PF prende 1º general do Exército e avança em uma nova frente de desgaste que faz lembrar o México

Da turma de 83 da Aman, Carlos Mansur era secretário da Segurança do Amazonas e foi um dos alvos de Operação Comboio, que investiga extorsão a garimpeiros e propinas pagas a agentes públicos


Por Marcelo Godoy | O Estado de S.Paulo

Era manhã da terça-feira, dia 29, quando os federais bateram na porta do então secretário da Segurança Pública do Amazonas, Carlos Alberto Mansur. Queriam revistar o lugar, sob a suspeita de que ali poderiam encontrar provas de extorsões a garimpeiros ilegais de ouro e outros metais preciosos no Estado. Também procuravam armas, dinheiro e documentos.

General Carlos Alberto Mansur assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas em agosto de 2021 Foto: Divulgação/ALE-RR

O trabalho dos policiais seria concluído horas depois com a prisão do secretário em razão de os agentes terem encontrado uma arma ilegal no imóvel. Tudo poderia estar restrito à miséria da Segurança Pública do País, que já viu integrantes de suas cúpulas encarcerados ou acusados de crimes em São Paulo, no Rio, no Espírito Santo e em outros Estados.

A novidade neste caso é que Mansur não era um secretário qualquer. Ele é um general de três estrelas, um oficial que escolheu a Arma da Artilharia quando estava na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e que saiu aspirante em 1983. Trata-se, portanto, de um oficial general contemporâneo de academia de todo o Alto Comando do Exército.

O caminho de Mansur, um paranaense, que segundo um colega fez uma carreira que se caracterizava pela discrição e pela ponderação – uma “carreira bastante correta” – para essa situação começou depois de ele ter ocupado o comando da 12.ª Região Militar, com sede em Manaus. Desde então, estabeleceu raízes no Estado. E em seu mundo político.

Em 2021, após passar à reserva, foi convidado a assumir a Secretaria da Segurança. O Amazonas vivia o avanço do garimpo ilegal, do esbulho de terras da União por grileiros e era infestado por quadrilhas que extraíam ilegalmente madeira para exportação. Sua população tinha na memória os massacres da disputa recente entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Família do Norte (FDN) pelo domínio da rota do Rio Solimões de escoamento de cocaína para a Europa e para os EUA.

A chegada de Mansur ocorreu depois que a presença de militares – a título institucional – no combate ao crime organizado na América Latina já se havia tornado comum, após a redemocratização da região, entre os anos 1980 e 1990. O engajamento deles na chamada guerra às drogas financiada por Washington após o fracasso das polícias locais provocou distorções que levaram à contaminação de instituições, como no caso do México, em que oficiais de forças especiais estiveram por trás da criação do Cartel Los Zetas.

Também provocou situações constrangedoras, como a prisão do general Salvador Cienfuegos, ex-ministro da Defesa do México, pela Drug Enforcement Agency (DEA, a agência antidrogas americana), em 15 de outubro de 2020, em Los Angeles. O homem que dizia não ter estudado para perseguir delinquentes comandara a guerra às drogas do outro lado da fronteira americana entre 2012 e 2018, durante a gestão do presidente Enrique Peña Nieto.

A prisão de Cienfuegos provocou uma crise diplomática que terminou em 2021 com a retirada das acusações contra o general, cujo caso era analisado pela mesma Corte de Nova York que condenara Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán, o chefe do cartel de Sinaloa. No Amazonas, as investigações contra o general Mansur começaram com a verificação de informações de que seu filho Victor Mansur estaria envolvido em roubos de carregamento de ouro e pagamentos de propinas.

O problema é que o rapaz havia sido nomeado para chefiar o Neot (Núcleo Especial de Operações de Trânsito). Teria sido em parcerias com outros agentes da segurança estadual que Victor se envolvera. Contra ele, o Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Amazonas, conseguiu a expedição de um mandado de prisão, cumprido na tarde da terça-feira.

É possível que Mansur não tenha avaliado corretamente os riscos de assumir uma posição na Segurança Pública sem ter uma equipe em quem pudesse confiar. Mas a decisão do governador Wilson Lima (União Brasil) de demitir o subordinado na noite da terça-feira pode dar ideia do tamanho do estrago feitos pelos promotores e pelos agentes federais. Preso, o general pagou fiança e foi posto em liberdade.

É óbvio que ele como seu filho têm direito ao devido processo legal, mas o fato de PF ter posto em cana, ainda que por apenas algumas horas, um general do Exército brasileiro faz lembrar os tempos de quando a corporação batizava em um passado recente suas operações com títulos como Erga Omnes.

Em janeiro, o Ministério Público Militar do Amazonas abriu uma investigação para apurar possível crime do Comando Militar da Amazônia (CMA), em Manaus. A investigação tomava como base dois ofícios do governo do Estado, que relatavam a atuação do Exército, em 9 de janeiro, quando um acampamento golpista foi desmontado em frente ao quartel do CMA.

Segundo os documentos, no dia da operação, o CMA guardou pertences dos acampados e negociou individualmente, dentro do quartel, com lideranças do movimento local. Um dos documentos era assinado justamente pelo general Mansur. Ele, portanto, não está associado à baderna bolsonarista dos dias 8 e 9 de janeiro ou à venda de joias e tampouco à falsificação de vacinas.

Ainda assim, é impossível não concordar com a afirmação do general Carlos Alberto Santos Cruz, quando disse, após as buscas envolvendo o general Mauro Cesar Lourena Cid: “A única forma de se fazer a distinção entre a instituição e o indivíduo é a aplicação da lei de maneira justa. Mas sempre há desgaste. Quando as pessoas erram, acaba tendo um desgaste institucional. Só um ingênuo não reconhece”.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem