Exército promove oficial acusado de crimes

Lei proíbe promoção de militar denunciado em processo crime "enquanto a sentença final não houver transitado em julgado"

Oficial transportou madeira apreendida pelo Ibama, que foi levada sem autorização do órgão ambiental para uma madeireira no Pará



MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Denunciado em 30 de maio de 2008 pelo Ministério Público Federal sob acusação de crime ambiental e crime contra a ordem econômica, o tenente-coronel do Exército José Alberto Silveira Ribeiro foi promovido em dezembro a coronel "por merecimento" - com status maior que "por antiguidade".

A legislação proíbe promoção de oficial "denunciado em processo crime, enquanto a sentença final não houver transitado em julgado". A patente de coronel é imediatamente inferior à de general.

Ribeiro comanda o 8º Batalhão de Engenharia de Construção, sediado em Santarém. A unidade é responsável por obras - atrasadas - do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na rodovia BR-163, trecho entre Santarém e Rurópolis, municípios do Pará.

Também em maio de 2008, a Procuradoria tornou o militar alvo de ação sob acusação de improbidade administrativa.

O episódio na origem da ação de improbidade é o mesmo gerador da denúncia criminal, que constitui o ato de acusação formal na Justiça: o transporte de madeira apreendida pelo Ibama, armazenada pelo 8º BEC e entregue sem autorização do órgão ambiental para a madeireira Estância Alecrim.

Transportar madeira sem licença fere a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98). Explorar e transportar matéria-prima da União sem autorização contraria a Lei 8.176/91, de crimes contra a ordem econômica.

O Ministério Público Federal considera que o coronel causou "lesão ao erário, ensejando perda patrimonial da União". O Ministério Público Militar apura queixas de punição do coronel a militares que prestaram depoimentos sobre o envio de madeira. Ele nega as acusações.

A Lei 5.821, que trata da promoção de oficiais, é de 1972, no regime militar. A Folha apurou que, antes da promoção, a Inteligência da Força conhecia a denúncia contra o coronel. O comandante do Exército, Enzo Peri, pertence à arma de Engenharia, a mesma do coronel Ribeiro. Ignora-se iniciativa judicial para reverter a promoção.

Maçaranduba

O caso teve início com uma operação da Polícia Federal em abril. Três caminhões dirigidos por funcionários da Estância Alecrim foram flagrados sem autorização para transporte de madeira. Segundo a Procuradoria, "mais de 20 caminhões abarrotados de toras de madeira saíram das dependências do 8º BEC em direção à madeireira". Um militar os acompanhava, com a finalidade de "intervir, caso o comboio fosse abordado por fiscalização policial".

A alegação oficial para o transporte era a necessidade de serrar as toras na madeireira. Porém os promotores sustentam que, "ao contrário do [...] afirmado pelo comandante [Ribeiro], a serraria militar se encontrava em funcionamento". A serraria do batalhão teria sido desmontada logo em seguida à ação da polícia.

O Ministério Público afirma que, se fosse necessário contratar empresa para a serragem, deveria haver licitação, o que não ocorreu. O acordo com a madeireira foi "verbal". Nos autos, o coronel Ribeiro diz que a madeireira nada receberia, apenas lucraria com a melhoria da rodovia BR-163, em cujas obras a madeira deveria ser empregada. O Ministério Público responde que a empresa ficaria com 50% das toras.

Com base nos dados do batalhão, a Procuradoria calculou que 384 m3 deram entrada na madeireira (o equivalente a R$ 39.559,00). Como produziram 101 m3 de madeira beneficiada, o rendimento da serragem ficou em 26%. O aproveitamento médio no Pará é de 42%.

O batalhão informou que toras de árvores cupiúba, mais baratas, foram levadas para a Estância Alecrim. Só que nas duas apreensões do Ibama das quais se originaram a madeira do 8º BEC, não há registro dessa espécie, mas de outras mais caras - como a maçaranduba.

Exército diz que promoção não fere a lei

DA SUCURSAL DO RIO

Em resposta ao pedido da Folha para entrevistar o coronel José Alberto Silveira Ribeiro, o Cecomsex (Centro de Comunicação Social do Exército) informou que ele "foi contactado e não deseja se manifestar". Nos registros da Vara Única da Subseção Judiciária de Santarém, o oficial nega as acusações.

Para o Cecomsex não há ilegalidade na promoção porque, segundo entendimento da Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando do Exército, "o militar somente passa à situação de "sub júdice" depois que a denúncia ou queixa é recebida pelo juiz".

O oficial foi denunciado criminalmente no dia 30 de maio e promovido em 16 de dezembro de 2008. Antes de decidir se recebe a denúncia, instaurando o processo, a Justiça requisitou respostas preliminares dos acusados - além do coronel, três motoristas de caminhão e o dono da madeireira Estância Alecrim, Milton José Schnorr (que não foi achado pelo jornal). Ribeiro respondeu em 27 de julho.

Até hoje não houve decisão sobre o recebimento da denúncia e a consequente instauração de processo, embora o Exército reconheça que o coronel Ribeiro "é apontado como réu no processo".

Para o Cecomsex, a Lei nº 5.821/72 "veda a promoção do militar a partir do momento em que foi denunciado, norma que se dirige a questões penais. Neste contexto [...] não houve o recebimento da denúncia, consequentemente a ação penal ainda não se encontra plenamente instaurada".

O Exército não se pronunciou sobre o mérito das acusações, nem sobre se o comandante da Força sabia da denúncia antes de promover o coronel.

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