Ramstein: controversa base militar dos EUA em solo alemão

Palco de conferência sobre ajuda à Ucrânia, "Little America" na Alemanha abriga 53 mil americanos. Mas base é apontada como central para missões mortais dos EUA com drones e ocupa zona cinzenta do direito internacional.

Mathis Richtmann | Deutsch Welle


O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, convidou nesta terça-feira (26/04) representantes de países aliados à Ramstein Air Base, na Alemanha, a fim de deliberarem sobre o fornecimento de armas à Ucrânia. Há anos essa base militar americana polariza, e hoje alguns a veem como ponto axial de uma guerra americana de drones de âmbito global.

Força Aérea americana transformou em 1951 pista de voo improvisada em base militar | Foto: Oliver Dietze/dpa/picture alliance

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, soldados americanos fazem parte da paisagem urbana em diversas partes da Alemanha.

Durante o conflito, a Força Aérea nazista havia utilizado uma parte da Reichsautobahn (autoestrada do Reich), entre Saarbrücken e Kaiserslautern, para aterrissagens de emergência. Perto do fim da guerra, tropas dos EUA tomaram o aeródromo improvisado próximo à França e, a partir de 1951, o transformaram em base militar.

Em 1954, um acordo de direito internacional passou a regulamentar a presença de forças de combate estrangeiras na Alemanha.

"Little America" no Sudoeste alemão

Ramstein é uma das mais de 20 instalações militares dos EUA na Alemanha. Ela é considerada a base mais importante da Europa para os transportes aéreos das Forças Armadas dos EUA, servindo como seu eixo logístico.

Durante a evacuação do Afeganistão, em meados de 2021, cerca de 7 mil pessoas foram levadas para a base. Além da pista de voo, lá estão também instalados os quartéis-generais da Força Aérea dos EUA na Europa e na África, assim como outros órgãos de coordenação.

A base militar mede 14 quilômetros quadrados e emprega mais de 9 mil militares americanos. Nessa região do Sudoeste alemão há diversas outras casernas, depósitos de munição e instalações médicas, sendo o Landstuhl Regional Medical Center o maior hospital militar americano fora do território nacional.

Como um todo, a área compõe a Kaiserslautern Military Community, onde, segundo dados de Washington, residem 53 mil americanos que, em shopping centers, high schools e pistas de boliche próprios, vivem numa espécie de "Little America". Esta representa um fator econômico importante na região, como maior empregadora e dando uma contribuição significativa para o crescimento econômico local.

O problema da jurisdição de Ramstein

Nos últimos anos, tem-se debatido na Alemanha sobre o status legal de Ramstein. Por não constituir uma área extraterritorial, como uma embaixada, a rigor lá deveria vigorar a lei alemã. No entanto os militares americanos gozam de uma certa imunidade e de direitos especiais: autoridades alemãs só podem adentrar a base com permissão americana, e os EUA exercem a jurisdição sobre os crimes cometidos dentro dela.

Num relatório de 2017, o Serviço Científico do Bundestag (Parlamento alemão) chegou à conclusão que "é difícil a sanção, por autoridades alemãs, de delitos possivelmente cometidos na base aérea de Ramstein". Do ponto de vista jurídico, é possível o governo alemão decretar unilateralmente o fim da base americana, porém isso seria "politicamente inviável".

De fato, tem havido repetidos esforços das autoridades alemãs para determinar mais precisamente o que acontece em Ramstein. Oficialmente, durante muitos anos os representantes governamentais afirmaram não dispor de quaisquer dados a respeito.

Desde 2013, porém, a imprensa da Alemanha vem noticiando repetidamente o papel de Ramstein na guerra de drones travada pelos EUA em todo o mundo.

Segundo o Bureau of Investigative Journalism, sediado em Londres, entre 2004 e 2020, de 910 a 2.200 civis foram mortos em 14 mil ofensivas americanas com drones. Os alvos se localizavam no Iraque, Afeganistão, Iêmen, Paquistão e Somália.

Base para lançamento de missões mortais

Depondo perante uma comissão de inquérito do Bundestag em 2015, o ex-piloto de drones americano Brandon Bryant declarou que Ramstein servia de "estação de retransmissão central" para missões letais.

Segundo Bryant, os drones que sobrevoam uma zona de mobilização se comunicam via satélite com a base na Alemanha, onde o sinal é reforçado e enviado por cabos de fibra ótica aos EUA. A partir das centrais finais, os alvos são marcados e os mísseis ou drones mortais são lançados, relatou.

No ano seguinte, o governo americano admitiu que Ramstein não serve apenas à retransmissão de dados: militares e funcionários do serviço secreto operam também a partir da Alemanha no planejamento, supervisão e avaliação de ataques.

Três iemenitas que sobreviveram a uma ofensiva com drones em 2012, na qual perderam familiares, apresentaram dois anos mais tarde queixa contra o governo alemão, exigindo garantias de que o território do país não seja utilizado para ataques condenáveis pelo direito internacional.

Em 2019, o Tribunal Superior Administrativo de Münster decidiu que a Alemanha tem o dever de se certificar que os EUA utilizam a base de Ramstein em concordância com o direito internacional. No ano seguinte, porém, o Ministério da Defesa recorreu, e a sentença foi anulada por uma instância superior: não basta que Ramstein possibilite tecnicamente o programa de drones, seria necessário serem tomadas decisões concretas em solo alemão, foi a conclusão.

Com o apoio do Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos, os querelantes do Iêmen abriram em 2021 uma ação no Tribunal Constitucional Federal, a mais alta corte da Alemanha. Eles insistem que a Alemanha tem obrigação de impedir ações que violem o direito internacional em seu território.

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