Militares dizem que foram vítimas de golpe

ANDREZZA TRAJANO – Folha de Boa Vista 

Militares da Aeronáutica que servem na Base Aérea de Boa Vista afirmam que foram vítimas do golpe da pirâmide financeira, supostamente aplicado por funcionários da Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda e de diversos bancos. A empresa possui sede em Minas Gerais, mas conta com filiais em 50 cidades de 23 estados, incluindo Boa Vista.

No último dia 31, a Polícia Federal deflagrou a operação Gizé em Lagoa Santa e Belo Horizonte (MG) e prendeu o presidente da Filadélphia, Carlos Henrique Vieira, e outras seis pessoas, sob a suspeita de crimes financeiros contra a administração pública, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Além dos detidos, segundo a imprensa mineira, houve o sequestro de 20 imóveis e a apreensão de 40 veículos. A suspeita inicial é que o esquema tenha causado prejuízo de R$ 10 milhões, mas, diante do tamanho da empresa, a cifra pode ser maior.

Os militares roraimenses ouvidos pela Folha afirmam que o golpe aplicado lá “respingou aqui”. 

Dizem que o esquema era o mesmo, chamado de “mútuo”. A matriz e suas filiais intermediavam empréstimos com bancos mineiros. Em seguida, os clientes assinavam um contrato com a Filadélphia, em que o valor do empréstimo era investido na empresa em forma de cota, com rendimento de juros de 3,5% ao mês.

Ou seja, o banco descontava a parcela mensal do empréstimo no contra-cheque do cliente e a Filadélphia depositava na conta do cliente os rendimentos do mês. O valor da parcela do investimento abatia a parcela do empréstimo e o que sobrava era lucro.

No entanto, há três meses a financeira deixou de depositar o valor do rendimento, mas o banco continuou descontando a parcela do empréstimo. A maioria dos clientes atingiu a margem do empréstimo, chegando a comprometer até 70% de seu salário, segundo os denunciantes. A remuneração acima do valor pago no mercado atraía interessados.

Em MG, dois diretores da empresa são sargentos da reserva da Aeronáutica e serviam de apoio para captar novos investidores em todo o país. Aqui, a Filadélphia é comandada pelo sargento Washington Silva, lotado na Base Aérea de Boa Vista, que tem o cargo de superintendente da empresa.

As supostas vítimas do esquema estão registrando boletins de ocorrência no 1º Distrito Policial.

Ontem a advogada Dolane Patrícia esteve na Folha acompanhada de dois militares da Aeronáutica que fizeram “investimentos” na empresa e relataram o drama que estão vivendo. Ela disse que tem pelo menos outros 20 clientes na mesma situação.

Os militares concederam entrevista, mas pediram para não serem identificados. Os dois fizeram empréstimos em setembro passado no banco Intermedium, por meio da Filadélphia. Um deles pegou R$ 40 mil no banco e o outro R$ 65 mil. Eles aplicaram todo o dinheiro na empresa e por três meses receberam os rendimentos.

O militar que pegou R$ 40 mil emprestados explicou que mensalmente o banco desconta de seu salário R$ 1.150,00 e a Filadélphia depositava na conta dele R$ 1.600,00. Com isso, ele lucrava R$ 450,00.

A promessa era de que, ao final de cinco anos, ele teria quitado o empréstimo, recebido rendimentos dos juros e ainda receberia de volta os R$ 40 mil investidos na empresa. Algo surreal em transações comerciais.

“Para mim, como estava recebendo os juros, tudo funcionava, estava seguro. Mas, em dezembro e janeiro, somente a parcela do empréstimo foi descontada. Estive na Filadélphia daqui de Boa Vista e me disseram que a empresa estava em crise e que eu deveria fazer um novo contrato. Só que, para isso, eu teria que desembolsar R$ 5 mil, que seriam somados aos R$ 40 mil que investi e, no total, eu teria mais rendimentos. Não fiz isso, já que empresa não estava conseguindo nem pagar o que me devia antes”, contou, acrescentando que sua mulher é quem está pagando as despesas da casa.

O outro militar, que pegou emprestado R$ 65 mil, disse que é descontado do seu salário R$ 1.871,00 e eram depositados R$ 2.660,00 de rendimento, o que lhe gerava um lucro de R$ 790,00. Mas, igualmente, desde dezembro não recebeu mais nenhuma parcela do dinheiro prometido.

Ele, que ganha pouco mais de R$ 3 mil, está com as contas atrasadas, uma vez que a parcela do empréstimo leva grande fatia de seu salário. “Estou passando necessidade e com as contas atrasadas”, disse.

Ambos contaram que assinaram um contrato em branco na Filadélphia, “porque acreditaram no colega de farda Washington Silva”. Também afirmaram que têm solicitado cópia do contrato ao banco Intermedium e a financeira, mas que não são atendidos. Enquanto isso, “Silva anda em dois carros novos e comprou um imóvel”.

Um dos militares disse que logo que o repasse do investimento começou a atrasar, ele ligou para a matriz da empresa e chegou a falar com o presidente, Carlos Henrique Vieira, que agora está preso por causa da operação Gizé.

“Ele me propôs várias formas de pagamento e, como não aceitei, disse que eu entrasse na Justiça, o que seria até melhor para ele, pois teria de 4 a 5 anos para me pagar”, relatou.

Eles disseram que têm procurado Washignton Silva, mas que ele não resolve o problema. Não comparece às reuniões que agenda para discutir o assunto, deixando os clientes abandonados. A única satisfação foi dada por meio de mensagem de celular, apresentada à Folha.

“Pessoal. Mútuo agora só na Justiça. A Filadélphia está sob investigação da Polícia Federal. 

Presidente está preso. Diretores, superintendentes, eu inclusive, todos iremos responder também. Contas bloqueadas e computadores confiscados, ou seja, justiça. Vou mantê-los informados. Sinto muito”, diz o texto.

Assim que tomou conhecimento do caso, a advogada Dolane Patrícia disse que esteve nos Ministérios Públicos Federal e Estadual e também na Polícia Federal, mas não havia qualquer registro sobre o caso.

Contou que procuradores dos órgãos ministeriais se comprometeram em abrir procedimentos para investigar os fatos, mas na PF foi informada de que ela teria que formalizar uma denúncia por escrito para que os policiais pudessem iniciar investigação.

“Aqui é como se nada tivesse acontecido, quando o caso foi divulgado na mídia nacional. É possível que existam no Estado centenas de vítimas, tanto militares quanto civis. E muitos desses clientes já não têm mais documentos que possam comprovar os crimes, pois se desfizeram dos comprovantes de depósitos bancários e outros sequer têm cópias dos contratos”, disse.

A advogada explicou que vai ingressar com medidas judiciais para suspender os descontos dos empréstimos nos salários das vítimas até o final das investigações. Depois vai tentar reaver o dinheiro que foi depositado integralmente na Filadélphia, para que os clientes possam quitar a dívida junto ao banco Intermedium.

Ela observou que, como militar das Forças Armadas e também como servidor público, Washington Silva não pode exercer atividade remunerada de forma paralela. A Folha não conseguiu contato com a delegada da Polícia Civil, Maria de Lourdes, nem com membros dos Ministérios Públicos Federal e Estadual que está investigando o caso. Na PF, ninguém foi localizado para comentar o assunto. 

Superintendente da Filadélphia nega golpe 

O militar Washington Silva conversou com a Folha por telefone. Ele disse que tudo será esclarecido pelo presidente da empresa, Carlos Henrique Vieira, assim que ele for solto. “No momento, ele [o presidente] está incomunicável e não temos nada a declarar. Estamos esperando-o para resolver isso ou dizer que providências devemos adotar. Agora está tudo travado, bloqueado. Não apliquei golpe em ninguém, mas sei que vou responder por isso”, disse.

Segundo ele, a prova de que não teve a intenção de lesar seus clientes está no fato de manter a Filadélphia de portas abertas. “A loja está funcionando apenas para prestar esclarecimentos, não podemos permitir que os militares sejam lesados, mas quem quiser que procure seus direitos”, disse Silva, acrescentando que, por causa dos problemas, “nem sabe se ainda é superintendente da empresa”.

Antes de falar com Washington Silva, a equipe de reportagem esteve no prédio da Filadélphia, localizada na avenida Capitão Júlio Bezerra, no Centro. Lá, a equipe foi informada por uma funcionária que ele continua desenvolvendo suas atividades normalmente, mas que em razão de seu trabalho como militar, ele não tem hora certa para ir à empresa. Ontem ele teria trabalhado das 14h às 16h, segundo a funcionária. 

Sem saber que estava falando com uma equipe de reportagem, a mulher contou que os problemas da Filadélphia surgiram depois que o presidente da empresa resolveu entrar para a política, mas que um novo presidente já teria assumido o cargo e colocaria todas as pendências financeiras em dia. 

Conforme ela, o atraso no repasse dos rendimentos deve-se a um problema no banco Intermedium, e não na Filadélphia. Até a próxima semana, segundo disse, a questão será sanada. Também sem saber que estava falando com a Folha, outra funcionária responsável pelo sistema “mútuo” disse que a transação está suspensa e que somente nos próximos dias teria mais informações sobre o caso. 

Comandante da Base diz que vai esperar notificação sobre o caso  

O comandante da Base Aérea de Boa Vista, tenente-coronel Leonardo Faria, disse que não tem conhecimento oficial do caso, mas que vai aguardar notificação dos órgãos que estão investigando para adotar as providências pertinentes.

Ele informou que por dois anos Washington Silva esteve afastado de suas atividades na Aeronáutica. Ele pediu afastamento sem remuneração, o que lhe possibilitou exercer uma atividade remunerada fora das Forças Armadas.
Silva se apresentou esta semana e, segundo o comandante, relatou de maneira informal o que teria ocorrido e disse que tinha sido desligado da Filadélphia. “O que houve não tem nenhuma relação com a Força Aérea, aconteceu do lado de fora de nossas portas. Se ele [Washington Silva] tiver algum envolvimento com irregularidades, ele vai responder lá fora. Ele me disse que foi demitido e que não está mais na empresa”, destacou.

Ainda assim, Faria observou que, se o envolvimento do militar em irregularidades for comprovado, ele também poderá ser penalizado pela instituição militar. “É claro que se tem alguma coisa errada lá fora, pinga aqui dentro. Se a conduta moral fere os princípios legais, o militar é penalizado”, enfatizou.

1 Comentários

  1. Na verdade se fala do fato mas não esclarece as vitimas o que estar sendo feito pelo ministério publico para resolver o problema dos investidores , que ao meu ver são as únicas vitimas de golpe. Espero que a mídia vá cobrar dos governantes informações sobre o que estar sendo feito para solucionar o problema. Reforço Que não fique apenas na apreensão dos golpista, mas sim na ação de ressarcir as vitimas

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