DEPOIMENTO - Os bastidores de uma interceptação


“Aqui é a Força Aérea Brasileira!

Você não está autorizado a voar neste espaço aéreo”

Inicia mais uma manhã da Operação Prata V. O tempo está bom, limpo, claro, o que –em princípio - indica que faremos uma boa viagem.

Quinze minutos antes da decolagem e todos já estão instalados dentro do C-98 (Caravan), avião utilizado como alvo das interceptações. Pilotos, mecânicos e imprensa preparados para partir.

O tempo estimado de viagem é de uma hora e meia. O destino é a pequena cidade de Posadas, entre Brasil e Argentina, a 400 quilômetros de Santa Maria.

Motor ligado e comandos acionados. No rádio o piloto informa: estamos preparados para decolar. A pista lembra um grande rio de concreto. O motor acelera e o coração dispara. O avião corre até que, sem mais nem menos, se acalma ao ganhar os ares. Em segundos não se sente mais nada além do ar. Partimos! Eram dez para as dez da manhã.

A aeronave sobe aos poucos, deixando para trás as casas, agora pequenas. Aos poucos a terra ganha um colorido fantástico. Parecia camuflada em tons de verde e marrom, ganhando formas e contornos que jamais poderiam ser percebidos do solo.

Balançamos! Cortando suavemente as correntes de ar.

Cada bip escutado dentro da aeronave era um indicativo de que estávamos mudando de altitude. Chegamos a 10 mil pés, aproximadamente 3 mil metros de altitude, a uma velocidade de 250 quilômetros por hora.

O tempo pareceu fechar. Não tínhamos certeza da interceptação argentina. A visibilidade era pouca. Por alguns minutos a única imagem que conseguíamos enxergar eram as nuvens brancas sendo cortadas pelo Caravan. Mas o tempo foi generoso.

Ao cruzarmos a fronteira, o transponder (sinalizador de identificação) foi desligado para dificultar a localização de nossa aeronave. Então, esperamos por qualquer sinal de aproximação dos aviões argentinos.

Às 11:07 vimos cruzar o céu, em direção oposta, o primeiro caça argentino que realizaria a interceptação. Do rádio podíamos escutar a voz feminina da controladora de defesa aérea daquele país: uno, três, seis, uno, no está autorizado.

Da fronteira até a interceptação, os caças "hermanos" demoraram seis minutos para abordar nossa aeronave. Ainda no ar, já a dois mil pés de altitude, os pilotos foram instruídos e acompanhados até o Aeropuerto de Posadas.

Na Argentina participam da Operacíon Plata V três aviões de treinamento, os llamados Pampas, e mais três aviões alvos, los blancos, que realizam os vôos “irregulares”.

Todos os aviões que participam da operação são da Quarta Brigada de Mendoza. Criada no ano de 1933 com a denominação de Base Aérea Militar Los Tamarindos, a Quarta Brigada tem por missão alcançar e manter a capacidade de executar operações aéreas estratégicas, táticas e de defesa, realizar as buscas de salvamento ou operações especiais que sejam ordenadas.

De acordo com o Major Alejandro Aragañarás, responsável pela imprensa militar argentina no exercício, a interceptação foi realizada com êxito. “Se usan los mismos procedimientos aeronauticos brasileños. Identifican , localizan e interceptan los aviones blancos, con el fin de estabelecer un acuerdo, un entendimiento entre ambas las fuerzas aereas, para evitar conflictos”, explica.

Segundo o piloto da interceptação, o Major Gustavo Martinez Zuviria, do Esquadrón Pampa, os primeiros procedimentos para uma interceptação tranqüila vem do centro de informação e controle de vôos aéreos.

Após a invasão do espaço aéreo argentino são emitidos três alertas. O primeiro com 30 minutos de distância entre o avião branco e a base aérea "hermana", o segundo com 15 minutos e o terceiro com 5.

"Al los cincos minutos tiene que estar com el avíon listo", afirma o Major. Mas o objetivo é diminuir esse tempo – “porque todo tempo que uno gana, es el tempo que blanco no está entrando en nuestro território”, ressalta ele.

Inicialmente o pampa aproxima-se do avião irregular sem ser visto, nem detectado, uma combinação entre a técnica de interceptação e o diálogo com radar.

Em seguida, o controle de vôo emite uma mensagem para que o pampa inicie a segunda fase de interceptação. Durante essa fase, os pilotos aplicam un procedimiento suave, como explicou o Major Martinez. Esse procedimento implica na solicitação para que o avião irregular entre em contato através da freqüência internacional. Nesse caso, é necessário informar e acompanhar a aeronave irregular até o local solicitado.

La Fuerza Aerea Argentina não tem ainda nenhuma lei que permita o abate dos aviões irregulares que não obedecerem às solicitações dos aviões interceptores. Em caso de desobediência, os dados, como a matrícula e as características, do avião irregular, são transmitidos às autoridades federais, para que sejam tomadas as medidas necessárias, como “las fuerzas de seguridad, polícias tanto provinciales o federales”, afirma o Major.

No caso do avião se dirigir a outro país, as informações são transmitidas para que possa ser dada continuidade a interceptação.

A vez dos brasileiros - Nossa partida de Posadas foi às 14h10min. O retorno foi realizado a sete mil pés de altitude Em poucos minutos cruzamos a fronteira. Poucos minutos voando dentro do espaço aéreo brasileiro, avistamos dois caças A-29. Às 14h30min foi impossível conter a emoção de ouvir, em alto e bom tom, em um português claro: “Aqui é a Força Aérea Brasileira! Você não está autorizado a voar neste espaço aéreo”. Dessa vez eram os nossos, os caças brasileiros.

No momento da interceptação estávamos a 180 quilômetros de distância da cidade de Santa Maria e após esse primeiro contato, os pilotos foram orientados a mudar de rota e a acompanhá-los até o local solicitado.

A partir dali voamos juntos, como três pássaros que sobrevoam casas e prédios que mais pareciam pequenas peças.

“Aqui é a Força Aérea Brasileira! Você não está autorizado a voar neste espaço aéreo”. A segurança realmente está no ar.

Juliana Mostardeiro
Acadêmica de Jornalismo UFSM
Enviada especial para a cidade de Posada

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