Retórica e ações de Chávez mudam equilíbrio regional

Compra de caças Sukhoi da Rússia já provocaram reação do Chile e da Colômbia

No Brasil, aumenta a pressão de militares para modernizar equipamentos; Lula deve aprovar verba para troca de supersônicos

IGOR GIELOW

SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA – FOLHA DE SÃO PAULO

Depois de um século 20 relativamente pacífico, a retórica do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está transformando a América do Sul num pequeno tabuleiro de interesses divergentes que

podem desembocar em disputas mais quentes do que a praxe recente indicaria. Logicamente, isso é futurologia sob forte risco de virar alarmismo, e não são do interesse imediato de ninguém conflitos

armados na região.

Mas o endurecimento de Chávez, que atingiu um novo patamar na semana passada, com as críticas ao seu até aqui aliado ideológico Brasil por conta da demora do Senado em aprovar sua adesão

ao Mercosul, começa a inspirar a composição de cenários pouco róseos.

Caças Sukhoi

Independentemente de cor ideológica, que pode enxergar nos movimentos de Hugo Chávez tanto uma ameaça à democracia quanto uma afirmação de soberania "antiimperialista" – ou antiamericana, conforme o gosto do freguês -, a realidade é que a propalada tranqüilidade deste canto do mundo está sendo abalada.

Alimentado a petrodólares e conseqüentes compras militares pontificadas pelos vistosos caças Sukhoi-30, comprados da Rússia e dos quais oito das 24 unidades iniciais já estão operantes, Chávez

conquistou o papel de tutor de governos secundários. Embolsou a Bolívia de Evo Morales e o Equador de Rafael Correa, e volta e meia tenta emplacar algum presidenciável simpático a si.

Com a Bolívia, deu o passo mais ousado, ao assinar em 2006 um acordo militar nebuloso que deverá lhe dar acesso a bases fronteiriças no país de Morales e intercâmbio de tropas e equipamento.

Não é exagero dizer que esse acordo virou um forte elemento de dissuasão contra movimentos oposicionistas a Morales ou ao vizinho aliado Correa, embora a extensão disso não seja aferível no momento.

Em países na linha de frente adversária ao venezuelano, como a Colômbia e o Chile, vistos pelos "bolivarianos" como grandes bases americanas, a resposta a Chávez já está em curso em forma de uma

corrida armamentista localizada -ambos os países estão fazendo investimentos consideráveis na área de defesa.

Brasil

Quanto ao Brasil, o maior ator regional, a reação ainda é limitada, não menos porque até as patadas diplomáticas da semana passada Chávez era visto como um aliado difícil -mas um aliado, nos

planos ideológico e econômico.

A área militar não pensa bem assim, e tudo indica que agora será atendida ao menos parcialmente em seus pleitos de modernização. O governo Luiz Inácio Lula da Silva deverá cumprir sua promessa de liberação de verbas para modernização das Forças Armadas, em especial para a Aeronáutica, cuja famosa novela para a troca de supersônicos de interceptação se arrasta desde 2001.

É importante desmistificar alguns pontos do poderio de Chávez. Os Sukhoi, os melhores aviões em operação no continente, que a Rússia tenta vender também ao Brasil, constituem uma boa força para desencorajar ataques menores à Venezuela. Mas não ganham guerra, entre outros motivos porque são em pequeno número por ora.

Aí alguém pode perguntar: eles poderiam usar as bases na Bolívia? É uma boa questão, mas tão bom quanto ela é notar que para chegar lá é preciso passar pelos céus ou do Brasil, ou da Colômbia e Peru - os últimos países francamente opostos a Chávez.

Como o Sivam, sistema de vigilância da Amazônia, cobre toda essa região, um vôo furtivo é algo inviável. Se fosse necessário ao Brasil opor-se a um vôo desses, a situação seria complicada: não há por aqui páreo para os Sukhoi, se esses aviões forem equipados com mísseis de ponta. Mas aí já se sai da especulação geopolítica para um cenário de jogo de guerra altamente improvável, pelo menos até agora.

De um modo ou de outro, o que fica claro é que a subida de tom da retórica de Chávez é amparada por outros fatores, como sua aliança com o "malvado" Irã e a militarização com material proveniente da Rússia. Isso denota um jogo estratégico que, se ainda não está muito claro em termos de objetivos, trará mais participantes para a mesa.

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