O sol e o Brasil fazem falta em Oslo



Daniel Mack - Instituto Sou da Paz
Cristian Wittmann - Campanha Brasileira Contra as Minas Terrestres e Coalisão Contra as Munições Cluster (CMC Brasil)

O sol de Oslo raramente aparece, mas as gélidas temperaturas que suportamos aqui são compensadas pela oportunidade de testemunhar um acontecimento histórico: cerca de 100 países assinaram esta semana, na capital da Noruega, a Convenção sobre Munições Cluster, tratado internacional para banir as bombas cluster. Armamento tecnologicamente e moralmente obsoleto — mais de 90% das vítimas são civis — espalha centenas de submunições após o lançamento, minando áreas extensas, já que muitas falham ao tocar o solo. Até hoje matam e mutilam, especialmente crianças, décadas após os conflitos em locais como Laos, Camboja, Angola e Líbano.

Depois de intensa campanha global, chegamos a um tratado que proíbe essas bombas, prevê a limpeza das áreas afetadas e a assistência às vítimas, além de medidas de destruição de estoques. Não à toa, o tratado é considerado o mais importante rebento diplomático em mais de uma década nas áreas de desarmamento e direito internacional humanitário.

Apesar de ser um tema estranho a muitos brasileiros, compatriotas lucram com o armamento, já que o Brasil produz e exporta as bombas, também armazenadas por nossas Forças Armadas.

Infelizmente, o governo brasileiro, como fez ao longo de todo o processo, resolveu ignorar a assinatura do tratado. Nos sentimos órfãos do nosso governo no imponente Rådhus, edifício histórico onde em poucos dias será entregue o Nobel da Paz e que hoje serve de palco para a proibição das bombas cluster.

Calor latino-americano, pelo menos, não falta: temos a companhia de dezenas de representantes da região, vindos de 15 governos e 13 ONGs. Aqui estão também chefes de Estado, mas nada do presidente Lula. Dezenas de ministros (40, incluindo os do Chile, Paraguai e Equador) fazem fila para assinar o tratado, mas o Ministro Celso Amorim — que já declarou publicamente considerar a bomba cluster “uma arma desumana” — só mandou aquele abraço. Ou seja, praticamente todos os governos da região assinarão o tratado, mas não o nosso. A integração sul-americana não é alicerce central da política externa brasileira? Nunca se imaginaria que, em vez de acompanhar os vizinhos, o Brasil estaria no grupo da Rússia, China, EUA, Irã, Paquistão, Israel, Coréia do Norte e Zimbábue.

Quais os impactos dessa posição? Em termos políticos, o Brasil se isola no continente e arrisca perder a merecida fama de país mais preocupado com a segurança internacional e direitos humanos do que com interesses comerciais e militares. Em termos de direito internacional, fica às margens do instrumento que será a legislação global em vigor. Por que se colocar nessa incômoda posição? O Itamaraty diz que o fórum diplomático para a discussão é a Convenção sobre Certas Armas Convencionais (CCAC), sob a égide da ONU, que tem o mandado de balancear a suposta importância do uso militar das bombas cluster com seus danos humanitários. Este ano, mais uma vez a CCAC terminou seus trabalhos sem acordo. Entre um processo que falha repetidamente há sete anos e outro que logrou em 22 meses um instrumento que protegerá civis na vida real, qual o leitor escolheria?

É bem verdade que nossa diplomacia tem considerado essa escolha sob intensa pressão do Ministério da Defesa, que considera as bombas importantes para “países de menos recursos”, como “instrumento de disuassão” contra hipotéticos ataques. Resta explicar quais invasores as Forças Armadas pensam dissuadir com bombas antiquadas, e se as usariam em território nacional, minando grandes áreas e certamente matando civis brasileiros.

Mesmo se o governo tivesse razão, pragmaticamente o Brasil não deveria ignorar que a partir de hoje as bombas cluster estão estigmatizadas pela comunidade internacional de tal maneira que a sua exportação e utilização estão impossibilitadas mesmo para países não-signatários, como ocorreu com as minas terrestres. Por que lutar por armas condenadas a apodrecer em armazéns, que não se pode vender ou usar? Por que proteger bombas em vez de vidas?

Continuaremos esperançosos de que o Brasil reconquiste sua condição de líder regional, assine o tratado ainda em 2009 e busque sua pronta ratificação no Congresso, demonstrando que os direitos humanos e a paz internacional são prioridades da nossa política externa. Enquanto isso, daqui dos fiordes, contemplamos enviar para nossas autoridades em Brasília um daqueles cartões postais com uma rena dizendo “wish you were here”.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem