ANÁLISE - Assassinato do 2º homem mais poderoso do Irã pelos EUA pode causar conflagração regional

O assassinato de Qassem Soleimani, o homem mais poderoso do Irã depois do líder supremo, por ação dos Estados Unidos foi visto por Teerã como um ato de guerra que cria o risco de uma conflagração regional.


Por Samia Nakhoul | Reuters

BEIRUTE - Ao ordenar o ataque aéreo desta sexta-feira contra o comandante das legiões estrangeiras da Guarda Revolucionária iraniana, o presidente Donald Trump levou os EUA e seus aliados a um território desconhecido em seu confronto com o Irã e com as milícias que atuam em seu nome em toda a região.


Resultado de imagem para Manifestantes iranianos protestam contro o assassinato de Qassem Soleimani diante do escritório da ONU em Teerã 03/01/2020 WANA (West Asia News Agency)/Nazanin Tabatabaee via REUTERS
Manifestantes iranianos protestam contro o assassinato de Qassem Soleimani diante do escritório da ONU em Teerã 03/01/2020 WANA (West Asia News Agency)/Nazanin Tabatabaee via REUTERS

A liderança iraniana pode aguardar o momento ideal.

Mas a maioria dos analistas acredita que tal golpe em seu prestígio, somado ao comprometimento pessoal do aiatolá Ali Khamenei com Soleimani e sua campanha para forjar um eixo de poder paramilitar xiita em todo o Levante e dentro do Golfo Pérsico, levará a represálias letais do Irã.

O país pode entrar em um conflito direto com os EUA que poderia implicar toda a região.

“O assassinato direto de Soleimani por parte dos Estados Unidos é um desafio explícito, e o Irã se vê obrigado a realizar um grande ato como resposta”, disse Mohanad Hage Ali, pesquisador do Centro Carnegie para o Oriente Médio de Beirute. “Não ficará por isso mesmo.”

Soleimani, que firmou sua reputação na guerra Irã-Iraque nos anos 1980, assumiu o comando da Força Quds, a divisão estrangeira da Guarda Revolucionária, em 1988.

Após a invasão norte-americana do Iraque em 2003, que derrubou o governo sunita de Saddam Hussein e levou a minoria xiita iraquiana ao poder, a Força Quds formou uma gama poderosa de milícias por procuração para atormentar a ocupação dos EUA.

Elas se inspiraram no Hezbollah, força paramilitar xiita que o Irã criou no Líbano, mas se tornaram quatro vezes maiores no Iraque.

Quando uma rebelião sunita mergulhou a Síria na guerra civil em 2011, Soleimani mobilizou o Hezbollah e milícias xiitas iraquianas para salvar o presidente Bashar al-Assad e estabelecer uma nova fortaleza para a Quds.

Isso permitiu que o Irã firmasse elos com suas milícias por procuração em um eixo de poder xiita que se estendeu pelo Iraque e pela Síria até o Mediterrâneo, alarmando aliados de Washington como Israel e Arábia Saudita.

NEM ESQUECIDA, NEM PERDOADA

Soleimani, o arquiteto desta política vigorosa, se tornou uma lenda regional e um ícone popular no Irã depois que sua força liderou a luta contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.

Mas o sucesso aparentemente inexorável da estratégia paramilitar de Soleimani — mobilizar milícias armadas com mísseis de precisão e drones de forma permanente — cobrou um preço.

No Iraque, as Forças de Mobilização Popular, aliança paramilitar de 10 mil membros na ponta de lança da batalha de poder entre o Irã e os EUA, podem ter ido longe demais.

Instigadas por Soleimani e a Força Quds, as Forças de Mobilização Popular intensificaram o assédio a tropas dos EUA em solo iraquiano, mas a morte de um prestador de serviço norte-americano em uma base do norte do Iraque atacada pela milícia Kataib Hezbollah na semana passada provocou ataques aéreos dos EUA que mataram 25 combatentes pró-Irã.

Em reação, as milícias sitiaram a embaixada norte-americana de Bagdá, um lembrete da ocupação da embaixada norte-americana de Teerã em 1979 — uma humilhação que os norte-americanos nunca perdoaram. Isso pode ter incitado Trump, que encara uma tentativa de reeleição e um possível impeachment neste ano, a assinar a ordem de assassinato de Soleimani.

“Os americanos nunca esqueceram a invasão de sua embaixada de Teerã e a tomada de reféns”, disse Sarkis Naoum, importante analista regional.

“Essa questão, para eles, era maior do que o assassinato de Soleimani”, acrescentou. “A embaixada era o símbolo da nação e de sua influência.”

Reportagem adicional de Laila Bassam


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