Cientistas questionam versão dos EUA sobre ataque químico na Síria

Para especialistas, ataque com gás sarin em agosto de 2013 na capital Damasco não pode ter acontecido conforme relatou o governo dos EUA. Enquanto isso, o processo de destruição das armas sofre atraso.


Deutsch Welle

Nas primeiras horas da manhã do dia 21 de agosto de 2013, bairros controlados pelos rebeldes no leste da capital síria, Damasco, sofreram ataques com armas químicas. Pouco depois, vídeos, fotos e relatos de testemunhas eram divulgados na internet.

Especialistas examinaram os sintomas dos mortos e feridos e rapidamente constataram que se tratava do gás neurotóxico Sarin, que matou e feriu centenas de pessoas. De acordo com o governo em Washington, 1.429 pessoas morreram no ataque – entre elas, 426 crianças.

Nove dias depois, em coletiva de imprensa, o secretário de Estado americano, John Kerry, culpou tropas do governo sírio de ter cometido o crime de guerra. Entre outros, ele apresentou um mapa de Damasco mostrando as regiões controladas pelos rebeldes e pelas tropas do governo.

Em 3 de setembro, Kerry se apresentou na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e disse: "Estamos seguros de que ninguém da oposição síria possui estas armas ou tem a capacidade de executar um ataque desta magnitude – especialmente a partir da área controlada pelo regime."

Nenhum ataque da área governamental

Kerry está agora sendo criticado principalmente por essa declaração. Num parecer de 23 páginas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dois cientistas americanos afirmam que um ataque "a partir do coração" do território controlado pelo regime seria impossível.

Detalhadamente, o ex-inspetor de armas da ONU Richard Lloyd e o especialista de Segurança Nacional Theodore A. Postol explicam que os foguetes empregados tinham um alcance muito curto, não podendo ter sido lançados da área governamental. Segundo o parecer, o "coração" de Damasco se localiza entre cinco e dez quilômetros do local de impacto. Os especialistas afirmam que os projéteis empregados só poderiam voar cerca de dois quilômetros.

Lançadores modificados

A razão para esse curto alcance estaria no fato de os agressores terem instalado um recipiente com o gás Sarin em cada um dos foguetes, o que teria atrapalhado a capacidade de voo dos artefatos. Assim, em vez dos habituais 20 quilômetros, as armas teriam percorrido somente dois quilômetros.

Tal constatação não é novidade. Há um mês, o inspetor da ONU Åke Sellström havia lançado dúvidas sobre a explicação de Washington em coletiva de imprensa. Quando, sob a orientação de Sellström, os inspetores da ONU examinaram os restos dos foguetes, ficou claro que o alcance seria muito menor do que o esperado. "Embora não conheçamos o peso ou qualquer outra coisa, dois quilômetros é uma boa estimativa", avaliou o inspetor.

Em entrevista à DW, também o general da reserva das Forças Armadas alemãs Egon Ramms disse estar seguro, após ter lido o estudo do MIT, de que os foguetes não poderiam ter voado tão longe. "Acredito que, devido às alterações, o alcance ficou bem menor do que se poderia alcançar inicialmente com esse lançador de foguetes", afirmou.

Uso negligente de fontes

Nem os autores do estudo do MIT nem Ramms deduzem, a partir do alcance reduzido dos foguetes, que o ataque não foi realizado por tropas do governo. Em vez disso, paira a pergunta por que o governo americano, mais uma vez, vai a público com informações de inteligência questionáveis, depois de ter sido foco de críticas internacionais após a polêmica envolvendo o seu serviço secreto quanto às supostas armas de destruição em massa no Iraque em 2003.

"Independente de qual tenha sido o motivo deste erro flagrante no material noticioso, as fontes devem ser explicadas", resumiram Lloyd e Postol em seu estudo. "Quando se lida com os serviços de informação, então se deve sempre confiar na teoria das duas fontes. Caso não haja duas fontes, então é preciso ter cuidado com tais informações", explicou, por sua vez, o general da reserva Ramms.

Ele salientou, porém, que após o ataque em agosto a comunidade internacional intensificou a pressão sobre a Síria de tal forma que o regime teve de aprovar a destruição de suas armas químicas.

Até o final de junho, cerca de mil toneladas de produtos químicos deverão ser destruídas pelo navio especializado Cape Ray – em algum lugar em alto-mar. Também o Reino Unido e a Alemanha participam da destruição das armas químicas da Síria. Além disso, a Noruega, Dinamarca, Rússia e China estão enviando navios de guerra para escoltar o transporte das armas.

Cronograma precário

O cronograma da operação, no entanto, está atrasado. Até agora, somente algumas poucas toneladas de componentes de armas químicas foram levadas para a cidade portuária de Latakia, de onde são transportadas para os navios. De acordo com a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), as lutas, o mau tempo e a burocracia atrasaram o processo.

Um político local italiano também parece estar criando problemas adicionais com o cronograma. Como o navio Cape Ray não se dirige para a Síria para recolher as armas, mas em vez disso recebe os artefatos de outros dois cargueiros da Dinamarca e da Noruega, a carga tem de ser transferida em algum lugar – o que deverá acontecer a partir de fevereiro. Para tal, o governo italiano quer colocar o porto de Gioia Tauro, na Calábria, à disposição. Mas há resistência na cidade do sul da Itália.

O prefeito Renato Bellofiore reclamou que o governo em Roma não o havia informado anteriormente. "O pânico se espalha entre as pessoas", disse Bellofiore. Já o prefeito da vizinha San Ferdinando, que abriga a maioria das instalações portuárias, está considerando a possibilidade de fechar a área por decreto e impedir a transferência das armas químicas.


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