O porta-aviões submarino da Marinha Imperial Japonesa



Depois do dramático revés em Midway e do desembarque bem-sucedido dos norte-americanos em Guadalcanal, em agosto de 1942, o Estado-Maior nipônico tomou rapidamente ciência de que os rumos da guerra estavam a se voltar perigosamente contra os seus planos.

Apesar da frota submersível da Marinha norte-americana (USN, United States) ser muito mais efetiva e infringir perdas muito mais pesadas ao adversário que sua contraparte japonesa, é fato também que muito disso se devia a erros estratégicos e táticos - e não a uma inferioridade tecnológica nipônica.

Na verdade, em alguns aspectos da tecnologia de submersíveis, a Marinha Imperial japonesa estava à frente da USN – possuía, por exemplo, aquele que talvez fosse, na época, o mais eficaz torpedo do mundo, o Tipo 95.

Por outro lado, a força aeronaval nipônica, depois das perdas de porta-aviões em Midway, estava severamente enfraquecida e muitos comandantes da Marinha Imperial questionavam sua capacidade de se impor abertamente perante o cada vez maior poderio da aviação embarcada norte-americana. Deste cenário, em fins de 1942, surgiu a idéia japonesa de unir as capacidades de sua arma submarina às da aviação embarcada.

Para que se faça justiça, o uso de aviões a bordode submersíveis não era uma novidade, nem era algo inédito.

Os primeiros testes com aviões decolando de submarinos foram feitos pelos alemães e britânicos em 1915 e os germânicos foram responsáveis pela primeira aeronave projetada para ser usada num submersível, o hidroavião Hansa-Brandenburg W.20 – mas este nunca tornou-se operacional.

Foi somente após o fim da 1a Guerra Mundial que realmente entrariam em serviço os primeiros submarinos capazes de operar (incluindo submergir) com um avião a bordo – o britânico M2 (incorporado em 1926, mas perdido com todos os tripulantes em 1932) e o francês Surcouf (completado em 1933 e perdido em missão pela França Livre em 1942, na 2a Guerra Mundial).

Ambos eram do tipo chamado de submarino-cruzador – embarcações grandes, de longo alcance, possuindo canhões poderosos e que deveriam operar como os cruzadores tradicio­nais, mas com a vantagem de serem submersíveis. Assim sendo, a aeronave embarcada servia basicamente para um reconhecimento "além do horizonte", vital na missão desejada, numa época em que não havia radar. O único avião do Surcouf, um monoplano Besson MB.411, tinha alcance padrão de 400km e era desarmado.

Por seu lado, os primeiros testes dos japoneses aconteceram em 1927 e a Marinha Imperial entusiasmou-se com o conceito – de fato, viria a ser a única no mundo a operar em larga escala submarinos dotados de aeronaves embarcadas. No início da 2a Guerra Mundial, haviam 35 destas embarcações em serviço, todas operando o hidroavião Yokosuka E14Y1, e seriam feitas, inclusive, muitas bem-sucedidas missões de reconhecimento aéreo tático de longo alcance e estra­tégico – sobre Pearl Harbour (Havaí), o porto de Sydney (Austrália) e sobre Wellington (Nova Zelândia), entre outros objetivos.

Sendo basicamente um reconhecedor, o E14Y1 tinha dois tripulantes e possuía apenas uma metralhadora de autodefesa, embora pudesse ser armado com 60kg de bombas.

Em 9 de setembro de 1942, o E14Y1 do submarino I-25 en­traria para a história ao realizar o primeiro bombardeio aéreo do território continental dos Estados Unidos – tripulado apenas pelo Of. Av. Nobuo Fujita, para incrementar a carga bélica, a aeronave lançou duas bombas incendiárias de 76kg cada, em bosques perto de Mount Emily, no Oregon. Um segundo bombardeio, com a mesma carga de bombas, foi feito no dia 29, novamente por Fujita e na mesma área (perto de Cape Blanco). O I-25 e seus tripulantes retornaram sem problemas.

Porém, o conceito japonês em fins de 1942 era mais ambicio­so e, por isso, inovador. Não se tratava de embarcar um peque­no hidroavião a bordo de um submarino, para reconhecimento armado ou mesmo ataque contra navios mercantes isolados. O que a Marinha Imperial concebera era um genuíno submarino porta-aviões, capaz de levar não apenas um, mas três aviões – aliás, três bombardeiros navais, cada um com capacidade de mais de 500 kg de carga bélica, com armamento pesado de autodefesa e excelente performance de vôo. Assim dotada, tal embarcação poderia penetrar impunemente nas águas dominadas pela USN e atacar alvos estratégicos de grande importância dos norte-americanos.

Os trabalhos tiveram início em janeiro de 1941 e o Ministério da Guerra japonês emitiu logo um requerimento para a construção de nada menos que 21 destes gigantescos submarinos Sen-Toku (STo, "submarino secreto de ataque" em japonês) – literalmente, os maiores já vistos até então. Batizados de Classe I-400, a construção começou de imediato, mas, para a sorte dos Aliados, quando a guerra terminou oficialmente no Pacífico, em setembro de 1945, apenas três exemplares haviam sido terminados - os I-400, I-401 e l-402.

Cada submarino deslocava submerso 6.560t e tinha um comprimento de 122m, desenvolvendo uma velocidade de 19 nós (35,18km/h) em emersão e 6,5 (12 km/h) em submersão. Para se colocar estes números na devida perspectiva, o mais largamente produzido e empregado submarino alemão da 2a Guerra Mundial, o temido Tipo VIIC Atlantik, tinha um deslocamento imerso de 871ton e comprimento de 67,10m, enquanto o modelo "padrão" da USN no conflito, a Classe Gato, deslocava 2.460t em mergulho e tinha comprimento de 93,60m.

Mesmo hoje, as dimensões da Classe I-400 im­pressionam. Um dos mais avançados modelos de propulsão diesel-elétrica, o Tipo 214 (de fabricação alemã, cujo primeiro exemplar entrou em serviço este ano na Marinha grega), tem um deslocamento submerso de 1.980t. E a mais nova classe de submarinos "caçadores" de propulsão nuclear do Reino Unido, a Classe Astute, desloca 7.800t em mergulho.

A tripu­lação normal da Classe I-400 era de 144 homens, mas este número podia subir até 220, dependendo da missão.

O primeiro (l-400) começou a ser construído no início de 1943 nos estaleiros em Kure, no Arsenal de Hiroshima, e foi logo seguido de outros dois, em construção nos estaleiros em Sasebo. Porém, no início de 1944, com a guerra tomando agora rumos catastróficos para o Japão, a frota inicial planejada de 21 submarinos foi reprogramada para apenas cinco – e, no fim, apenas os três iniciados em 1943 seriam terminados.

Como missão inicial para os monstros submarinos, o grande estrategista naval da Marinha Imperial, o Alm. Yamamoto, planejou um ataque contra o Canal do Panamá. Uma das opções para isto seria dos l-400 cruzarem o Índico e penetrarem no Atlântico, lançando suas aeronaves de uma posição no Caribe.

De fato, as defesas antiaéreas do lado atlântico, no Canal, eram praticamente inexistentes e os bombardeiros poderiam destruir as Eclusas de Gatun, causando a secagem do Lago Gatun – o que criaria uma verdadeira "calamidade logística" para os Aliados no Pacífico, que talvez necessitasse de um ano para ser superada. Também existiam "missões opcionais" que previam bombardeios com armas bacteriológicas contra as grandes cidades norte-americanas, como San Francisco e Nova York (o que seria, sem que o Estado-Maior nipônico soubesse, algo como uma contrapartida à arma atômica que os Estados Unidos estavam criando em Los Alamos).

Estas armas bacteriológicas foram um dos programas mais secretos do Japão na guerra e foram desenvolvidas num laboratório secreto em Harbin, Manchúria (China ocupada) – com a realização de testes cruéis e criminosos em prisioneiros de guerra, sobretudo chineses (similares às "experiências médicas" feitas pelos nazistas nos campos de concentração). O trabalho estava sob as ordens do vice-chefe do Alto-Comando Naval, o Vice-Alm. Jisaburo Osawa. Porém, sabe-se que, quatro meses antes do fim da guerra, o Estado-Maior decidira condenar o programa, declarando-se que "uma ação de ataque com germes infecciosos contra os Estados Unidos poderá causar uma escala­da desta guerra, levando-a contra toda a humanidade".

É interessante observar que, nesta altura da guerra, o Estado-Maior japonês já não trabalhava para que o ataque criasse condições para a vitória militar contra os Aliados, mas se esperava que o golpe conseguisse dissuadir estes da exigência de "rendição incondicional" – ou seja, os militares da Marinha Imperial buscavam conseguir as condições para um armistício "negociado", que mantivesse a soberania do Japão e garantisse sua hegemonia no oeste do Pacífico (incluindo as Filipinas). Com esta visão, tentou-se acelerar ao máximo os preparativos para o ataque contra o Canal do Panamá – a Operação PX.

Em junho de 1945, os três submarinos já estavam prontos e operacionais. Eram tão grandes que receberam chaminés falsas para serem tomados por destróieres ou navios mercantes pelo reconheci­mento aéreo inimigo. Foram então enviados para o norte, no Mar do Japão, pela costa oeste de Honshu, até Takaoka – onde havia sido construída uma réplica, em tamanho real (!), das Eclusas de Gatun, na Baía de Toyama, para fins de treinamento.

Por outro lado, assim como se planejara a construção dos grandiosos submarinos da Classe I-400, foi definido o desen­volvimento de uma aeronave nova, específica para uso a bordo destas embarcações.

Na mesma época em que se iniciava a construção das embarcações, portanto, a Aichi recebeu o reque­rimento 17-Shi (Bombardeiro de Ataque Especial), que começou a ser projetado pela equipe de Norio Osaki, Yasushiro Ozawa e Morishige Mori, com a designação de fábrica AM-24.

Havia o grande desafio de se criar um monoplano de boa performance, razoável capacidade de bombas, longo alcance e que pudesse ser transportado no exíguo espaço do hangar num submarino, podendo ser montado e desmontado rapidamente pelos tripu­lantes da embarcação. Desde o início, trabalhou-se com duas versões, o bombardeiro propriamente dito (um hidroavião mono­plano), com designação de serviço M6A1 Seiran, e a variante de instrução (com trem de pouso "terrestre", recolhível), o M6A1-K Seiran Kai (posteriormente rebatizado de "Nanzan").

Em novembro de 1943, ficou pronto o primeiro protótipo do M6A1 Seiran, que possuía um motor Aichi AE1P Atsuta 30, de 12 cilindros refrigerado a líquido, com 1.400hp. Um grande destaque, porém, era o fato de que a equipe do projeto vencera seu desafio de modo brilhante. Apesar de ter um mecanismo complexo e sofisticado para a "dobragem" de suas asas e cauda, o mesmo era suficientemente robusto para a operação embarcada e, mais ainda, nas mãos de pessoal bem treinado, a operação toda de montagem/desmontagem da aeronave para operação podia serfeita em apenas 7 minutos! Como uma "ajuda extra" para a execução de tal serviço à noite, todas as partes importantes receberam pintura fluorescente.

Outros cinco protótipos foram cons­truídos, estes com o Atsuta 31 , e dois do Nanzan, com o Atsuta 32 – este último, o motor utilizado nos 20 exemplares de série produzidos do M6A1 Seiran (que deixaram as linhas de montagem entre outubro de 1944 e julho de 1945). Com uma metralhadora de autodefesa de 13mm (montada a ré, num suporte móvel), o Seiran podia levar até 850kg de bombas e tinha velocidade máxima de 475km/h, com teto e raio operacionais cie 9.900m e 1.190km, respectivamente. Pronto para vôo, tinha comprimento de 11,64m e envergadura de 12,26m, com pesos de 3.301 kg (vazio) e 4.445 kg (máximo de decolagem). Nos treinamentos a bordo dos submarinos constatou-se que a tripulação conseguia retirar do hangar, montar e catapultar para vôo os três Seiran após 45 minutos da embarcação ter subido à superfície.

Porém, apesar de todo o minucioso treinamento para a Operação PX (que seria lançada da Base Naval de Maizuru), esta nunca seria levada a cabo. Em meados de 1945, quando estavam com toda força os exercícios em Takaoka com o l-400 e seus Seiran, o Alto-Comando nipônico recebeu a informação de que os Aliados estavam, enfim, preparando-se para a invasão do Japão e que a frota para tal ação, de proporções absolutamente impressionantes, deveria ser reunida pelo inimigo no Atol Ulithi, a cerca de 1.300km leste das Filipinas, no Arquipélago das Carolinas. Sendo a formação mais a leste dessas ilhas, Ulithi oferecia uma lagoa central de águas profundas, ideal para reunir as grandes embarcações da frota de invasão Deste modo, o Cap. Tatsunoke Ariizumi, o idealizador do ataque contra as Eclusas de Gatun, recebeu ordens de mudar completamente os planos e preparar, no menor prazo possível, uma missão de ataque dos submarinos l-400 e I-401 contra a frota dos Aliados reunida em Ulithi.
Dois submarinos da Classe AM (Tipo Kai-Ko-Taka),os l-13 e l-14, cada um com dois Seiran, acompanhariam os l-400 e, com o reco­nhecimento aéreo prévio, lhes forneceriam as informações táticas necessárias das disposições inimigas em Ulithi, para a melhor eficá­cia possível do ataque, que seria, então, realizado pelos seis M6A1 dos dois I-400, mais os quatro dos AM. Durante a preparação final para a operação, ao navegar para se unir à força-tarefa submersível, o I-13 foi afundado pelo destróíer norte-americano USS Lawrence C. Taylor e pelas aeronaves do porta-aviões de escolta USS Anzio. Mas a frota com o I-14 e os dois l-400 (somando oito Seiran embarcados) se reuniu em Maizuru com sucesso. A data do ataque contra Ulithi foi fixada para 17 de agosto de 1945.

Mas não havia mais tempo para a Marinha Imperial.

Em 6 de agosto, os norte-americanos faziam o primeiro ataque com uma bomba atômica da história, atingindo a cidade japonesa de Hiroshima. Três dias depois, um ataque similar destruía Nagasaki. Estima-se que 140 mil pessoas morreram instantaneamente nas duas cidades (fe­rimentos e efeitos da radiação fariam dobrar este número até o fim de 1945). No dia 15, num dramático pronunciamento de rádio feito a partir do Palácio Imperial, o imperador Hirohito anunciava a rendição incondicional do Japão aos Aliados. Imediatamente, a força naval em Maizuru recebeu ordens de abortar a missão de ataque contra Ulithi.

A bordo do I-400, que estava sob seu comando pessoal, Ariizumi inicialmente tomou a ordem como um "golpe de desinformação" dos Aliados. Porém, logo veio a confirmação segura de Tóquio, em 22 de agosto, que especificava que deveriam ser destruídas as máquinas de código nas embarcações, assim como todos os documentos e armas – os torpedos deveriam ser lançados a esmo e os Seiran, simplesmente jogados ao mar das catapultas. E, o pior de tudo, os submarinos deveriam navegar na superfície, com a bandeira negra de "rendição" hasteada, indo ao encontro das frotas dos Aliados, em pontos determinados. Ariizumi seguiu todas as instruções, mas não conduziu o I-400 ao cativeiro – suicidou-se depois das preparações, com seu corpo sendo "embrulhado" na bandeira japonesa e lançado ao mar, segundo suas instruções.

O I-400 rendeu-se em alto-mar para um destróier da USN, cuja tripulação mal podia crer no gigantesco monstro submersível que via navegando ao lado de seu navio. Dois dias depois, o I-401 fazia o mesmo. Depois de detalhadamente examinados por peritos, técnicos e engenheiros navais norte-americanos, ambos seriam afundados pelo submarino USS Cabezon, da USN, ao largo de Barber Point, em Oahu (Havaí), em 31 de maio de 1946. O mesmo destino teria o I-402, afundado no mesmo ano ao largo da Ilha de Gotto Retto (ele havia sido convertido em submarino-petroleiro, para levar combustível da Indonésia para o Japão, mas nunca chegara a operar).

Terminava assim a saga dos submarinos porta-aviões da Marinha Imperial Japonesa.

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