Síria entregou menos de 5% do arsenal químico declarado

Operação de destruição, acordada em 2013, está com atraso de mais de um mês


O Globo

GENEBRA — A Síria se desfez de menos de 5% de seu arsenal de armas químicas, e perderá o prazo da semana que vem para enviar todos seus agentes químicos ao exterior para destruição. De acordo com fontes, as entregas deste mês, em dois carregamentos ao porto de Latakia, no norte sírio, totalizaram 4,1% dos cerca de 1.300 toneladas de agentes tóxicos relatados por Damasco à Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). A operação, que conta com apoio internacional e é acompanhada por uma missão conjunta da Opaq e das Nações Unidas, está de seis a oito semanas atrasada. 


- Não é suficiente e não há sinal de mais - disse uma fonte sobre a situação. 

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou em um relatório ao Conselho de Segurança esta semana que os carregamentos foram desnecessariamente atrasados e exortou o governo do presidente Bashar al-Assad a acelerar o processo. Esta é a mensagem que será comunicada ao representante da Síria na Opaq durante a reunião do conselho executivo na quinta-feira em Haia, segundo as fontes ouvidas Enquanto isso, em Genebra, após um dia de “recesso” nas negociações em Genebra, a oposição síria anunciou que foi dado um “passo positivo” com o governo do país com a abordagem de um governo de oposição, no quinto dia da conferência. O avanço ocorreu na sessão matutina desta quarta-feira, que reuniu as delegações representantes o governo do presidente Bashar al-Assad e da Coalizão de Oposição Nacional. 

Apesar do passo positivo, o mediador da ONU para a Síria, Lakhdar Brahimi, afirmou não esperar resultados de negociações até sexta-feira. 

- Para falar francamente, eu não espero conseguir algo de substancial. Espero que a segunda sessão seja mais estruturada e mais produtiva do que a primeira - declarou Brahimi. 

O estabelecimento de uma autoridade governamental de transição foi prevista no acordo de Genebra I, adotado em junho de 2012 pelas grandes potências e no centro das discussões em Genebra. 

A interpretação do documento pelas duas partes em conflito é diametralmente oposta: a oposição considera que Genebra I abre caminho para uma transição sem Assad, enquanto Damasco exclui esta possibilidade e afirma que o texto evoca primeiramente o fim dos combates. 

- Hoje houve um passo positivo porque pela primeira vez estamos falando de uma autoridade governamental de transição - afirmou à imprensa Luai Safi, um membro da oposição, ao final da sessão. 

O regime sírio não reagiu às declarações.
Até agora, os lados encontram grande dificuldade em discutir as questões políticas, principalmente sobre um futuro governo de transição. Há um descontentamento também pelo fracasso em chegar a um acordo sobre medidas de ajuda humanitária, especialmente em relação os moradores da cidade de Homs, onde caminhões das Nações Unidas esperam acesso para entregar comida e remédios. As conversas de segunda-feira foram interrompidas por um pedido dos representantes do regime após uma declaração condenando o apoio dos Estados Unidos a “terroristas”, pela ajuda de Washington aos rebeldes. A oposição declarou ter apresentando propostas sobre a melhor maneira de avanças as negociações, mas disse que a delegação governista não quis discuti-las. Brahimi anunciou ter cancelado a reunião de terça-feira e convocou as partes para o que ele “esperava que fosse uma reunião melhor”. 

Uma fonte da oposição disse que o regime foi convidado a explicar nesta quarta-feira como eles veem o comunicado de Genebra I que pediu pela formação de um governo de transição. 

- Brahimi ontem (terça-feira) foi muito claro: a delegação do governo deve apresentar sua proposta e sua visão sobre Genebra I - explicou a fonte. 

Os dois lados foram reunidos num dos maiores esforços diplomáticos até hoje para encerrar a guerra civil que já deixou mais de 130 mil mortos e milhões de desabrigados. A única promessa real foi, segundo Brahimi, que o regime concordou em deixar mulheres e crianças saírem em segurança de Homs, cidade controlada pelos rebeldes, e cercada pelas forças do governo - o que até agora não aconteceu. Homs está cercada desde junho de 2012, e aproximadamente 500 famílias vivem lá, com bombardeios quase diários e suprimentos escassos. Forças da ONU e da Cruz Vermelha anunciaram estar prontas para entrar com ajuda, esperando apenas uma autorização do regime. 

Foram necessários meses de pressão de Washington, que apoia a oposição, e de Moscou, principal aliado internacional de Assad, para unir os dois lados na conferência. Mas, em seu discurso anual do Estado da União o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez apenas uma pequena menção à Síria, dizendo que seu governo continuaria a trabalhar por um futuro “que o povo da Síria merece - um futuro livre da ditadura, do terror e do medo”.

DIFERENÇAS SÃO DEIXADAS DE LADO 

Nesta quarta-feira, jornalistas e ativistas que defendem lados opostos na guerra civil síria conseguiram algo que os negociadores ainda não fizeram nesta conferência - deixaram as diferenças de lado e conversaram entre si. Dentro da sala de painéis de madeira onde fica a mídia, delegados que apoiam o presidente e oposição passam horas diárias juntos, esperando funcionários para fazer declarações. E após dias ignorando uns aos outros, os repórteres começaram a fazer contato visual. 

Agora, olhares desconfiados passaram a sorrisos educados - e alguns debates. 

- Você não não tem uma agenda, ou um plano para construir o país. Você só quer o presidente fora. Isso nos convence não mais - disse um jornalista pró-governo a alguns ativistas em um corredor fora da sala de negociação. - Você pode criticar Assad ou o governo? Você pode dizer que eles cometeram crimes? 

A discussão terminou com um ponto em comum: os dois lados concordaram que amam a Síria.


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