EUA-Brasil: negócios na diplomacia


Sergio Leo

A Boeing, com sua disposição para fornecer caças à Força Aérea Brasileira, foi a estrela; mas outra firma, a Westinghouse, também constou das animadas conversas entre autoridades americanas e brasileiras na semana passada. Brasil e Estados Unidos mantêm antigas divergências, como a inoxidável tarifa americana contra o etanol brasileiro e diferenças nas negociações comerciais na Organização Mundial do Comércio (OMC). A esses temas antigos somou-se agora o acordo militar entre EUA e Colômbia, criticado em Brasília. Mas as relações políticas entre os dois governos vão bem, e Washington até tenta tirar vantagens comerciais disso.

O interesse da Westinghouse em participar do programa nuclear brasileiro, em cooperação tecnológica com o Brasil, foi mencionado até em conversa política com o assessor internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia, por uma das autoridades visitantes, o coordenador de Prevenção contra a Proliferação de Armas de Destruição em Massa e Terrorismo, Gary Samore. "Saudei o fato de que os EUA agora dão maior peso à cooperação no uso nuclear para fins pacíficos", comentou Garcia, após a reunião.

A Westinghouse foi a fornecedora dos equipamentos da usina nuclear de Angra I, recentemente trocados por reatores da estatal Nuclep produzidos com tecnologia da francesa Areva. Angra II já foi construída com reatores alemães, da Siemens, que deu ao Brasil o que os americanos, na época, negaram: transferência de tecnologia. Ironia do mundo globalizado, a Westinghouse é hoje da japonesa Toshiba, que comprou maioria acionária da empresa em 2006. Mantém, porém, empregos e instalações nos EUA e tem sólido financiamento do Eximbank americano.

A cooperação tecnológica entre Estados Unidos e Brasil foi também a novidade no lobby para a venda de jatos para a Força Aérea Brasileira. O general James Jones, assessor da Casa Branca para assuntos de segurança, visitou o Brasil na semana passada com assessores dedicados ao tema.

Por ter sido consultor da Boeing, Jones se considerou impedido de falar do assunto, como avisou ele mesmo. Mas seus acompanhantes falaram e reconheceram: foi um erro, anos atrás, vetar a venda do avião brasileiro Supertucano à Venezuela de Hugo Chávez, com o argumento de que, no avião da Embraer, há tecnologia sensível americana. O governo brasileiro lembrou o caso dos Supertucanos ao ouvir dos americanos que, agora, aceitam conversar sobre transferência incondicional de tecnologia - grande trunfo dos franceses na concorrência para fornecer os caças da FAB.

Na avaliação de integrantes da comitiva de Jones, o erro do governo Bush não foi negar a Chávez tecnologia americana, mas não avaliar as consequências disso para um aliado confiável como o Brasil. Os brasileiros se desmoralizaram como fornecedores bélicos da Venezuela e Chávez usou o pretexto para estreitar laços com os russos, que lhes venderam modernos caças Sukhoi, que têm uso diferente dos Supertucano. Tudo indica que o venezuelano, talvez, negociaria com a Rússia de qualquer maneira. Mas o fato é que o governo Barack Obama agora promete ao Brasil vantagens se optar pelos aviões da Boeing.

A proposta levada aos ministros da Defesa, Nelson Jobim e das Relações Exteriores, Celso Amorim, envolve 29 projetos de cooperação, com 27 empresas, 18 delas em São Paulo, entre elas Embraer, Mectron, Atech, Avibras e o Centro Tecnológico da Aeronáutica. Outras firmas que o programa nacional de Defesa, de Jobim, quer apoiar, também participariam: a Fastport, Focal e Santos Labs, no Rio de Janeiro, a Navtec, Itakar, SCF Informática e Mapal em Minas Gerais e também as gaúchas AEL e GKN do Brasil.

A cooperação envolveria as brasileiras na montagem de partes e sistemas e atualizações do Super Hornet, o caça da Boeing; montagem, manutenção e teste dos motores; desenvolvimento de veículos aéreos não-tripulados e adaptação para uso de biocombustíveis, além da integração de armamento brasileiro, incluindo cooperação no desenvolvimento, integração e testagem. É tentador, mas os americanos podem ter chegado tarde. O incidente com os Supertucanos criou desconfiança de que os Estados Unidos podem voltar atrás caso mude o governo por lá, comenta um ministro brasileiro.

No campo político, porém, é visível o esforço de aproximação dos dois lados. Na comitiva americana foram muitos os elogios ao Brasil, até pela posição "construtiva" no debate sobre uso da energia nuclear. Um dos temas tratados por Jones e sua miríade de altos funcionários em Brasília foi a expectativa do governo Obama de que Lula possa ser intermediário no esforço para que o Irã sujeite seu programa nuclear à fiscalização internacional. Uma boa oportunidade para isso será, acreditam os americanos, a iminente visita do polêmico presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

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