O conflito assimétrico e o confronto entre nações

Monitor Mercantil

Os atos insanos perpetrados, simultaneamente, por terroristas talibãs, do grupo Al-Qaeda, em 11 de setembro de 2001, nas cidades de Washington e Nova York, fez surgir entre os estrategistas militares, um novo conceito de conflito para o século XXI: o "Conflito Assimétrico". Segundo esta nova concepção, os Estados, por mais poderosos que sejam, são vulneráveis a atos terroristas organizados globalmente por entidades não estatais difíceis de serem identificadas e localizadas.

Nenhum manual militar, no mundo ocidental, é capaz de indicar como combater o "conflito assimétrico global". Atualmente, os planejadores militares norte-americanos estão diante deste enorme problema. Ou seja, como dar uma pronta-resposta adequada a uma força terrorista que não somente está no Afeganistão, mas disseminada por vários países, como é o caso do Al-Qaeda e localizar e punir os líderes e seguidores de facções terroristas.

A assimetria do conflito não conseguiu negociar com o regime talibã para que entregasse Osama Bin Laden e seus auxiliares. A tribo religiosa talibã evadiu-se sem entregar os chefes do Al-Qaeda. Não foi como ocorreu na Sérvia, aonde os bombardeios de Belgrado destruíram a zona industrial e urbana, provocando o colapso da economia, ameaçando a viabilidade do Estado-Nação sérvio criando as condições inteiramente favoráveis à queda e entrega de Slobodan Milosevic.

Os EUA possuem, indubitavelmente, uma força militar que nenhum Estado adversário se atreveria a enfrentar. Porém, na atualidade, o inimigo não é estatal e completamente visível. Nem mesmo o colapso do regime talibã ou a morte de Bin Laden garantem que o conflito assimétrico seja descontinuado já que o nebuloso grupo Al-Qaeda e outras organizações terroristas islâmicas estão, no momento, adormecidos no seio de muitas sociedades democráticas ocidentais e podem, a qualquer momento, ativarem-se para cometer atos insanos de terror utilizando-se de serviços e tecnologias locais.

O coordenador do Departamento Contra o Terrorismo dos Estados Unidos considera que o Al-Qaeda, na atualidade, opera em mais de 50 países.

Enquanto existir falta de democracia, ressentimento nacional, fanatismo religioso, explosão demográfica e extremada pobreza, qualquer potência ocidental será vulnerável porque suas sociedades democráticas e globalizadas podem ser infiltradas por grupos terroristas que, segundo especialistas da ONU, podem chegar a usar armas químicas e bacteriológicas. Frente a esta nova modalidade de conflito não existem as categorias de megapotência ou superpotência, que somente são válidas para o caso de conflitos armados entre Estados.

Uma das consequências mais interessantes deste "conflito assimétrico" é a mudança dos tradicionais enfoques geopolíticos e geoestratégicos. A Rússia tem se aproximado da Otan disposta a ajudar os EUA. Recentemente, o presidente russo, Dmitri Medvedev, declarou que a batalha contra o terrorismo islâmico é também de seu país, legitimando, assim, sua dura ação na Chechênia e conseguindo, ainda, que os EUA e a Alemanha solicitem que os rebeldes chechenos deponham suas armas. Ademais, começou a insinuar algo antes impensável, ou seja, que a Rússia poderia ser admitida como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Com isto, verifica-se que desde o ataque japonês a Pearl Harbor, os Estados Unidos e a Rússia nunca haviam se aproximado tanto em face de um inimigo comum.

Uma das maiores transformações geopolíticas está ocorrendo na Ásia Central. O Paquistão que claramente apoiava os talibãs, inclinou-se para os EUA, distanciando-se, assim, dos guerrilheiros islâmicos que o ajudavam, na Cachemira, contra a India. Os EUA, apesar do perigo de uma guerra nuclear entre a India e o Paquistão, suspendeu as sanções contra ambos. O Irã, um Estado considerado como terrorista pelos estadunidenses, criticam - veementemente - os ataques terroristas a Nova York e Washington. As ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central: Cazaquistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, que encontravam-se na zona de influência da Rússia, apóiam, agora, os Estados Unidos. E mais, o Tadjiquistão permitiu que os norte-americanos instalassem uma base militar com tropas especiais em seu território. Antes, por temor à Rússia, isto seria impossível.

A China, tão ciosa de sua influência na Ásia Central, devido aos transtornos advindos de separatistas islâmicos em Sinkiang, aceitou, pela primeira vez na história, a presença militar dos Estados Unidos nessa região. A Ásia Central que não era uma zona de preocupação, desde a época de Gengis Khan, foi convertida  em epicentro de uma série de jogos diplomáticos que, fatalmente, terá incríveis consequências estratégicas no futuro.

Outro notável ponto a destacar deste conflito é a nova atitude dos EUA com relação à ONU. A organização voltou a ser importante para o país hegemônico, já que pode servir de instrumento para fomentar uma duradoura coalizão antiterrorista. Consequentemente, a superpotência passou a pagar as suas dívidas com a Organização e tem dado total apoio ao Conselho de Segurança e à Assembléia Geral para que os mesmos se ocupem do terrorismo internacional.

Faz-se mister ressaltar que o conflito assimétrico está mudando a estratégia financeira dos países mais ricos do mundo (G-8). Começou-se a combater os antes intocáveis paraísos fiscais e bancários globais que nada mais eram do que "lavadoras" de dinheiro duvidoso. O sigilo bancário e os principais postos financeiros do mundo começaram a ser questionados. Entabulam-se medidas para estabelecer uma coalizão financeira global para reprimir contas bancárias suspeitas e criar uma eficaz legislação internacional para congelá-las, se for o caso.

Hoje, a mesma idéia de globalização que implica em mover pessoas, bens e serviços, em escala planetária, da maneira mais livre possível, sofre as consequências do "conflito assimétrico". A mobilidade irrestrita dos fundos financeiros globais começa a ser afetada. Também os controles das fronteiras nacionais, portos e aeroportos, afetam a circulação de pessoas, mercadorias e serviços, dado o rigor que os Estados passaram a exercer no exercício dessas atividades.

Para conseguir êxito no conflito assimétrico não basta a exibição do músculo militar. Necessita-se de enfoques políticos e diplomáticos sofisticados porque o inimigo invisível tem como munição inesgotável um ódio irracional alimentado por interpretações teológicas apocalípticas, que são consequência da falta de diálogo, de democracia, de compreensão e da abundante pobreza.

Por tudo isso, o êxito contra o terrorismo global dependerá, fundamentalmente, de três ações simultâneas por parte da megapotência (Estados Unidos), e das superpotências do mundo ocidental: em primeiro lugar, que se castigue os que cometem terrorismo qualquer que sejam seus motivos, crenças e objetivos. Segundo, que esta luta não afete o avanço da democracia no mundo, a defesa dos direitos humanos e a globalização da Justiça. Terceiro, que se realize - com a urgência que o assunto requer -, um esforço concentrado da Organização das Nações Unidas para terminar com mais de meio século do confronto no Oriente Médio, através da criação do Estado Palestino e, desta forma, consiga-se desmantelar o principal indutor da violência, frustração e fanatismo que estão alimentando este novo tipo de conflito, no alvorecer deste século XXI.

Manuel Cambeses Júnior
Coronel-aviador; membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vicediretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.

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