Por que a URSS assinou um pacto com Hitler?

No final de 1939, Iôssif Stálin assinou o Tratado de Não Agressão com a Alemanha de Adolf Hitler, também conhecido como Pacto Mólotov–Ribbentrop, que incluía um protocolo secreto sobre a divisão da Polônia e dos Estados Bálticos. A medida foi uma ironia que ajudou a URSS a ganhar tempo antes de entrar em guerra contra Hitler.


Oleg Egorov | Russia Beyond

Joachim von Ribbentrop, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha nazista, chegou a Moscou em 23 de agosto de 1939, chocando a comunidade internacional. Naquela época era impossível imaginar um ministro do Terceiro Reich surgindo em Moscou para falar de paz com Stálin e com o ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, Viatchesláv Mólotov.


Resultado de imagem para Gueorgui Petrusov/Sputnik; Global Look Press; Pixabay; Lonio17 (CC BY-SA 4.0)
Joachim von Ribbentrop cumprimenta Viatchesláv Mólotov | Gueorgui Petrusov/Sputnik; Global Look Press; Pixabay; Lonio17 (CC BY-SA 4.0)

A ultraesquerdista URSS e a ultradireitista Alemanha pareciam inimigos naturais. Hitler falava constantemente sobre o Reich ganhar o Lebensraum ("espaço vital") no Oriente, o que significava planos de conquistar os territórios da URSS.

A União Soviética, por sua vez, criticava o nazismo alemão na imprensa desde que Hitler havia chegado ao poder em 1933 e se posicionou como a maior potência antinazista.

Como lembrava o embaixador dos Estados Unidos em Moscou, Charles Bohlen, até a bandeira com suástica que os soviéticos penduraram no aeroporto, enquanto encontravam Ribbentrop, tinha sido usada anteriormente apenas em filmes antinazistas.

Decisões rápidas

Hitler tinha pressa ao enviar seu ministro dos Negócios Estrangeiros para Moscou. O Reich estava se expandindo e anexando novos territórios: Áustria em março de 1938, Região dos Sudetas da Tchecoslováquia em setembro de 1938, o resto da Tchecoslováquia em março de 1939. Chegou a vez da Polônia, e Hitler precisava de garantias de que a URSS não atacasse a Alemanha.

Havia urgência: o ataque à Polônia estava planejado para 25 de agosto, o exército estava pronto, todas as ordens foram dadas. Hitler tinha de agir rápido.

"Hitler decidiu fazer apostar tudo. Em 21 de agosto de 1939, ele dirigiu-se a Stálin, pedindo-lhe que se encontrasse com Ribbentrop até o dia 23 de agosto", escreve o reitor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, Anatóli Torkunov, em seu livro “A História das Relações Internacionais”.

Stálin concordou. As coisas correram bem: demorou apenas algumas horas para que eles chegassem ao acordo. À noite, Ribbentrop e Môlotov assinaram o tratado e o protocolo secreto.

Dividir o país

O pacto entre a URSS e a Alemanha era um tratado de não agressão bastante comum, uma garantia escrita de não beligerância entre as partes e de que nenhum dos governos se aliaria, ou ajudaria, um inimigo da outra parte.

Em 22 de junho de 1941, apenas 22 meses após a assinatura, a Alemanha quebraria o pacto, atacando a URSS com toda sua força. Para Hitler, os acordos internacionais eram apenas pedaços de papel, e Stálin compartilhava desta opinião.

"Ao assinar o pacto, tanto Hitler como Stálin percebiam perfeitamente que a guerra [entre a URSS e a Alemanha] era inevitável", escreve Torkunov. O mais importante era o protocolo secreto que ajudou Stálin e Hitler a chegarem a um acordo sobre a futura fronteira entre a União Soviética e a Alemanha.

No protocolo, lê-se: "No caso de uma reorganização político-territorial dos distritos que compõem a República da Polônia, a fronteira das esferas de interesse da Alemanha e da URSS correrá aproximadamente ao longo dos rios Pisa, Narew, Vístula e San. A determinação se a preservação do Estado polaco independente é de interesse mútuo poderá ser realizada apenas no âmbito do futuro desenvolvimento político”.

O "futuro desenvolvimento político" apagou a Polônia do mapa do mundo. Em 1 de setembro de 1939, cerca de 1,5 milhão de soldados da Wehrmacht atravessaram a fronteira ocidental da Polônia, aniquilaram o exército polaco em duas semanas e capturaram Varsóvia.

Em 17 de setembro, o Exército Vermelho também entrou na Polônia, vindo do leste. Não encontrando quase nenhuma resistência, ocupou todos os territórios dentro de sua "esfera de influência".

Mais tarde, em 1940, Moscou forçou os três Estados Bálticos (Estônia, Letônia, Lituânia) a se juntarem à URSS, completando assim sua expansão territorial.

Longa negação e avaliação posterior

Embora não publicado, o protocolo não era totalmente secreto. Os diplomatas alemães vazaram informações e o mundo inteiro começou a, no mínimo, suspeitar Moscou e Berlim.

No jornal britânico The Guardian, poucos dias depois da assinatura do tratado, lia-se: "Há uma crença de que a Alemanha e a Rússia concordaram em dividir a Polônia e que os Estados Bálticos devem se tornar uma esfera de influência russa".

A URSS, porém, negava a existência do protocolo secreto até 1989.

Hoje, a posição dos líderes russos em relação ao pacto é moderada: não há nada de que se orgulhar, mas não é um caso para vergonha.

"A União Soviética (...) fez repetidas tentativas para criar um bloco antifascista na Europa. Todas essas tentativas fracassaram. Quando a União Soviética percebeu que tinha sido deixada frente a frente com a Alemanha de Hitler, tomou medidas para evitar um confronto direto", disse Vladimir Putin em 2015.

Uma abordagem cínica


Ao contrário de Putin, os governos ocidentais tradicionalmente criticam o pacto e o caracterizam como vicioso e imoral. "É claro que o pacto foi um cínico acordo com o diabo", diz o historiador Aleksêi Issaev.

No entanto, segundo ele, o pacto ajudou a URSS na preparação para a guerra. "A situação estratégica melhorou em 1939. Os 300 quilômetros entre a antiga e a nova fronteira da URSS deram vantagem de tempo e distância", diz Issaev.

A URSS não foi a primeira potência europeia a assinar acordos com o diabo. O Reino Unido e a França permitiam que Hitler militarizasse a Alemanha novamente e anexasse a Áustria e a Tchecoslováquia. Ao contrário de Stálin, Neville Chamberlain e Édouard Daladier não ganharam nada com seus acordos com Hitler - apenas instigaram o agressor a conquistar cada vez mais espaço.

"A política de apaziguamento estava errada e era contraproducente, porque era impossível satisfazer o apetite sem fim dos nazistas", afirma Torkunov.

Hitler não podia ser impedido por nenhum tipo de acordo, e só a Segunda Guerra Mundial, com suas 60 milhões de vítimas, conseguiu impedi-lo. Quanto ao pacto Molotov-Ribbentrop, o documento continua a ser uma das páginas mais vergonhosas da história russa do período pré-guerra.


Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem