Os paradoxos da guerra no Iraque

A realidade iraquiana não cessa de surpreender os peritos. A tentativa das partes de encontrar uma forma de travar os sunitas resulta em decisões inesperadas e alianças paradoxais.


Voz da Rússia

Na sexta-feira o primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki declarou que espera alterar o decurso do confronto com as milícias do Estado Islâmico do Iraque e do Levante com recurso aos aviões de combate adquiridos à Rússia e à Bielorrússia. Nessa declaração ele não poupou críticas aos norte-americanos e lamentou ter assinado com eles um contrato de fornecimento de aviões para a força aérea iraquiana. Os prometidos F-16 estão atrasados e o exército iraquiano está sem cobertura aérea. Já os Su-27SM e Su-30K deverão ser entregues ao exército iraquiano, segundo o premiê, dentro de dois a três dias.

Tendo ouvido isso, os norte-americanos começaram se mexendo, prometendo o envio dos primeiros F-16 Fighting Falcon o mais depressa possível. Além disso, durante a semana eles deverão enviar para Bagdá 200 mísseis HellFire. Também temos de ter em conta que 180 dos trezentos conselheiros militares prometidos por Obama já se encontram em território iraquiano. Entretanto, a defesa de Bagdá, segundo informa o Sunday Times, está sendo dirigida por um general do Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica.

Assim, ficamos com um panorama bastante curioso: aviões russos ajudam tropas especiais iranianas a lutar contra combatentes islamitas, coordenados por especialistas da CIA e do Pentágono. Aqui o mais paradoxal é o aspeto americano-iraniano. Temos de reconhecer que os EUA realmente necessitam da ajuda do seu “arqui-inimigo”, que até agora era considerado pelo Capitólio como o principal fomentador do terrorismo.

Comenta o orientalista Serguei Seregichev:

“O mais certo é serem estudadas duas versões de cooperação. Neste momento os norte-americanos estão desenvolvendo a primeira versão. Eles contam que o Irã tenha uma boa rede de agentes no Iraque. Através dessa rede poderia ser possível tentar sentar as partes à mesa das negociações. Ou seja, patrocinar um diálogo entre os sunitas e os xiitas. A segunda versão seria a intervenção militar direta do Irã. Parece que os norte-americanos ainda não estão estudando essa versão. Eles estão convencidos que Bagdá não cairá e que a cidade poderá resistir a um possível cerco militar.

“É evidente que um ataque a Bagdá por parte dos combatentes do EIIL seria um suicídio. Nesse caso, a máquina militar estadunidense teria uma palavra de peso a dizer. Já um bloqueio a Bagdá, com a conquista de outras cidades (especialmente de cidades estrategicamente importantes), poderia fazer cair o governo de Maliki talvez mais depressa que em caso de um assalto direto à capital do país. Isso poderia acontecer porque um bloqueio a Bagdá e a conquista das localidades mais importantes iriam demonstrar a fraqueza do governo central e excluir Maliki do número de parceiros com quem vale a pena negociar. Os norte-americanos já o teriam substituído. Mas agora não é uma boa altura. Provavelmente a substituição de Maliki irá acontecer mais tarde.”

Os EUA tentam minimizar sua participação nesta nova fase do confronto no Iraque. Eles gostariam de se limitar aos ataques aéreos. Contudo, os peritos pensam que os drones serão ineficazes contra um exército de muitos milhares de homens. Mais ainda quando os ataques tenham de ser efetuados contra quadras urbanas, onde estão disseminados os combatentes do EIIL. Isso provocaria baixas colossais entre a população civil e um brusco aumento dos apoiantes da resistência sunita, prontos a combater o poder oficial.

Assim, a situação se está desenvolvendo de uma forma nada favorável a Bagdá. Neste caso os interesses dos norte-americanos e dos iranianos no Iraque são coincidentes. O que é sobretudo interessante é que nem uns, nem outros, têm neste momento a capacidade para agir sozinhos no Iraque. Assim, esta cooperação irano-americana é sobretudo forçada pelas circunstâncias. Contudo, à primeira vista o Irã até terá mais a ganhar, porque daqui irá resultar que o “grande Satã” irá de fato reconhecer seu erro histórico e pedir ajuda aos “piedosos”, enquanto estes irão aceitar participar em uma cooperação “ímpia” por seu espírito humanitário e caridoso.

Mesmo assim, não se trata de uma cooperação plena entre Washington e Teerã, considera o analista político Piotr Topychkanov:

“Talvez se trate de consultas políticas ou de reuniões a nível de peritos. Ou seja, não há fundamentos para se falar de um novo diálogo entre esses dois países relativamente ao Iraque. Tanto mais que Washington e Teerã interpretam de formas diferentes os acontecimentos no Iraque e vêm as ameaças de formas diferentes. O Irã discorda de muitos dos aspetos da posição de Washington. Por exemplo, neste momento Washington discute a necessidade da substituição do líder iraquiano porque o atual premiê não satisfaz os interesses de muitas das forças iraquianas. Existe uma proposta para colocar na direção do país um representante da comunidade sunita. É evidente que o Irã não apoia essa ideia. Eu penso que nesta altura o Irã não se opõe à presença no Iraque de várias centenas de militares estadunidenses e à realização de ataques aéreos contra as milícias com recurso a drones. Mas já a tese sobre possíveis operações conjuntas é pura ficção.”

Temos de reconhecer que os EUA ficaram numa situação extremamente incômoda. Eles são obrigados a tratar o Irã com delicadeza e não podem descartar o fator russo. Em suma, a realidade ultrapassou as fantasias mais ousadas. Já Washington recebeu mais uma vez uma lição de política externa realista, apoiada em vantagem mútua e não em dogmatismo político.



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