O fim das operações no Afeganistão em 2014 vai exigir um redimensionamento da Otan

The Economist | Carta Capital

Por uma extensa e enevoada planície no norte da Polônia, tanques Leopard II e veículos blindados de contra-ataque saem de suas posições defensivas. Ao redor, explosões de artilharia pesada e o estrépito das metralhadoras. Mísseis de defesa aérea gritam pelo céu de chumbo. Equipes de especialistas em química, biologia, radiologia e limpeza nuclear correm atrás dos escalões avançados. 


Logo chega a notícia: as forças invasoras da "Bótnia" recuam.

Essa foi a etapa final do Steadfast Jazz 2013, o maior exercício desde 2006 de tiro real da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), formada por 28 países. As manobras na Polônia e nos Países Bálticos, que terminaram em 8 de novembro, envolveram cerca de 6 mil militares dos países associados, além daqueles da Suécia, Finlândia e Ucrânia. Cerca de metade envolveu-se em combates simulados. O restante participou de um exercício de comando e controle que integrava forças especiais, de terra, ar e mar. A Letónia foi a sede do quartel-general de comando. A Estônia foi vítima de um ataque da fictícia Bótnia.

Apesar da insistência discreta de que o exercício não foi planejado tendo em mente qualquer agressor real (a Bótnia ficava perto da Finlândia), a identidade das "vítimas" não foi coincidência. O planejamento para o Steadfast Jazz começou logo depois de grandes exercícios russos quatro anos atrás, que ensaiaram uma invasão dos Países Bálticos e incluíram um ataque nuclear simulado à Polônia. Em setembro, forças da Rússia e Bielorrúsia conduziram outro grande exercício com. segundo estimativas não oficiais, até 70 mil homens.

Os gastos de defesa da Otan têm caído rapidamente, mas o orçamento militar da Rússia aumentou 26% neste ano. Países nervosos na fronteira salientam o tom beligerante dos pronunciamentos do Kremlin, incluída a ameaça de ataques preventivos a partes do sistema de defesa de mísseis europeu utilizados pelos Estados Unidos. Na Sexta-Feira Santa deste ano, aviões de guerra russos encenaram um ataque simulado à Suécia. Duas semanas atrás realizaram outro. Alvos? Polônia e Lituânia.

Tais preocupações ainda estão formalmente em segundo plano. Segundo o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, o Steadfast Jazz foi "um sinal para qualquer um que poderia ter a intenção de atacar um aliado da Otan, mas não espero que a Rússia tenha qualquer intenção de atacar aliados da Otan... por isso você poderia dizer que é um sinal a quem possa interessar".

Também se refere à grande pergunta em aberto na Otan: o que acontecerá depois que as operações de combate no Afeganistão cessarem, no fim do próximo ano? Essa missão de 12 anos, até agora a maior na história de 64 anos da organização, foi sangrenta, frustrante e às vezes divisória. Mas reforçou muito a capacidade de as forças aliadas trabalharem e lutarem juntas. O general da Força Aérea americana Philip Breedlove, o novo Saceur (comandante aliado supremo para a Europa, em Inglês), diz que a aliança esta "no cume de nossa intorconexão". Entre 2007 e 2011, salienta, o Comando Europeu da América (Eucom) treinou 42 mil soldados da Otan e de países parceiros para mobilizações no Afeganistão.

A partir de 2014, essa cola começará a desgrudar. As forças restantes da aliança no Afeganistão (das 100 mil atuais, provavelmente ficarão 12 mil, desde que se chegue a um acordo sobre a situação jurídica das tropas estrangeiras com as autoridades de Cabul) simplesmente vão treinar, assessorar e assistir as forças afegãs, embora os EUA mantenham certa capacidade de contraterrorismo.

O exercício recente e os muito maiores planejados (o Trident Junetare no Sul da Europa em 2015 será seis ou sete vezes maior) pretendem preservar a cooperação da era afegã mediante algo chamado "iniciativa das forças conectadas". Acima de tudo, significa que as forças de todos os países membros (e alguns parceiros) têm a doutrina e a tecnologia para se combinarem no "campo de batalha em rede", especialmente com os americanos, que definem muitos dos padrões da Otan.

O beneficiário de tudo isso é a nova Força de Resposta da Otan (NRF). Com um quartel-general conjunto de 15 mil soldados, "altamente prontos e tecnologicamente avançados", fornecidos pelos integrantes em base de rodízio, é vista como "a ponta de lança" para as futuras mobilizações da aliança. 

Isso inclui de tudo, desde atuar como a primeira linha de defesa territorial a fornecer apoio em desastres.

A NRF pretende operar por conta própria ou como força para ganhar tempo antes da chegada de reforços.

Os grandes exercícios de fogo real da NRF ajudarão, como comenta o general Breédlove, a afinar as técnicas para a guerra "cinética" de alta intensidade contra um inimigo mais convencional, mas também mais capaz. Essa é uma prioridade. Pois a aliança secone entrou demais na contrainsurgência nos últimos anos.

Além disso, exercícios anuais deverão manter a visita de tropas norte-americanas à Europa em um momento em que a "virada" para a Ásia e os cortes de orçamento do Pentágono significam que sua presença permanente no continente encolhe. Apenas 30 mil militares dos EUA estão baseados na Europa hoje, comparados com 213 mil em 1989. De maneira preocupante, os EUA só enviaram cerca de 300 para a Steadfast Jazz (a França mandou mil). Quando o Afeganistão terminar, Washington poderá mostrar mais disposição.

Anders Rasmüssen, secretário-geral, insiste: a Otan deve ser capaz de enfrentar qualquer eventualidade. Mas sem um sentido mais claro dessas eventualidades, apesar das boas intenções e de grandes exercícios com nomes engraçados.

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