinha, Julio Soares de Moura Neto.


Todos os resíduos produzidos na estação sempre foram transportados ao Brasil por meio de navios. Por conta disso, o novo projeto terá, entre outras exigências, uma unidade de tratamento e um programa de monitoramento de efluentes líquidos. Uma das formas de redução dos resíduos sólidos por várias nações é a incineração do lixo orgânico a partir de equipamentos que tenham mecanismos de filtragem e retenção de poluentes atmosféricos. O incinerador permitiria o aproveitamento do calor produzido.


A matriz energética da estação será híbrida, contemplando as tecnologias eólica e solar, além do processamento de resíduos e de biocombustíveis. O novo projeto poderá prever aerogeradores, painéis fotovoltaicos e coletores solares. Inicialmente, a central vai produzir eletricidade em geradores a óleo diesel, assegurando uma eficiência energética superior a 70%. No futuro, a base utilizará biocombustível.

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