Nova dimensão do conflito sul-americano


Merval Pereira

O conflito entre o Equador e a Colômbia ganhou ontem novas dimensões com o apoio formal dado pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ao governo de Alvaro Uribe, ao mesmo tempo em que começaram a surgir especulações de que as tropas americanas que atuam no Plano Colômbia contra o tráfico de drogas teriam ajudado o governo colombiano na ação que culminou com a morte de 17 terroristas das Farcs em território equatoriano, entre eles Raúl Reyes, o número dois da organização guerrilheira. A presença do contra-almirante Joseph Nimmich, diretor da Força-Tarefa Conjunta Interagencial do Sul em Bogotá, dois dias antes da ação contra as Farcs, em visita oficial ao Comando Geral das forças Militares da Colômbia, gerou essas especulações.

Também o Conselho para Assuntos Hemisféricos (Council on Hemispheric Affairs- Coha), uma ONG americana de tendência liberal fundada em 1975 que pretende "promover os interesses comuns no hemisfério" e encorajar "a formulação racional e construtiva de políticas para a América Latina", especula sobre a possibilidade de o Comando Sul (USSouthcom), localizado em Miami, ter participado da operação.

Esse comando é responsável por planos de contingência, operações e cooperação na área de segurança para as Américas Central e do Sul e o Caribe. Segundo as especulações do Coha, há bons fundamentos para considerar possível que toda a operação foi apoiada por um trabalho de inteligência dos Estados Unidos baseado em satélites e sensores de calor, com o uso de bombas inteligentes e pessoal treinado que estaria trabalhando no Plano Colômbia. Teria também havido o uso de helicópteros Black Hawk na operação.

A insistência do presidente Lula em ressaltar a invasão territorial do Equador pela operação colombiana, e o pedido de criação de uma comissão para investigar o que aconteceu, podem estar relacionados à desconfiança de que as forças americanas que estão combatendo o tráfico de drogas na Colômbia estariam interferindo nos negócios internos da região, o que caracterizaria a concretização de uma das grandes preocupações dos antiamericanos do governo Lula.

De fato, o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos expoentes dessa ala juntamente com o assessor especial Marco Aurélio Garcia, escreveu claramente em seu livro "Desafios brasileiros na era dos gigantes": "Um componente relativamente novo na questão da segurança da Região Amazônica brasileira é a crescente presença de assessores militares americanos e a venda de equipamentos sofisticados às forças armadas colombianas, pretensamente para apoiar os programas de erradicação das drogas, mas que podem ser, fácil e eventualmente, utilizados no combate às Farcs e ao ELN".

Por isso, o governo brasileiro entende os temores da Venezuela para se armar, acreditando que Chávez tem razões concretas para temer um ataque dos Estados Unidos. Hugo Chávez, além de jatos russos Sukhoi-30 para substituir seus caças F-16, de fabricação americana, comprou também helicópteros e mísseis terra-ar, mas tudo, na visão do governo brasileiro, para garantir a área offshore, com as armas voltadas para o Norte.

Segundo ainda o pensamento do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o Mercosul deve ser um instrumento essencial para atingir objetivo de nossa política externa na região, que seria "a construção paciente, persistente e gradual da união política da América do Sul" e uma recusa "firme e serena de políticas que submetam a região aos interesses estratégicos dos Estados Unidos".

Essa tese explica o convite para que a Venezuela participe do Mercosul, um movimento político conjunto do Brasil com a Argentina, e a tentativa, rechaçada em ambas as instâncias, de que a Cuba de Fidel participasse não apenas do Mercosul como também integrasse a Organização dos Estados Americanos (OEA).

A explicação informal do governo brasileiro é que trabalha para quebrar o isolamento de Cuba, promovido pelos Estados Unidos, uma política considera contraproducente. Da mesma maneira, o governo brasileiro pretende encaminhar a Venezuela para ações de integração regional, neutralizando seu radicalismo.

Ontem Lula voltou a falar sobre uma força armada conjunta na região, em nome da qual o Brasil atuaria no Conselho de Segurança da ONU, uma obsessão de nossa política externa. O problema é que a proposta nada mais é, segundo estudiosos de estratégias militares na região, que uma réplica da proposta "bolivariana" de integração militar.

O governo brasileiro estaria assumindo essa iniciativa para retirá-la do contexto da política antiamericana chavista, segundo versões oficiais. O grupo seria formado pelos ministros da Defesa de todos os países, teria como principal missão proteger a Região Amazônica e as fronteiras marítimas, e substituiria, segundo a proposta chavista, a Junta Inter-Americana de Defesa, da qual participam os Estados Unidos.

Segundo o cientista político Amaury de Souza, em estudo já comentado na coluna, a Venezuela, para prevenir o que supõe ser uma ameaça militar norte-americana, adotou o fortalecimento e a preparação da Força Armada Nacional, com a modernização de seu equipamento e a criação de uma força conjunta para a defesa da América do Sul, como uma estratégia de defesa para o que pode vir a ser uma guerra assimétrica.

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