Militares de RR ajudam na reconstrução do Haiti

ANDREZZA TRAJANO - FOLHA DE BOA VISTA
 
Mais de um ano e meio após o terremoto que devastou o país mais pobre das Américas e deixou milhares de mortos, o povo haitiano tenta retomar a dura rotina marcada pela extrema pobreza, conflito político e tragédias naturais. Desde 2004, o Brasil comanda a Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah). Junto com ele, tropas do Uruguai, Argentina, Jordânia, Nepal, Japão, Sri Lanka, Chile e Equador desenvolvem ações na região para a construção de um ambiente seguro.

 
Pela segunda vez, a Folha visitou o país. E agora pôde acompanhar de perto não somente a participação dos militares brasileiros como em especial a dos roraimenses, que compõem o 15º contingente, responsável neste semestre pela missão. A partir de hoje, você confere uma série de reportagens sobre os registros feitos pela equipe de reportagem.

 
A Folha viajou na terça-feira passada, 17, a bordo de um Boeing KC 137, prefixo 2401, da Força Aérea Brasileira (FAB), que partiu da Base Aérea de Boa Vista. A aeronave levava 115 soldados, os últimos a integrarem a tropa, encerrando a troca de contingente iniciada em julho. Apenas um deles servia em Roraima, o restante era de São Paulo. No avião, a expectativa dos militares era visível. O único representante do Estado, o soldado Ismael Gomes Rodrigues, que serve no 7º Batalhão de Infantaria de Selva, disse que estava ansioso para contribuir com o seu conhecimento.

 
“Quero poder ajudar, trocar experiência com o povo haitiano e conhecer seus costumes”, disse ao lembrar que deixou em Roraima a família e seu bebê de 1,7 mês de vida em casa, em nome da solidariedade. Quando a aeronave se aproximou do Haiti e as tonalidades em azul e verde do mar do Caribe ficaram mais intensas, era visível a curiosidade dos militares, que tentavam registrar do alto tudo de sua moradia nos próximos seis meses pelas janelas do Boeing, com máquinas fotográficas e filmadoras. A região montanhosa e com pequenos vilarejos no “meio do nada” davam o tom do difícil trabalho que estava por vir.

 
A vibração ficou ainda mais visível quando um integrante da tripulação usou o megafone para passar uma mensagem de apoio, que iniciou chamando-os de “valorosos militares” e destacou a importância do trabalho deles para os haitianos. De repente, alguém soltou um “selva” e a tropa ficou ainda mais animada.

 
Ao sobrevoar a capital, Porto Príncipe, é possível perceber que os estragos provocados pelo terremoto de magnitude 7 na escala Richter ainda estão por todo canto. Vários prédios foram destruídos.

 
Já em solo, após desembarque no aeroporto Toussaint Louverture, é hora de colocar em prática as atividades exercitadas durante a preparação da tropa da Amazônia, realizada em Boa Vista, no começo do ano. É o momento de representar com honra as Forças Armadas do Brasil e fazer valer o status de solidário do brasileiro.

 
Mais de 300 militares roraimenses compõem o 15º contingente 


O efetivo brasileiro é dividido em três batalhões: o Batalhão Brasileiro 1 (Brabatt1), composto pelo Comando Militar da Amazônia, com 1.137 homens (incluindo 31 militares do Paraguai, um do Peru, 291 fuzileiros navais, além de uma tropa da FAB); o Batalhão Brasileiro 2 (Brabatt 2), composto pelo Comando Militar do Sudeste, com 850 soldados; e o Batalhão de Engenharia (Braengcoy), com 250 militares. Do total, 308 militares são de Roraima.
 
Os três batalhões brasileiros ficam localizados no campo Charlie, no bairro Tabarre, em Porto Príncipe. O Brabatt 1 concentra suas atividades ao norte, onde há os maiores registros de violência; o Brabatt 2, ao sul; e na região central os fuzileiros da Marinha desenvolvem suas atividades.

 
A base do Brabatt 1, chamada de General Bacellar, onde ficou hospedada a equipe de reportagem, é responsável pela manutenção da paz nos bairros Cité Soleil, Cité Militaire, Delmas e Tabarre.

O subcomandante do Brabatt 1, coronel Aloisio Lamim, explica que os militares fazem patrulhas a pé, motorizada e desenvolvem ações cívico-sociais. São responsáveis pela segurança da área, mantendo um ambiente seguro e estável.

 
“Nosso trabalho é humanitário, dentro do contrato que temos com a ONU, que é proporcionar condições para que o país chegue ao seu estágio de direito e possa promover desenvolvimento econômico e social”, disse.

 
Para os próximos seis meses, a ideia é mudar o nível de prontidão para uma situação mais tranquila, ou seja, tornar a presença “mais brasileira”, onde os militares possam percorrer ruas e bairros sem precisar utilizar tantos equipamentos de segurança, como, por exemplo, diminuir o uso dos veículos blindados, chamados de Urutu.

 
“Queremos poder andar de forma tranquila em certos lugares ainda conturbados, tranquilizando a população. Temos uma boa relação com os haitianos”, destacou.

 
Folha acompanha trabalho de patrulha


Para entender melhor a atividade desenvolvida pela tropa brasileira da Minustah, a equipe de reportagem da Folha acompanhou à noite uma patrulha feita a pé pelas ruas do bairro Cité Soleil e em Port Warf, pela 2ª Companhia de Fuzileiros de Força de Paz. Nesta unidade, dos 147 militares, 120 são de Roraima.

 
A companhia, subordinada ao Brabatt 1, é comandada pelo major Reginaldo Santos. Antes da atividade, ele fez um resumo sobre a área de atuação, todos os caminhos que seriam visitados e o que fazer em casos de imprevisto.

 
Foram percorridas a avenida principal, chamada de Soleil, e as secundárias Soleil 6, 8 e 10. Todos estavam de capacete e colete à prova de balas. Cada canto do bairro foi vasculhado. Os militares portavam fuzis e se comunicavam por linguagem de sinais.

 
O Cité Soleil já foi muito violento e era ponto de disputa entre gangues rivais. Com a chegada da Minustah, foi pacificado. Hoje, apenas as marcas de projéteis, cravadas nas paredes dos prédios e em uma grande caixa d’água, lembram os tempos de conflitos.

 
A unidade é a única que fica Cité Soleil. “Aqui temos uma área mais sensível. Estamos em contato direito com a população, facilitando uma possível intervenção em caso necessário. Fazemos patrulhamento, serviço interno para manutenção e segurança da base e algumas ações sociais”, esclareceu o major Reginaldo Santos.

 
A Folha também percorreu em um veículo do Brabatt 1 as avenidas 15 de Outubro, Toussaint Louverture e viu de perto o monumento “das Três Mãozinhas” (3 Mains), considerado símbolo do país.

 
Na avenida New Boulevard, registrou o IDP Jean Marie Vincent (campo com tendas de lona, onde vive parte dos desabrigados do terremoto). Na rota Nationale 1, ficam os escombros do prédio azul, onde morreram dez militares brasileiros da Minustah, além de vários outros prédios danificados.

 
A equipe ainda passou em frente à Praça do Olho, pela rua Soleil 9, em Port Warf, no Boulevart la Saline, onde fica a feira popular chamada de “cozinha do inferno”, e o Palácio Nacional, ainda bastante destruído pelo tremor.

 
O que chama mais atenção é a quantidade de pessoas nas ruas pedindo comida e de lixo e escombros. A limpeza das vias é de competência da tropa do Japão, que diariamente retira os entulhos e trabalha na limpeza dos locais. Mas, ao amanhecer o dia, novos resíduos já foram colocados nas ruas pelos haitianos. O mau cheiro é outro indicativo do quanto à vida daquele povo é sofrida. Não é difícil encontrar crianças nuas nas ruas, pessoas fazendo suas necessidades fisiológicas também ali, bem na frente das outras, além de registrar alguns haitianos “tomando banhos” em valas abertas na cidade, por onde também passa o esgoto.

Militares falam com a família pela internet


Saudade tem um significado tão forte, que é até difícil explicar. Só quem realmente sentiu a dor de estar longe de alguém querido é que consegue compreender a intensidade de sentimentos em torno desta palavra. Quem entende bem essa questão são os militares brasileiros que integram a Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah). Na prática, são seis meses longe da família, do país, dos costumes locais.

 
Para “matar” a saudade, militares e seus familiares usam a rede mundial de computadores. É pela internet, com o uso de ferramentas como MSN e Skype, que eles tentam diminuir as distâncias. 


Redes sociais como Orkut e Facebook, que disponibilizam vídeos e fotografias, também ajudam a lembrar daqueles que são especiais em suas vidas.
 
Quem tem notebook pode entrar na rede por meio de wirelles (internet sem fio), disponível nas unidades militares. Quem não tem pode acessar a internet por meio de cybers, instalados nos batalhões.

 
No 1º Batalhão de Infantaria de Força de Paz (Brabatt 1), onde a equipe de reportagem da Folha ficou hospedada, há dois cybers que oferecem internet gratuita para os militares. Um pertence ao Esquadrão de Cavalaria e o outro à 3ª Cia de Fuzileiros de Força de Paz.

 
Os militares ainda podem usar o telefone. O Exército Brasileiro oferece uma rede chamada fonia social, onde eles podem telefonar para seus familiares no Brasil sem nenhum custo. A única restrição é falar no máximo 10 minutos, para que outros tenham a mesma oportunidade.

 
E quem quer viajar ao Brasil ou para qualquer outro lugar do mundo dispõe de uma folga de uma semana a cada um mês e quinze dias de trabalho, chamada de “leave”. Todos os custos, porém, ficam por conta dos militares. Mas nem todos viajam. Muitos preferem ficar os seis meses da missão no Haiti, para juntar um bom dinheirinho quando voltar para casa.

 
A reportagem conversou com militares da 2ª Companhia de Fuzileiros de Força de Paz, que fica no bairro Cité Soleil, onde há mais militares de Roraima. Nesta unidade, dos 147 militares, 120 são daqui.

 
O cabo Dinailson Mota da Silva, 23, serve no 7º Batalhão de Infantaria de Selva (7º BIS). Há mais de um mês integrando a Minustah, ele não esconde a saudade de seus entes queridos. “A saudade de casa é grande, só que dá para minimizar com o uso da internet e o telefone. Sempre que posso entro em contato”, conta.

 
O sargento Paulo Malveira, 25, que também serve no 7º BIS, deixou a mulher e uma filha de 3 anos no Brasil, em nome da solidariedade. Quando a saudade aperta, igualmente recorre às ferramentas virtuais para tentar amenizar a nostalgia.

 
“Apesar da saudade, nos sentimos importantes em ajudar o povo haitiano na manutenção do ambiente seguro e estável e na recuperação de seu país”, destacou.

 
O tenente Nilton Ferreira Lima Filho, que igualmente serve no 7º BIS, deixou pais, irmãos e amigos em Roraima, para fazer parte da Minustah. “Acima de tudo é um orgulho muito grande representar o nosso país e honrar a confiança que os nossos familiares depositaram na gente. Por outro lado, é uma responsabilidade muito grande que temos em manter e elevar no maior nível possível o nome do nosso país. É uma experiência muito grande”, disse.

 
Dois dias após a entrevista, o tenente teve direito ao “leave” e embarcou para Punta Cana, na República Dominicana, para descansar. Além do país vizinho e do Brasil, os militares que estão em missão no Haiti também costumam viajar para Miami (EUA), em suas folgas.
 

Militares enviam cartas para seus familiares
 
A pedido da Folha, militares roraimenses da 2ª Companhia de Fuzileiros de Força de Paz enviaram cartas para seus familiares. A emoção de escrever para quem se ama foi grande, mas de quem recebeu foi maior ainda. As correspondências foram entregues ontem, no prédio do jornal.

 
A acadêmica Andréia Ferreira, 30, é mulher do soldado João José Santana há um ano. Há um mês longe do marido, diz que a saudade é grande. Para tentar diminuir um pouco a dor causada pela ausência dele, conta que se entregou aos estudos e ao trabalho.

 
“Estou tentando seguir a rotina como ele disse para eu fazer, mas tenho crises de saudade. Sofro muito, não vejo a hora de ele chegar”, disse.

 
Na carta, o cabo declara para ela e para a mãe o seu amor. “Estou com saudades de vocês duas, que são minhas duas inspirações. Quero dizer que estou bem, logo estarei de volta, fiquem tranqüilas que tudo vai dar certo”.

 
Há seis meses, a estudante Pollyana Cruz de Araújo, 19, conheceu o cabo Jorge Sousa, por quem se apaixonou. Ela afirma que o relacionamento é tão intenso, que logo deve chegar ao altar.

 
“Antes de embarcar, ele me deu uma aliança. Está sendo muito difícil sem ele. Vou esperá-lo. Quero que ele volte logo para realizarmos os nossos planos”, relatou, às lágrimas.

 
O cabo Junildo Pereira revelou todo o seu amor à sua mãe, Ana Glória Farias, e à mulher, Cleudimar Santos, grávida da primeira filha do casal, que se chamará Maria Antônia.

 
“Quero dizer que te amo muito minha mãe querida e você minha gloriosa esposa. Quero agradecer a Deus por ter vocês duas na minha vida. O que estou sentindo agora é só felicidade e que tudo dê certo no nascimento da nossa Maria Antônia”, diz trecho da carta.

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