Defesa capta sinais de desagrado com preservação das verbas militares

Está sob ameaça a lua de mel que os chefes militares compartilham com o Comandante Supremo das Forças Armadas, desde que, na primeira semana de dezembro passado, ele anunciou a proibição de contingenciamentos (bloqueios temporários) nas verbas de 2020 dos chamados “Programas Estratégicos” do Ministério da Defesa.


Por Roberto Lopes* | Forças Terrestres

De acordo com uma fonte da Defesa, desprezando a determinação expressa do presidente Jair Bolsonaro, autoridades da Área Econômica do Governo Federal já tratam a proibição dos contingenciamentos como “crescimento dos gastos militares”, insinuando que tal item representa óbice à estabilização financeira do país.


Divulgação

A suspensão dos bloqueios veio reparar o sentimento de indignação que havia dominado o oficialato, depois que, em maio do ano passado, o próprio Bolsonaro comunicou à cúpula militar um corte de 44% nos 13,1 bilhões de Reais destinados a investimento em programas considerados prioritários e na manutenção de iniciativas do mesmo tipo já em andamento.

De acordo com a fonte ouvida pelo Forças Terrestres, a conservação das verbas de 2020 poderá, efetivamente, representar o equivalente a um aumento de caráter episódico (só para este ano) de 21,5% no montante de recursos reservados à expansão da capacidade militar do país.

Foi, aliás, essa expectativa que embasou, a 11 de dezembro último, o franco otimismo demonstrado pelo então chefe do Estado-Maior do Exército, general Braga Netto – atual ministro chefe da Casa Civil do Governo –, durante uma reunião do Escritório de Projetos do Exército (controlador dos Projetos Estratégicos da Força Terrestre) com representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE).

O evento, denominado “2ª Reunião de Integração do Portfólio Estratégico do Exército e a Base Industrial de Defesa Brasileira”, ocorreu no Teatro Poupex, localizado no Setor Militar Urbano de Brasília. Seu objetivo: apresentar para as indústrias, os projetos, planejamentos e nichos de mercado gerados pela Força Terrestre.

“É importante os senhores se prepararem para aquilo que nós pretendemos adquirir para o próximo ano” disse um entusiasmado Braga Netto aos empresários do setor armamentista, “e trazemos boas perspectivas para 2020, já que o governo federal afirmou que não haverá contingenciamento nos recursos dos Programas Estratégicos das Forças no Orçamento do ano que vem”, concluiu.

Cotação 

Exército, Marinha e Força Aérea estão em alta com o seu Comandante Supremo.

Astros 2020

Bolsonaro está satisfeito com a resposta dada pelas Forças a emergências tipificadas pelas irrupções de violência urbana que demandaram Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), pelo controle de queimadas na Amazônia e o recolhimento do óleo que alcançou as praias brasileiras, após vazamento clandestino e irregular ao largo do litoral nordestino.

Mas o chefe do Governo ficou especialmente impressionado – e orgulhoso – com a presteza e a eficiência demonstradas pela Aeronáutica no resgate de um grupo de brasileiros isolados na cidade chinesa de Wuhan (epicentro da epidemia de coronavirus) – operação considerada de planejamento perfeito, que foi levada a cabo sem nenhuma intercorrência, e agora vem sendo replicada pelas forças aéreas da Colômbia e da Índia, entre outras.

Mais importante do que isso: apesar da expectativa positiva para o exercício de 2020, os militares não abandonaram a postura cautelosa, consubstanciada em improvisações bem avaliadas e medidas de economia que permitam manter um regime de contenção de gastos.

Na Marinha, por exemplo, o Comando da Força de Submarinos foi instruído a preparar o novo Navio de Salvamento Submarino Greenhalgh (que em breve será incorporado à Esquadra) para que ele possa atuar como “navio reserva”, ou “auxiliar” nas próximas campanhas da Força na Antártida (tarefa que o Felinto Perry K-11 também já cumpriu).

Essa preparação inclui a pintura do casco do Greenhalgh na cor vermelha.

A providência se impõe porque a Força Naval não espera que seu próximo navio polar possa estar pronto e disponível antes do fim de 2023 ou do ano de 2024.

Círculo íntimo 

Também colabora para esse ambiente de intimidade construtiva entre o presidente da República e os chefes militares, o fato de Bolsonaro ter decidido se cercar de um punhado de oficiais generais, que ocupam cargos antes reservados a políticos, parlamentares e especialistas civis em Economia.

C-23B Sherpa

Ainda no ano passado, o Comandante da Marinha, almirante de esquadra Ilques Barbosa Júnior disse, por mais de uma vez, ao ministro de Minas e Energia, seu colega almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, que a presença dele no ministério era “importantíssima para a Marinha”.

Esses oficiais do inner circle do chefe do Governo não apenas se desincumbem dos afazeres das suas Pastas. Eles também se transformam em conselheiros pessoais de Bolsonaro.

Este é o caso, por exemplo, do vice-almirante submarinista Flávio Augusto Viana Rocha, novo Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Administração Federal, que conheceu o então deputado federal Bolsonaro há mais de dez anos, quando chefiou a Assessoria Parlamentar da Marinha no Congresso Nacional.

Ex-instrutor da Academia Naval dos Estados Unidos, em Annapolis (capital do estado americano de Maryland), esse oficial nascido no Ceará comandava o 1º Distrito Naval, no Rio, quando foi comunicado que, além de forte candidato à quarta estrela, era o favorito para comandar a Escola Superior de Guerra, no aprazível bairro carioca da Urca.

Mas não houve tempo. Bolsonaro puxou Rocha para a sua equipe de trabalho no Palácio do Planalto.

A quarta estrela do almirante está, claro, mais do que garantida.

Passo à frente 

De qualquer forma, o que nesse momento se encontra em ebulição nos gabinetes do Ministério da Defesa, é o sentimento de que as Forças precisam não apenas garantir a continuidade dos seus “Programas Estratégicos” (blindados sobre rodas Guarani, lançadores de foguetes e mísseis do Sistema Astros 2020, submarinos Classe Riachuelo, submarino nuclear, fragatas leves Classe Tamandaré, caças Gripen e cargueiros KC-390, entre outros), mas também aproveitar o bom momento para expandir suas capacidades.

A Marinha, por exemplo, se mobiliza para obter que a Área Econômica a autorize a encomendar mais duas fragatas classe Tamandaré.

Os navios seriam construídos com o apoio da indústria naval alemã no estaleiro Oceana, de Itajaí (SC), mesmo local onde, a partir do próximo semestre, serão fabricados os primeiros quatro navios dessa série.

Mas a verdade é que a Força que se encontra mais necessitada do apoio oficial nesse momento é o Exército Brasileiro (EB) que, nos últimos sete anos, vem priorizando a transformação das suas unidades de Infantaria Motorizada (herança de um conceito de mobilidade estabelecido pelo Exército dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial e na Guerra da Coreia) em Infantaria Mecanizada, com toda a pesada carga de planejamentos, identificação de material disponível fora do país (nos excedentes do Departamento de Defesa dos EUA), importações, treinamentos e gastos que tal opção implica.

Para dar um passo à frente sem sair da “casinha” dos “Programas Estratégicos”, o EB precisa avançar em dois setores: Aviação e Defesa Antiaérea por mísseis de médio alcance.

Enquanto o atraso na cobertura antiaérea pode ser creditado aos muitos anos de resistência da Força Aérea Brasileira em liberar tal atividade para as Forças coirmãs, a demora da Força Terrestre em constituir uma Arma Aérea mais diversificada e de maior poder combatente deve ser atribuída a manobras dilatórias e, em certa medida, equivocadas de alguns generais.

Esses oficiais primeiro definiram a obtenção de um esquadrão de helicópteros de ataque com base em máquinas sofisticadas, de aquisição praticamente impossível para os cofres da Força; em segundo lugar rejeitaram o caminho mais barato e viável para a formação de sua unidade de combate, à base de aeronaves MD-530F (origem do moderno AH-6) ou MD-530G – todos modelos considerados “leves demais” pelos chefes militares brasileiros…

Finalmente, pressionado pelas circunstâncias (acidentes aeronáuticos constantes na Região Amazônica), o Alto-Comando do Exército viu-se forçado a deixar os helicópteros de combate temporariamente de lado, e acelerar a aquisição de aeronaves de asa fixa de baixo custo (usadas).

Aviões de capacidade de transporte adequada, boa adaptabilidade às pistas não preparadas da Amazônia, e um considerável potencial remanescente de horas de voo.

A preferência recaiu sobre o modelo americano Sherpa C-23B. Ao custo de, aproximadamente, 20 milhões de dólares.

Seis dessas aeronaves serão estacionadas na base da Aviação do Exército em Manaus. O primeiro aparelho deve começar a operar dentro de um ano.

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É jornalista graduado em Gestão e Planejamento de Defesa pelo Centro de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional dos EUA. Especialista em diplomacia e assuntos militares da América do Sul. Autor de uma dezena de livros, entre eles “O código das profundezas”, sobre a atuação dos submarinos argentinos na Guerra das Malvinas e “As Garras do Cisne”, sobre os planos de reequipamento da Marinha do Brasil após a descoberta do Pré-Sal.


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