Haitianos afirmam que presença militar no país serve a interesses de empresas estrangeiras

Alex Rodrigues Repórter da Agência Brasil

Representantes de movimentos sociais brasileiros e haitianos querem que o Brasil deixe a coordenação da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah) e retire seus militares do país caribenho. Hoje (17), durante audiência pública na Comissão de Relação Exteriores do Senado, os críticos à atuação internacional no Haiti foram duros ao avaliar os cinco anos da missão, aprovada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para Frantz Dupuche, da Plataforma Haitiana em Defesa de um Desenvolvimento Alternativo, as tropas estrangeiras têm servido apenas para defender os interesses da classe política e de empresas que, atraídas pela mão de obra barata, se estabeleceram no país nos últimos anos. “Para nós, a Minustah não chegou a cumprir sua verdadeira missão: garantir a estabilidade local. O que vem ocorrendo é justamente o contrário, ou seja, maior desestabilização.

A cada dia, cresce o número de sequestros e de mulheres violentadas”, afirmou.

O sindicalista Didier Dominique também criticou a missão, que classifica de “ocupação militar estrangeira”. Para ele, as tropas têm dado sustentação a um projeto de exploração da mão de obra local. “A Minustah tem reprimido manifestações de estudantes, de trabalhadores e de agricultores, apoiando as forças mais reacionárias e arcaicas do país. E isso é o que desejam as multinacionais e os governos imperialistas: uma paz de cemitério para um projeto de superexploração”, disse.

Nos últimos dias, manifestantes têm tomado as ruas da capital, Porto Príncipe, exigindo a promulgação de uma lei que eleva o salário mínimo de US$ 2 diários para US$ 5 ao dia. A lei já foi aprovada pelo Congresso haitiano, faltando apenas ser sancionada pelo presidente René Préval.

Mesmo assim, as passeatas têm sido reprimidas por agentes da Polícia Nacional e por militares da Minustah.

“Lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra populares de bairros onde há escolas e hospitais”, afirmou Dupuche. “Todo o povo haitiano tem direito a reclamar por uma vida melhor, e a Minustah tem reprimido essas reivindicações, defendendo a burguesia”, concluiu o haitiano.

Brasileiros que visitaram o Haiti na condição de representantes de movimentos sociais também participaram da audiência, insistindo que o país precisa rediscutir o quanto é apropriado manter militares no país mais pobre das Américas. “O Brasil deveria se retirar imediatamente, pois nossa presença não ajuda em nada o povo haitiano”, disse o secretário-geral do Instituto de Defensores dos Direitos Humanos (IDDH) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aderson Bussinger.

A convite, Bussinger visitou o Haiti em meados de 2007. Além de testemunhar a situação de extrema miséria, ele conversou com várias pessoas que reclamaram da exploração da mão de obra local, do descumprimento de direitos trabalhistas e da repressão militar.

“O que se vê, de fato, é uma ocupação militar que acaba servindo de sustentáculo, de apoio aos interesses de empresários estrangeiros no Haiti. Pelo que testemunhamos, o objetivo não é resolver a pobreza do povo haitiano, mas produzir para o mercado norte-americano com custos mínimos, pagando salários três vezes menores que os já baixíssimos pagos no Brasil”, destacou Bussinger.

Sandra Quintelas, da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), questionou os custos da missão que, segundo ela, é estritamente militar e não está de acordo com a justificativa oficial para sua permanência no país, que é a manutenção da paz. De acordo com Sandra, o Haiti gasta mensalmente US$ 6 milhões a título de pagamento de sua dívida externa, ao passo que só o Brasil investe cerca de R$ 700 milhões anuais para manter seus homens no país. “Não se resolvem problemas políticos, sociais e históricos com militares”, afirmou

Para Antônio Lisboa Leitão de Souza, também da Conlutas, se o Brasil realmente deseja ajudar os haitianos, deveria fazer como Cuba que, em vez de enviar soldados, enviou médicos que atendem à população e ajudam a recompor o sistema de saúde local.

Souza, que esteve no Haiti em abril deste ano, disse que conheceu homens, mulheres, idosos e até mesmo crianças que trabalhavam em condições sub-humanas, ganhando US$ 0,50 por dia. “Além disso, eles ainda não conquistaram o direito à folga remunerada, ganhando apenas pelo dia em que trabalham”. Para Souza, o Brasil deveria dar o exemplo e dizer à ONU que já não é mais tempo de manter tropas militares no Haiti.

Procurado, o Ministério da Defesa disse que somente o ministro Nelson Jobim poderia comentar o assunto, mas ele está fora do país, na Europa. Ontem (16), a chefe da Divisão das Nações Unidas do Ministério das Relações Exteriores, conselheira Gilda Motta Santos Neves, afirmou que o governo brasileiro não tem prazo para deixar o país e tem investido em diversas ações sociais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem