Justiça proíbe que taifeiro vire empregado de general

Forças Armadas terão 90 dias para devolver aos quartéis os militares que fazem atividades domésticas em casas de superiores. Cerca de 600 subalternos são submetidos a esse tipo de serviço. Ministério da Defesa estuda regras para mantê-los onde estão

Alana Rizzo - Correio Braziliense

 
A Justiça Federal determinou um prazo de 90 dias para que as Forças Armadas suspendam o trabalho dos taifeiros em casas de superiores. Segundo estimativa do Ministério Público, mais de 600 militares que deveriam estar trabalhando em atividades de serviços gerais em quartéis são desviados para a realização de atividades domésticas na residência de militares de alta patente. A decisão liminar foi tomada pela juíza Simone Barbisan Fonte, da 3ª Vara Federal de Santa Maria (RS).

 
De acordo com a magistrada, a finalidade constitucional do Exército, da Marinha e da Aeronáutica é a defesa da pátria e a garantia da lei e da ordem, não a prestação de atividades particulares.

 
“A fim de possibilitar que certas autoridades militares sejam servidas em sua residência (note-se que a benesse é individualizada em favor de pessoas ocupantes de cargos definidos), retiram-se taifeiros da organização militar, local em que realmente estariam prestando serviço à coletividade”, destaca o despacho da juíza.

 
Os taifeiros prestam seleção pública para exercer atividades como a organização de ranchos militares, a preparação de alimentos e o controle da despensa dos quartéis. De acordo com o Ministério Público, o desvio de função custa em torno de R$ 1 milhão mensais aos cofres públicos.

 
Simone Barbisan destaca ainda que as Forças Armadas não devem ser empregadas para fins circunstanciais ou políticos. Para a magistrada, existe uma discrepância entre a missão dos militares com as atividades particulares relatadas na ação proposta em 2008 pelo Ministério Público Militar e pela Procuradoria da República do Rio Grande do Sul.

 
Além de exercer uma atividade para qual não se candidataram, os taifeiros reclamam há pelo menos três anos do tratamento recebido na casa dos superiores. “Quando fiz o curso, imaginei que iria trabalhar nas organizações militares e sempre à serviço da pátria. Só que logo me mandaram para a casa de um general. Passei mais de 10 anos servindo mulher de general. Elas acham que a gente é escravo. Fiz faxina, lavei calcinha, cueca, engomei camisa…”, contou ontem ao Correio um taifeiro que preferiu não se identificar.

 
Aos 55 anos, o taifeiro passou pela casa de mais de 12 generais e chegou a ser preso depois de enfrentar a esposa de um superior que queria controlar suas atividades. “Fico com pena dos colegas que precisam passar por tudo isso que passei. Não tem folga nem fim de semana. Passei vários natais na casa de general recebendo visitas.”

 
Relatos como esse foram incluídos na ação encaminhada à Justiça. Segundo o promotor militar Jorge César de Assis, várias irregularidades foram constatadas no trabalho dos taifeiros. “Ao contrário de outros militares, eles precisam se submeter a exames médicos periódicos e sofrem vários tipos de humilhação.” Na ação, o Ministério Público afirma que essa situação afronta a Lei de Improbidade Administrativa. “Esses militares são pagos com dinheiro público para cumprir tarefas particulares”, afirma o promotor, destacando que o processo está apenas começando. “A decisão favorável mostra que os nossos argumentos foram bons e suficientes para convencer o juiz”, destaca.

 
Multas
 

O ato da juíza suspende portarias internas que regulavam o trabalho e estabelece multa caso a União não comprove as providências adotadas — o valor ainda não foi estipulado. Em relação à Marinha, a magistrada ressalta que não há norma interna autorizando o uso dos taifeiros, embora a prática exista.
 
A União tentou extinguir a ação alegando que o Ministério Público Militar não poderia propor ação coletiva. Em seguida, argumentou que uma decisão de abrangência nacional só poderia ser tomada por um juiz no Distrito Federal. Os dois argumentos foram vencidos no despacho da juíza.

 
O Ministério da Defesa informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não foi notificado da decisão em questão. “No entanto, a par da medida judicial, o assunto já se encontra em análise no âmbito da pasta. O MD pretende, em breve, disciplinar a matéria administrativamente com o objetivo de fixar critérios para o emprego de taifeiros em imóveis residenciais sujeitos à administração militar,” diz a nota. Já a Advocacia-Geral da União (AGU), responsável pela defesa das Forças Armadas, afirmou que vai recorrer ao Tribunal Regional Federal.

Denúncias em Brasília


O Correio Braziliense denunciou em 2008 situações de constrangimento, humilhações e abusos que teriam sido vividas por militares em casas de generais das Forças Armadas onde prestavam serviço. 


Embora sejam cozinheiros e copeiros, eles desempenhavam ações de conservação doméstica, como a limpeza do chão e dos vaso sanitário, e a ida a supermercados para compras.
 
O grupo relatou ao jornal e a um procurador militar as situações a que foi submetido. Todos trabalhavam nos blocos G e H da 102 Norte, uma quadra nobre de Brasília onde estão concentrados os apartamentos funcionais dos generais. Os militares mostraram fotografias em que apareciam fazendo tarefas domésticas e ressaltaram que sofriam constantes ameaças de punições.

 
Outro problema destacado foi o atraso nas promoções. À época, o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou que os taifeiros tinham os encargos previstos na legislação e nas instruções gerais para organização, habilitação e promoção dessa qualificação militar. Informaram ainda que as atividades estavam previstas nas normas e que estavam concentradas em tarefas inerentes à cozinha.

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