Como os vizinhos latino-americanos veem inédita adesão colombiana à OTAN?

Em 31 de maio, a Colômbia vai virar o primeiro país latino-americano a integrar a OTAN na qualidade de "parceiro global", comunicou o presidente colombiano Juan Manuel Santos. Isso, sem dúvida, vai afetar não só este país, mas toda a região.


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Brasil

"A adesão da Colômbia à OTAN é um precedente extremamente sério" que viola várias resoluções regionais ao mesmo tempo, disse à Sputnik o secretário para os Assuntos Exteriores do Partido Comunista do Brasil, José Reinaldo Carvalho.

Mapa da América Latina
CC0 / Pixabay

Para além do Tratado de Tlatelolco, ele destacou a Declaração da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, datada de 2014, que proclamou o território de todo o bloco como uma "zona de paz e cooperação".

A adesão do país à OTAN, bem como "uma aliança militar com a perspectiva de uso de armas nucleares, viola esta declaração e cria um precedente", pois cria uma ameaça de intervenções externas na região, disse José Reinaldo à Sputnik Mundo.

Isto "mina a estabilidade e a segurança dos outros países, inclusive da Colômbia". O presidente Juan Manuel Santos, que recebeu o Prêmio Nobel por ter acabado com as FARC, "pode anular" seus esforços de pacificação com a adesão do seu país à Aliança Atlântica.

De acordo com José Reinaldo Carvalho, esta medida faz parte de "uma série de eventos diplomáticos e militares" orientados contra a Venezuela. Nesse contexto, o político relembrou as recentes manobras conjuntas do Peru, Colômbia e Brasil AmazonLog17, na Amazônia, realizadas em novembro de 2017 com o apoio do Pentágono. Este foi o primeiro "precedente", acredita.

José Reinaldo não conseguiu responder como é que o governo brasileiro vai agir, mas fez lembrar de que o governo Temer "já tem experiência de humilhação perante os EUA e agressão contra os Estados tão progressistas como a Venezuela".

"O Brasil é um dos motores do 'Grupo de Lima' que se recusou a reconhecer os resultados das eleições na Venezuela", assinalou. Por isso, acredita, nesse caso Brasília também não irá entrar em confrontação com Washington.

No início do século XXI, por iniciativa do Brasil, a América Latina, "se tornou em um polo importante da geopolítica mundial". A criação da CELAC e os esforços do país no âmbito dos BRICS "criaram uma nova atmosfera global".

"Claro que Washington e Bruxelas não gostaram disso. [A adesão da Colômbia à OTAN] é uma medida tomada em nosso continente com a finalidade de acabar com as pretensões relativamente à soberania e integração dos nossos povos", resumiu o especialista brasileiro.

Venezuela

"Ao querer demonstrar lealdade aos EUA," o governo colombiano "ultrapassou a linha que até hoje nenhum outro governo colombiano cruzara", acredita o analista venezuelano Sergio Rodríguez Gelfenstein.

Do ponto de vista dele, esta medida "viola toda uma série de acordos internacionais", tais como, por exemplo, o Tratado de Proibição de Armas Nucleares na América Latina e o Caribe, mais conhecido como o Tratado de Tlatelolco, que entrou em vigor em 1968.

O presidente Santos assegurou que a Colômbia não vai participar de operações militares da OTAN. Entretanto, para o especialista venezuelano, a adesão à OTAN, tendo em conta que "vários membros dela dispõem de armas nucleares que podem ser transportadas para a Colômbia", é uma violação do respectivo documento.

A adesão colombiana à Aliança Atlântica é "muito perigosa" para a América Latina, "região que se manifesta contra a presença dos navios equipados com armas nucleares da Marinha Real do Reino Unido nas Malvinas".

"A diferença consiste só no fato de que, nesse caso, a ameaça provém do Reino Unido de maneira unilateral, enquanto que agora estamos falando de um país-violador da América Latina", adiantou Gelfenstein.

Por outro lado, a decisão de Bogotá se limita a formalizar a situação já existente: "Já faz tempo que as bases estadunidenses estão na Colômbia. Este acordo formaliza seu funcionamento."

Equador

Segundo disse à Sputnik Mundo o diretor do Centro de Segurança e Defesa do Instituto de Pesquisa Nacional do Equador, Daniel Pontón, a adesão de um país latino-americano à OTAN pode ser interpretada como uma "decisão de continuar bloqueando a influência venezuelana na região".

Pontón não exclui que esta questão seja uma das mais discutidas em 17 de junho, quando os colombianos forem às urnas no segundo turno das presidenciais.

"Caso nada mude, esta decisão será uma sentença mortal à União de Nações Sul-Americanas. A menos que a direita colombiana nos apresente uma surpresa", assinala o especialista.

Esta organização foi fundada em 2008 e acolheu 12 países da América do Sul. Em abril, seis países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru) decidiram suspender sua participação.

Peru

Na opinião do economista peruano Óscar Ugarteche, "a adesão colombiana à OTAN é fruto da política exterior eficiente dos EUA", pois Washington "conseguiu colocar o país sul-americano no Atlântico do Norte, do qual ele não faz parte" e defender uma aliança com a Europa.

"É um sinal de que os EUA, junto com os europeus, podem começar a interferir nos assuntos desse hemisfério tal como fazem no Oriente Médio, para não agirem cada um por si. Acho que os EUA sabem que não podem agir na América Latina contando com o apoio de outros países da região, porque ninguém vai fazer o jogo deles em suas aventuras militares nesse hemisfério", acredita o analista.

Ugarteche se mostra preocupado, pois "na Colômbia há muita arma e o país tem um índice recorde de criminalidade", por isso uma aliança com a OTAN é "patética" para ele. O objetivo do bloco militar pode ter a ver com a Nicarágua ou a Venezuela, enquanto a maneira de intervir nestes países pode ser parecida com a usada nas "Primaveras Árabes", prediz o economista.

O entrevistado da Sputnik Mundo teve dificuldade em responder à pergunta sobre a postura do governo peruano em relação à adesão colombiana, mas, de qualquer maneira, "o Peru continua sendo um aliado forte" de Bogotá, tanto mais que ambos os países celebraram acordos sobre o livre comércio com os EUA e reduziram sua participação da Comunidade Andina de Nações (CAN).

Neste contexto, os recentes acontecimentos "podem significar uma virada na política externa em busca de uma aliança parecida".

"Espero que não seja assim, mas é muito provável", resumiu Ugarteche.

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