As razões que levaram à escolha da MEKO no Programa Tamandaré

A companhia alemã ThyssenKrupp Marine Systems (TKMS) deu início à singradura que a levaria à vitória no Programa das Corvetas Classe Tamandaré perto do Natal de 2016, quando fez chegar às mãos do então diretor-geral do Pessoal da Marinha, almirante de esquadra Ilques Barbosa Júnior, e do oficial recém designado para a Diretoria-Geral do Material da Força, almirante de esquadra Luiz Henrique Caroli, um memorando sobre a ideia que tivera para disputar o contrato de renovação da flotilha de escoltas brasileiros.


Por Roberto Lopes | Poder Naval

O plano era, no papel, relativamente simples: reprojetar o navio MEKO (sigla de MEhrzweck-KOmbination, Combinação de Múltiplos Propósitos) 100, de deslocamento em torno das 2.000 toneladas (já vendido à Malásia e à Polônia), de forma que ele chegasse até umas 3.200 toneladas (ou até um pouco mais), e, dessa forma, ganhasse musculatura para cumprir travessias oceânicas no tempestuoso Atlântico Sul – tudo isso, claro, levando uma pletora de mísseis e bocas de fogo que lhe garantissem a polivalência.

SAS Amatola
SAS Amatola, MEKO A-200 da África do Sul

Caroli recebeu o cargo de Diretor-Geral do Material na manhã de 10 de janeiro de 2017 – uma terça-feira luminosa no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) –, das mãos de seu colega Luiz Guilherme Sá de Gusmão, oficial de estilo introspectivo, que simpatizava com a alternativa de as corvetas da série Tamandaré ficarem a cargo do conceituado grupo italiano Fincantieri.

Caroli, por sua vez, conhecia bem as embarcações da família MEKO.

Ao assumir o comando da Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano, na metade inicial dos anos de 2010, pudera operar com algumas delas, que representavam a Marinha Alemã na flotilha da ONU.

Também Ilques lembrava bem das MEKO.

Ex-oficial do contratorpedeiro Pernambuco (um classe Fletcher comissionado pelos americanos em 1943), ele era um jovem capitão de corveta quando, ainda na primeira metade da década de 1980 – logo depois da Guerra das Malvinas – seus orgulhosos colegas argentinos começaram a receber os destructores MEKO 360 H2 (Classe Almirante Brown), de deslocamento parecido com as fragatas classe Niterói brasileiras, mas muito (muito mesmo) mais modernas do que elas.

Bons ventos, então, sopraram as velas do navio da TKMS na Marinha do Brasil (MB).

O almirante Ilques escalou uma carreira sólida, que o levaria ao Comando da Força, e Caroli consolidou-se na chefia do Material, cargo estratégico para qualquer força armada – que, por sinal, ele só irá deixar em novembro próximo, ao final de seu tempo na ativa da Marinha.

Sistema de construção modular da Meko
Sistema de construção modular da MEKO

Offsets 

De seu lado, a TKMS ampliou o esforço no sentido de oferecer à MB os planos de um autêntico “navio de águas azuis”, com os equipamentos (sensores/armamentos) desejados pela oficialidade do cliente e – ainda mais importante do que isso – porte superior a 3.400 toneladas, que aproximava essa MEKO das icônicas Niterói (o navio proposto pela TKMS terá calado quase igual ao dessas fragatas, e boca 2,45 m maior).

E não era só isso.

A concepção geral da MEKO A-100 brasileira lembra muito a MEKO A-200, de sucesso reconhecido em marinhas tão diversas quanto a australiana, a turca, a portuguesa e a sul-africana. O passadiço, por exemplo, é praticamente o mesmo.

“O navio ofertado pela TKMS é uma evolução da Meko A-100 com características da Meko A-200”, observou ao Poder Naval um engenheiro da Marinha que trabalhou na análise das propostas enviadas ao Programa Tamandaré. “Assim como o submarino U214 é uma evolução do U209, com características do U212”. Para então arrematar: “os offsets beneficiam os submarinos da Classe Tupi e o Tikuna, dentre outros”.

As compensações disponibilizadas pela TKMS para a MB constituem, efetivamente, um capítulo à parte da vitória alemã.

Ainda que a empresa germânica não tenha oferecido muito para a modernização do Arsenal de Marinha do Rio, ela se propôs a ajudar de forma decisiva na recuperação das capacidades da flotilha de submarinos Tipo IKL-209 sediada na Base Almirante Castro e Silva (RJ).

Esses cinco navios – quatro Classe Tupi e o Tikuna (Tupi modificado) – apresentam problemas, principalmente nos periscópios e na motorização. De acordo com uma fonte da Esquadra, um dos submersíveis tem o seu kit de periscópios completamente inoperante.

Para esse oficial amigo do Poder Naval, a simples possibilidade de, no âmbito dos contratos de offset do Programa Tamandaré, o Comando da Força de Submarinos obter a substituição dos motores MTU 12V493 TY60 de dois dos quatro navios Tupi já representará um ganho simplesmente extraordinário para a Arma Submarina da MB.

Nesse caso serão instalados propulsores MTU 396, de desempenho consideravelmente superior ao do MTU 12V396 acomodado, na metade inicial da década de 2000, no Tikuna.

O conjunto de offsets ofertado pela TKMS à MB ainda não é totalmente conhecido, mas oficiais que acompanharam a concorrência das Tamandarés admitem que ele possa incluir equipamentos da conceituada fábrica alemã Atlas Elektronik, da cidade de Bremen – sistemas que seriam instalados nas três fragatas Classe Niterói que serão revitalizadas, com o objetivo de aguentar a faina durante os anos de 2020.

O engenheiro naval amigo do PN retoma: para ele, a vitória da TKMS justifica-se “pelo off-set apresentado, pelas garantias apresentadas, pela qualidade e confiabilidade das empresas que compõe o consórcio e pelo longo relacionamento da MB com estas empresas”.

Pesou evidentemente, neste item, a presença da Embraer Defesa & Segurança no consórcio liderado pela TKMS.

Estaleiros 

Aliás, os alemães estiveram muito atentos, nos últimos anos, às parcerias de qualidade que poderiam encontrar para fabricar no Brasil os quatro navios do Programa Tamandaré.

Na questão da seleção de uma indústria naval em território nacional, eles investigaram ao menos quatro estaleiros: o Wilson Sons, do Guarujá (SP) – que já havia sido contratado pelo consórcio Damen-SAAB –; o Navship Ltda., da cidade de Navegantes (SC); o Detroit Brasil, de Itajaí (SC), e o Oceana, também de Itajaí, que resultou ser o escolhido.

Como era de se esperar, a questão da confiabilidade permeou todas as fases da disputa pelas Tamandarés.

“Navio de guerra para mim ou é italiano ou é alemão”, comentou, semanas atrás, com este articulista, o ex-ministro da Marinha – e Decano dos Submarinistas da MB – Alfredo Karam (que precisamente na semana da vitória da TKMS completou o seu 94º aniversário).

E os franceses?

O Poder Naval apurou que, durante todo o processo licitatório, o único projeto que rivalizou com o da TKMS foi o do navio Sigma 10514, proposto pelas empresas Damen e SAAB.

O navio francês, baseado na corveta Gowind 2500 (adquirida pela Marinha do Egito), foi considerado um bom candidato, mas uma plataforma relativamente pequena para afrontar as exigências que surgiriam nas travessias pelo Atlântico.

Além disso, havia a circunstância de os franceses já estarem faturando uma fábula no PROSUB (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), em Itaguaí – parceria que envolve nada desprezíveis 32 bilhões de Reais.

“Não se coloca todos os ovos numa mesma cesta”, resume Karam, do alto dos seus 70 anos de experiência militar (que, para os que não sabem, têm a admiração pessoal do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão).

E o papel do ex-Comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Leal Ferreira, nessa reta final da disputa pelas Tamandarés?

“Nenhum”, resume o ex-ministro ouvido pelo PN.

Logo depois de deixar o cargo de chefe da Força Naval, Leal Ferreira dedicou seu tempo ao estudo da papelada referente ao seu novo cargo, de presidente do Conselho de Administração da Petrobras, e também a um cuidado médico: operar ambas as pernas de varizes.

Nesta quinta-feira 28, enquanto os representantes da TKMS comemoravam a vitória da MEKO 100 brasileira, ele embarcou com a esposa para o Canadá, onde foi visitar a filha.

MEKO A-400 

A vitória da TKMS no Brasil foi, antes de tudo, um alento para o setor de navios de superfície desse grupo industrial – que, segundo algumas versões, poderá ser repassado a uma outra indústria naval da Alemanha.

MEKO A-400

Mas não um alento circunscrito aos valores da encomenda dos quatro navios Tamandaré, superiores – levando-se em conta todos os contratos envolvidos (de manutenção integrada, treinamento, etc.) – a 2 bilhões de Euros.

Os dirigentes da TKMS sonham, especialmente, com o que virá depois das corvetas/fragatas leves da nova série de corvetas brasileiras.

Um militar amigo do Poder Naval arrisca dizer: ainda na primeira metade da próxima década, a MB pode, sim, contratar um segundo lote de escoltas, por meio do esquema 2+2 (isto é: encomenda duas unidades novas com opção para mais duas).

Só que, na opinião desse oficial, a intenção da Marinha não seria passar da MEKO 100 para a MEKO 200 – 500 ou 600 toneladas mais pesada –, e sim saltar para o novíssimo projeto MEKO A-400, uma variante (bem aperfeiçoada) da fragata alemã Classe F-125, de 149,52 m de comprimento e 7.200 toneladas de deslocamento.

De acordo com um estudo do respeitado Instituto Naval Australiano, publicado no fim de 2016, os designs da MEKO A-400 e da fragata tipo F-125 “compartilham mais de 80% de comunalidade, o que implica dizer: o MEKO A-400 é um projeto relativamente maduro”.

A análise ressalta: “O que torna o A-400 único são as suas características de sobrevivência excepcionais. Estas incluem duas seções de navio capazes de operar de forma independente, mesmo se uma estiver incapacitada por danos de batalha. Isso fornece um nível de redundância que outros projetos terão enorme dificuldade para igualar (como as duas ilhas de radar com varredura de 360 ​​graus)”.

A disputa pelo contrato das quatro corvetas Classe Tamandaré produziu, como se vê, a encomenda de uma flotilha de quatro fragatas leves polivalentes, de 3.455 toneladas. E, no seio das marinhas, esse não é um truque novo.

Conversando com a reportagem do Poder Naval esta semana, um oficial que serviu na Capitania dos Portos de Recife no fim da década de 1970 lembrou-se de uma história famosa na MB: a da chegada à capital pernambucana de um destroyer Classe Spruance, da Marinha dos Estados Unidos.

O navio aparecera na costa nordestina durante a fase de preparação para uma Operação Unitas.

Com os seus 172 m de comprimento de casco, e 8,8 m de calado, o navio, de 8.000 toneladas, tinha o tamanho de um cruzador da 2ª Guerra Mundial. Era tão grande que o porto de Recife mostrou-se incapaz de recebê-lo. Restou ao navio fundear ao largo.

No dia em que o comandante do Spruance apareceu sorridente na Capitania recifense, um modesto oficial brasileiro (ex-comandante de corveta da classe Imperial Marinheiro), perguntou-lhe como um navio tão imponente recebera apenas a classificação de destroyer.

O militar visitante abriu um sorriso e explicou: “é que o dinheiro que a Marinha americana tinha, estava reservado à construção de destróieres. Então nós construímos o navio que julgávamos necessário e batizamos de destróier…”

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