“Não queremos apenas entortar latas”

Major-Brigadeiro-do-Ar Ronaldo Salamone Nunes O major-brigadeiro-do-ar Ronaldo Salamone Nunes tem mais de 3.500 horas de vôo num currículo também repleto de condecora­ções. Oficial experiente em segurança de vôo, exer­ceu várias funções até se tornar Diretor de Ciência e Tecnologia do CTA (Comando-Geral de Tecnolo­gia Aeroespacial). À frente do órgão, tem a respon­sabilidade de dirigir atividades de pesquisa e de­senvolvimento tecnológico e científico dos vários institutos do CTA e encontrar uma aplicação indus­trial para tudo o que é realizado pelo centro, por meio da transferência de tecnologia. Um exemplo bem cotidiano são os motores Flex para automó­veis, que logo encontraram um caminho bem-sucedido nos meios de produção da indústria auto­mobilística. Mas o trabalho de Salamone vai além. Ele também é encarregado de cuidar de todo o conhecimento que chega ao Brasil por meio dos acor­dos de transferência de tecnologia. Nesse ponto, destacam-se projetos como a compra de caças supersônicos para a FAB e a produção de mísseis em conjunto com a África do Sul. Veja a seguir o que ele diz sobre esses e outros assuntos: AEROMAGAZINE - Uma das condições divulgadas pelo Ministério da Defesa para a aquisição dos no­vos caças supersânicos para a FAB é que o fornece­dor das aeronaves ofereça como compensação a transferência de tecnologia para o Brasil. Que tipo de tecnologia deverá ser transferida? BRIGADEIRO SALAMONE - Atualmente, as Forças Armadas brasileiras, principalmente a FAB, já não são mais simples compradoras de equipa­mentos militares. Elas também buscam acordos que garantam compensações, cuja finalidade é ob­ter contrapartidas dos fornecedores estrangeiros. Por meio dos contratos, podemos garantir a parti­cipação de empresas brasileiras no projeto, produ­ção e/ou manutenção dos equipamentos adquiri­dos. E obedecendo a orientação do próprio Minis­tério da Defesa, a compensação preferida é a trans­ferência de tecnologia desses equipamentos. No caso das aeronaves de combate aéreo, que são as plataformas que mais incorporam alta tecnologia, os itens que oferecem um maior valor tecnológi­co são os softwares e equipamentos eletrônicos embarcados, além dos armamentos. Os fabrican­tes estrangeiros dificultam o acesso a essas tecnologias, mas elas são fundamentais para o domínio total desses itens. Além disso, os acordos são im­portantes porque permitem a participação da in­dústria nacional na produção total ou de partes desses equipamentos. O que interessa para nós é produzir partes importantes, partes que agreguem um alto valor tecnológico para nossa cadeia pro­dutiva. Não queremos apenas entortar latas, mas entrar no coração das aeronaves de combate que forem compradas para a FAB. AERO - Essa tecnologia permitiria que o Brasil projetasse e construísse seu primeiro avião de comba­te supersônico num futuro não muito distante? BRIGADEIRO SALAMONE - É muito difícil imaginar quando a indústria aeronáutica brasileira será ca­paz de concebê-lo a partir do zero. Mas seria mui­to positiva a participação dessa mesma indústria na produção do próximo caça supersônico a ser es­colhido para a FAB. A amplitude dessa participa­ção dependerá da escolha, do parceiro, da nossa capacidade de absorção da tecnologia contida na aeronave e, ainda, se valerá a pena economica­mente investir numa implantação pesada em fun­ção da quantidade de aeronaves adquiridas. Con­tudo, é bom que fique claro que a retomada do pro­jeto FX-2 ainda está em fase preliminar. Os contatos iniciais estão sendo feitos pelo Ministério da Defesa e discutidos na esfera do Estado-Maior da Aeronáutica. Nada ainda foi decidido. AERO - A Embraer absorveu tecnologia com a fabri­cação sob licença do AT-26 Xavante e com a parti­cipação no projeto do AMX (A-l), mas vem se dedi­cando à produção de jatos comerciais e agora inves­te pesado na área de jatos executivos. Se a empre­sa não quiser se envolver nesse processo de absor­ção de tecnologia e declinar sua participação no FX-2, quais outras alternativas estão sendo analisadas pela Aernáutica? BRIGADEIRO SALAMONE - Acredito que a possibilidade de a Embraer ficar fora desse processo é remota. Ela é nossa indústria aeronáutica nacional e a terceira do mundo. Está mais preparada e estruturada que as demais existentes no País, e deverá cumprir seu papel nessa tarefa. Essa é a expectativa do governo. A Embraer sempre deu suporte à FAB, e a própria empresa reconhece que os projetos militares trouxerampara ela capacitações que a conduziram ao patamar que está hoje. O projeto do AMX, por exemplo, representou um importante salto tecnológico. Certamente, ela não vai desperdiçar a oportunidade de aborver novas tecnologias de ponta, que poderão ser aplicadas em seus futuros produtos civis e militares. Além disso, a empresa também tem uma linha de defesa muito bem definida e está tentando melhorar sua gama de produtos nessa área - tanto que quer lançar o C-390. Em termos comerciais, poderá ser adotado um modelo econômico que torne vantajosa a participação da Embraer no projeto FX-2, mesmo que a quantidade de aeronaves não seja expressiva. Uma das possibilidades é a fabricação de componentes destinados a todas as aeronaves do memo modelo escolhido para a FAB existentes no mundo e a assimilação da tecnologia neles aplicadas. Por outro lado, nada impede que a Avibrás também participe desse projeto juntamente com a Embraer. AERO - Recentemente, foi anunciado que o EC 725 Super Cougar, da Eurocopter, será montado no Bra­sil pela Helibrás. A empresa brasileira faz isso há quase trinta anos com outros modelos, e o índice de nacionalização não ultrapassou 50% ao longo des­se período. Até hoje, ela nunca projetou um apare­lho deste tipo. O senhor acredita que os franceses irão transferir tecnologia com os Super Cougar? BRIGADEIRO SALAMONE - Eu não conheço detalhes dessa transação. Quem participa desse processo é o Estado-Maior da Aeronáutica. Mas, como todos os contratos de aquisição de equipamentos mili­tares para as Forças Armadas brasileiras, com va­lor total igual ou superior a US$ 5 milhões, devem obrigatoriamente incluir contrapartidas interes­santes ao Brasil, creio que o acordo com os france­ses ficará dentro dessa regra. AERO - Em que estágio se encontram os trabalhos de desenvolvimento do míssil A-Darter? BRIGADEIRO SALAMONE - O projeto está andando bem e conta com a participação de duas empresas nacionais, a Mectron e a Avibrás. O trabalho visa ao desenvolvimento de um míssil ar-ar de quinta geração em conjunto com a África do Sul, que irá usá-lo embarcado em seus novos caças Saab Gripen. A África do Sul está transferindo para o Brasil várias modalidades de tecnologias de nosso interesse, notadamente, as que dizem respeito à detecção de alvos e controle do míssil. Pretendemos fabricar esse míssil aqui no Brasil e exportá-lo em pé de igualdade com a África do Sul. A previsão inicial é que o protótipo seja disparado no final de 2010. AERO - E sobre o míssil ar-ar Piranha MAA-1B, o que o senhor pode dizer? BRIGADEIRO SALAMOME - Eu não diria que o proje­to esteja no final de seu desenvolvimento. O MAA-1B é um míssil ar-ar que se situa em uma catego­ria intermediária entre a terceira e a quarta gera­ções. Seu desempenho é bem superior ao MAA-1A. O projeto foi totalmente realizado por brasileiros, sem auxílio externo. AERO - Uma área essencial e estratégica da aviação militar diz respeito aos radares embarcados, prin­cipalmente os de detecção de alvos e orientação de tiro. O que o CTA tem feito nesse campo? BRIGADEIRO SALAMONE - O CTA participa do desenvolvimento de radares de aplicação aeronáutica como contratante. O principal deles é o SCP-1 pa­ra os AMX (A-l) da FAB. É um projeto que caminha bem e envolve a empresa brasileira Mectron e a Galileo, da Itália. A tecnologia desenvolvida e absorvida com o projeto do SCP-1 e o consequente incremento da capacitação de nossa indústria alavancarão novos desenvolvimentos brasileiros nesse campo. Outra empresa que desponta na área de radares aerotransportados é a Orbisat, sediada em São José dos Campos, que já desenvolve instrumentos baseados em terra para controle de tiro antiaéreo para o Exército Brasileiro. A promissora capacidade da Orbisat faz dela uma boa opção para a FAB, por meio do CTA, contratar futuros desenvovimentos desse tipo de equipamento. AERO - Com relação ao programa espacial brasilei­ro, a retomada do programa VLS está contando com o auxílio dos russos? BRIGADEIRO SALAMONE - Dentro do programa VLS, teremos dois protótipos antes do VLS-Alpha (pri­meiro lançador de veículos do programa Cruzeiro do Sul). Esses dois foguetes serão usados para corrigir os problemas detectados nos três VLS-1 lan­çados entre 1997 e 2003. O VLS-Alpha incorpora­rá um terceiro e um quarto estágio de propelente líquido, e isso está sendo feito com tecnologia pro­veniente de uma empresa especializada da Rús­sia. Todos os demais itens são estudados e produ­zidos dentro de nosso pais. O primeiro lançamen­to dessa nova fase do VLS depende agora da recons­trução da plataforma instalada no Centro de Lan­çamento de Alcântara (MA), destruída pela explo­são do VLS-1 V-03, em 2003. AERO - Sobre o desenvolvimento de Vants (Veícu­los Aéreos Não-Tripulados) realizado pelo CTA, exis­te algum tipo de auxílio de Israel? BRIGADEIRO SALAMONE - Os projetos contam com o auxílio da Avibrás para acelerar seu desenvolvi­mento. Toda a tecnologia envolvida está sendo cria­da aqui mesmo, no Brasil. O foco do programa são os sistemas de controle e navegação de precisão desses veículos. A plataforma de vôo não é rele­vante nesse caso. AERO - Quais são os outros projetos da Aeronáuti­ca que trarão novas tecnologias para o Brasil? BRIGADEIRO SALAMONE - O que o CTA e seus insti­tutos mais desejam é que todos os projetos tenham uma indústria, que queira participar de um deter­minado desenvolvimento ou pesquisa, desde o iní­cio. Porque aí se torna mais fácil e mais rápido a transferência de tecnologia. Temos conseguido is­so em vários projetos: o motor flex (álcool/gasoli­na), com várias indústrias envolvidas; o Vant, com a participação da Avibrás; a blindagem do A-29, da Embraer. Para citar mais um exemplo, a HTA (empresa especializada em manufatura de peças em material composto, entre outras atividades) surgiu de um contrato com o CTA de transferência de tecnologia. Quando se faz pesquisa e desenvol­vimento, e esse é o foco de nossos institutos, o que se busca é autonomia tecnológica para o Brasil.

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