Política para a indústria de material bélico


Rubens Barbosa

O relatório sobre os gastos militares no mundo no período 2006-7 foi divulgado pelo Instituto Internacional de Pesquisa da Paz (Sipri), de Estocolmo. Segundo esse trabalho, os gastos militares globais cresceram 45% nos últimos dez anos. Em 2007, subiu a US$ 1,34 trilhão o gasto total, representando 2,5% do PIB mundial. As guerras no Afeganistão e no Iraque, o aumento das despesas com a defesa da Rússia e da China e a participação em forças de paz estão entre os principais fatores que explicam esse crescimento.

O Brasil está em 12º lugar, com 1% das despesas militares do mundo. O orçamento da Defesa corresponde a 1,9% do PIB, destinado, sobretudo, a aposentadorias e pensões dos militares, não à compra de armamento. Na América Latina, Chile, Peru e Venezuela gastam mais em defesa que o Brasil.

A crescente projeção externa do Brasil e seu envolvimento com forças de paz, como no Haiti, aumentam as responsabilidades e demandam respostas rápidas.

O papel que o Brasil pode desempenhar em nosso entorno geográfico imediato, com crescentes sinais de instabilidade política e militar e com ameaças à integridade territorial representadas pela intensidade dos crimes transnacionais, como o contrabando de armas e o tráfico de drogas, colocam grandes desafios para as nossas Forças Armadas.

A defesa de nossas fronteiras, em especial, na região amazônica, e das plataformas de produção e de perfuração em nosso mar territorial, tornou-se urgente e passou a ser uma questão de segurança nacional. Há hoje uma perigosa redução da capacidade do nosso sistema de defesa nacional. A baixa capacidade dissuasória das Forças Armadas pode redundar na fragilização de nossa política externa.

Em artigo recém-publicado no segundo número da revista Interesse Nacional - A Política de Defesa Nacional -, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, aborda, de forma adequada e oportuna, entre outros temas, a necessidade de fortalecimento da indústria nacional de material bélico: "O Brasil não pode mais aceitar a condição de, na melhor das hipóteses, produzir, sob licença, material desenvolvido em outros países. O domínio da tecnologia é um objetivo consistente com a manutenção da capacidade dissuasória. A capacitação tecnológica nacional constitui requisito para a aquisição de equipamentos.

Embora a ação estatal seja imprescindível à sobrevivência da indústria de Defesa, o setor privado tem importante papel a desempenhar. As possibilidades de derivação das tecnologias de uso militar para o emprego civil tornam importante a participação do setor privado. A interação entre institutos governamentais e privados, militares e civis, já existe. Os institutos militares desenvolvem, sozinhos ou em parcerias com instituições de pesquisa públicas e de empresas privadas, projetos de armamentos e equipamentos diversos.

No entanto, as iniciativas nem sempre conseguem os resultados desejados, seja pela falta de uma moldura institucional para dar forma à cooperação, seja devido às incertezas orçamentárias, seja pelo distanciamento entre os atores.

O governo brasileiro deverá ter papel ativo nesse processo de consolidação da indústria nacional de Defesa. Poder-se-ão definir procedimentos especiais de compras públicas para privilegiar o fornecedor nacional comprometido com programas de modernização tecnológica. Poderão ser criados, até mesmo, instrumentos de participação governamental direta na gestão das empresas estratégicas do setor, como ações especiais do tipo Golden Share."

Assim, o potencial é enorme. O fortalecimento da produção nacional não só poderá atender ao mercado interno, mas também ao mercado sul-americano e de outras regiões em desenvolvimento. Além da fabricação de novos equipamentos, também o mercado de reposição poderia ser adequadamente explorado. Problemas de falta de peças e assistência já afetaram, por exemplo, a operação dos veículos Cascavel e Urutu no Exército e nos Fuzileiros Navais no Brasil. Algo, no entanto, foi feito como a criação do Arsenal de Guerra de São Paulo para a revitalização desses veículos, incluindo os que estão operando no Haiti.

No fim dos anos 70 e início dos 80, o Brasil estava entre os principais fornecedores de material bélico no mundo. O governo de Saddam Hussein comprou 364 unidades do Cascavel e do Urutu.

Passados 15 anos da decretação da falência da Engesa e após três campanhas militares, os veículos blindados de rodas Cascavel voltaram a rodar no Iraque. Paralisados por falta de peças de reposição e pela retirada dos técnicos da Engesa a partir de 1985-86, esses veículos foram reformados pela empresa Anham Inc., de capital saudita, americano e jordaniano. Em janeiro de 2008, 35 veículos Cascavel foram incorporados ao Exército do Iraque e serão usados em check points e patrulhas. Nas palavras de um oficial norte-americano, "restituirão o orgulho às Forças iraquianas".

Os clientes da Engesa, durante vários anos, fizeram apelos ao governo brasileiro para que assumisse uma posição mais ativa e criasse uma estrutura para suprir peças de reposição e serviços aos veículos em operação em países com Líbia, Angola, Colômbia, Chipre, Chile, Zimbábue, Equador, Paraguai, Venezuela, Bolívia, Uruguai, Gabão e Suriname. Não houve eco.

As grandes transformações por que passam a América do Sul e, em especial, o Brasil estão a exigir da sociedade como um todo, do governo e do setor privado, uma nova atitude em relação ao desenvolvimento de uma indústria de material bélico autônoma e à altura dos desafios que o País passou a enfrentar com a perspectiva de um papel de maior relevância no cenário mundial.

O governo promete fazer a sua parte. Com a palavra o setor privado.

Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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