Comentário: Um final para o Afeganistão

David Miliband* - Herald Tribune

Os eventos de época que aconteceram no Oriente Médio este ano redefiniram a política internacional. Há novas prioridades e desafios que precisam de um intenso engajamento do Ocidente. Mas é imperativo que a guerra no Afeganistão não se torne uma “guerra esquecida”, como aconteceu, com perigosas consequências, depois de 2002.

Há sinais de uma mudança significativa de estratégia. A secretária de Estado Hillary Clinton falou em fevereiro sobre uma “onda política”. O representante civil sênior da Otan, Mark Sedwill, disse no mês passado que “chegou a hora de assumir o risco de seguir a agenda política com a mesma energia usada na onda militar e civil.”

Esses desvios do foco incansável nas operações militares, aliadas e afegãs, precisam ser levados a um novo nível de urgência, coerência e esforço.

A data final de 2014 estabelecida pela Otan se mostrará ilusória a menos que a guerra chegue ao fim. E esse fim precisa ser feito de negociações, envolvendo as potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos, e todas as facções da luta afegã e seus apoiadores na região.

O problema não é simplesmente que o braço político da tríade Defesa-Desenvolvimento-Diplomacia está perdido na ação. Um acordo político não faz parte de uma estratégia múltipla da contra-insurgência; é uma estrutura abrangente dentro da qual tudo se encaixa e para a qual tudo opera.

Primeiro e mais importante, o Conselho de Segurança da ONU precisa nomear e dar poder um mediador da ONU para facilitar o diálogo, com uma ordem clara de estabelecer os princípios do fim da guerra e com um convite aberto para que todos participem.

O mediador deve vir do mundo árabe. Sua tarefa será colher as visões de todas as partes e gerar a confiança e o compromisso com um processo de negociações sérias sobre o futuro do Afeganistão. Para começar ele deveria desenvolver a ideia de um lugar seguro num terceiro país – um Estado do Golfo Arábico, Turquia ou Japão – para todos os lados conversarem.

Precisamos de etapas para que ambos os lados possam provar sua honestidade. O Talebã quer o fim dos ataques noturnos, passagem segura para ir e voltar das negociações e a libertação de prisioneiros. Nós precisamos propor cessar-fogos localizados, segurança para os projetos de desenvolvimento nos moldes das campanhas para a vacinação contra a pólio que o Talebã apoiou no passado, uma declaração do Talebã de que está se desassociando da Al Qaeda.

Em terceiro lugar, é preciso haver clareza por parte do comando civil da presença internacional no Afeganistão, para combinar com a clareza do comando militar. Quando os EUA nomearem um novo embaixador este ano, esta nomeação precisará de personalidade, instrução e duração de mandato para reunir as diferentes variedades de esforço civil entre agora e 2014.

O nomeado deverá ser o principal interlocutor do presidente Hamid Karzai, trabalhando de perto com ele numa estratégia para o fim, ligando-se fortemente com o Comandante da Força Internacional de Assistência à Segurança (ISAF) para garantir que a estratégia militar esteja por trás disso, e criando uma estrutura dentro da qual a força política da ONU, e as forças em desenvolvimento das nações que contribuem, possam todas dar frutos.

Em quarto lugar, o Paquistão precisa de uma relação de longo prazo com os Estados Unidos e a União Europeia baseada na responsabilidade e no respeito. Ele não pode ter privilégios, mas apenas a pressão não fará com que isso aconteça. O Paquistão precisa de um acordo franco para apoiarmos sua segurança a longo prazo em troca de sua ajuda em proteger a nossa; a alternativa é acabarmos negociando com o Talebã e o Paquistão num final postergado.

Em quinto lugar, precisa haver um processo para fazer com que todos os vizinhos conversem de uma forma séria e estruturada. O novo enviado da ONU deveria ser responsável pelo engajamento regional bem como pelas negociações internas. Na primeira instância, essas devem ser bilaterais. O objetivo a médio prazo deveria ser a criação de um Conselho de Estabilidade Regional que supervisione um pacto entre os vizinhos e o Afeganistão.

Nosso poder diminuirá, em vez de aumentar, à medida que 2014 se aproxima. A insurgência pode se espalhar, ultrapassando a capacidade das forças internacionais e afegãs de checarem seu crescimento. Os comandantes de guerra podem aumentar seu domínio. As disputas interétnicas podem ficar mais e mais parecidas com uma guerra civil.

Duas conferências internacionais – em Cabul e no verão em Bonn em dezembro – atualmente têm pouca agenda ou preparação. O acordo sobre uma nova abordagem política as tornará ocasiões históricas.

A teoria e a prática da contra-insurgência leva todos a entoarem o clichê de que não há solução militar; mas este é um clichê porque é verdade, então chegou a hora de pararmos de nos comportar como se houvesse uma solução militar e desenvolvermos uma solução política.

Para isso os políticos precisam liderar. Há um caminho adiante no Afeganistão – trabalhar para consertar e não apenas para acabar.

*David Miliband é membro do Parlamento da Inglaterra e ex-secretário estrangeiro (2007-2010). 

 
Tradução: Eloise de Vylder

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