Uso de armas químicas não justifica, legalmente, intervenção na Síria

Ian Hurd | The New York Times
Em Evanston, Illinois (nos EUA)

As mais recentes atrocidades na guerra civil da Síria, que matou mais de 100 mil pessoas, exigem uma resposta urgente para impedir novos massacres e punir o presidente Bashar al-Assad. Mas há uma grande confusão a respeito da base legal para o uso da força nessas circunstâncias terríveis. Como um assunto legal, o uso de armas químicas pelo governo sírio não justifica automaticamente uma intervenção armada pelos Estados Unidos.

Há motivos morais para ignorar a lei e eu acredito que o governo Obama deve intervir na Síria. Mas ele não deve fingir que há uma justificativa legal na lei existente. O secretário de Estado, John Kerry, pareceu fazer isso na segunda-feira (26), quando disse sobre o uso de armas químicas: "Essa norma internacional não pode ser violada sem consequências". Seu uso da palavra "norma" em vez de "lei" é revelador.

A Síria não é signatária nem da Convenção de Armas Biológicas de 1972 e nem da Convenção de Armas Químicas de 1993 – e mesmo se fosse, os tratados dependem do Conselho de Segurança da ONU para serem aplicados–, uma grande falha. A Síria é signatária do Protocolo de Genebra, um tratado de 1925 que proíbe o uso de gases tóxicos em guerras. Mas esse tratado foi projetado depois da 1ª Guerra Mundial tendo uma guerra internacional em mente, não conflitos internos.

E quanto à alegação de que, tratados à parte, armas químicas são inerentemente proibidas? Apesar de alguns atos – genocídio, escravidão e pirataria – serem considerados ilegais independentemente de tratados, armas químicas ainda não estão nessa categoria. Cerca de dez países possuem atualmente estoques de armas químicas, com os maiores mantidos pela Rússia e pelos Estados Unidos. Ambos os países estão lentamente destruindo seus estoques, mas não cumpriram o suposto prazo final do ano passado para fazê-lo.

Não há dúvida de que o governo Assad violou princípios humanitários ao longo dos dois anos de guerra, incluindo a proibição de morte indiscriminada de civis, mesmo em conflitos não internacionais, estabelecida na Convenção de Genebra de 1949. Mas as convenções também não significam muito a menos que o Conselho de Segurança concorde em agir. É uma condenação do estado atual da lei internacional o fato de não haver nenhuma base universalmente reconhecida para intervir.

Supostamente, a obrigação legal chave dos países no mundo pós-1945 é o cumprimento da Carta da ONU. Ela exige que os Estados se abstenham "de ameaçar ou usar força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado". O uso da força é permitido quando autorizado pelo Conselho de Segurança ou em autodefesa (e países como a Jordânia e a Turquia estão considerando esta rota para justificar seu ingresso em uma coalizão anti-Assad) –mas não puramente com base humanitária.

É claro que a ética, não apenas as leis, deve guiar as decisões de políticas. Desde o genocídio em Ruanda e os assassinatos em massa nos Bálcãs dos anos 90, surgiu um movimento de apoio à adição da intervenção humanitária como uma terceira categoria de guerra legal, sob o conceito de "responsabilidade em proteger". Isso é amplamente aceito pela ONU e pela maioria dos governos. Mas não está na carta e carece de força legal.

Isso ficou evidente em Kosovo em 1999, quando a Otan bombardeou a Iugoslávia sem autorização da ONU. Naquela ocasião, como agora, Rússia e China não estavam dispostas a conceder a aprovação ao Conselho de Segurança. Os Estados Unidos e seus aliados foram em frente com o que a Comissão Internacional Independente para Kosovo posteriormente chamou de uso "ilegal, porém legítimo" de força. Nesse caso, a Otan aceitou implicitamente que seu ato era ilegal. Ela o defendeu em termos morais e políticos em vez de termos legais.

Normas e instituições da lei criminal internacional, incluindo 11 anos de experiência com o Tribunal Penal Internacional, se fortaleceram desde então. Tribunais especiais para o Camboja, Ruanda e para a antiga Iugoslávia refletem o crescente consenso de que os perpetradores de atrocidades devem ser punidos.

Mas se a Casa Branca leva a lei internacional a sério –como faz o Departamento de Estado–, ela não pode querer as duas coisas. Ela deve argumentar que uma intervenção "ilegal, porém legítima" é melhor do que não fazer nada ou afirmar que a lei internacional mudou –estratégia que chamo de "não cumprimento construtivo". No caso da Síria, eu voto pela segunda opção.

Como a Rússia e a China não ajudarão, Obama e líderes aliados devem declarar que a lei internacional evoluiu e que não precisam de aprovação do Conselho de Segurança para intervir na Síria.

Isso seria popular em muitos setores e eu acredito ser a coisa certa a fazer. Mas se o governo americano aceitar que o Estado de direito é a fundação da sociedade civilizada, deve ficar claro que isso representa um novo caminho legal.

(Ian Hurd, professor associado de ciência política da Universidade do Noroeste, é autor de "After Anarchy: Legitimacy and Power in the United Nations Security Council")



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