Mesmo com recomendação contrária, general da intervenção no Rio nomeou suspeito de acobertar crime

Atual chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército, Richard Nunes era subordinado a Braga Netto durante intervenção federal no Rio


Lucas Mendes | CNN

Brasília - O general Richard Fernandez Nunes “bancou” a nomeação do delegado Rivaldo Barbosa para o comando da Polícia Civil do Rio de Janeiro, mesmo com uma indicação contrária do setor de inteligência da corporação.

Os generais Walter Souza Braga Netto (à esquerda) e Richard Fernandez Nunes pouco depois da decretação da intervenção federal na Segurança do Rio — Foto: Gabriel de Paiva/27.02.2018

Nunes era o secretário de Segurança Pública do Rio durante a intervenção federal comandada pelo general Braga Netto.

Então diretor da Divisão de Homicídios, Barbosa assumiu a chefia da Polícia na véspera do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, em março de 2018.

Conforme a Polícia Federal (PF), Nunes “bancou a nomeação de RIVALDO [Barbosa] à revelia do que havia sido recomendado”.

De acordo com os investigadores, na época da nomeação “já estavam na iminência de eclodir as suspeitas” tratadas em apurações contra Barbosa, que envolviam suposto recebimento de vantagens para deixar de investigar homicídios em disputas de território para a exploração do jogo do bicho.

Esses fatos teriam levado à contraindicação do nome do delegado para comandar a Polícia Civil.

Barbosa foi preso preventivamente na manhã deste domingo (24) PF por suspeita de obstrução de justiça e atrapalhar as investigações sobre o caso Marielle.

Também foram presos os irmãos Chiquinho Brazão (União-RJ), deputado federal, e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, por suspeita de serem os mandantes do crime.

Hoje chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército, o general Richard Nunes foi ouvido pela PF do Rio de Janeiro em outubro de 2023. Ele negou qualquer ingerência na escolha de Barbosa para o cargo.

Nunes foi alçado ao comando da Segurança Pública do Rio durante a intervenção federal comandada pelo também general Braga Netto, nomeado interventor pelo presidente Michel Temer (MDB).

Em seu relatório final sobre o caso Marielle, a PF cita a influência de Domingos Brazão no governo, e fala em “passiva gestão dos militares” na Segurança Pública do estado.

“Apesar de o General RICHARD NUNES negar qualquer ingerência na escolha de RIVALDO BARBOSA, o fato é que a passiva gestão dos militares à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro; sua falta de traquejo para manejar as vicissitudes do jogo de poder fluminense; sua vinculação a um Presidente da República do PMDB; bem como a manutenção da nomeação de RIVALDO mesmo após a contraindicação da Subsecretaria de Inteligência, são fatores indiciários do contrário”, disse a PF.

“Diante de todo o exposto, extrai-se a compreensão de que a robustez da influência de DOMINGOS BRAZÃO, que hoje é grande, na época dos fatos e, sobretudo, quando da nomeação de RIVALDO BARBOSA como Chefe de Polícia, alcançava patamares estratosféricos, justamente por ele fazer parte do grupo de caciques do partido que estava no poder, ainda que em processo de enfraquecimento decorrente da Operação Lava-Jato, tais como: JORGE PICCIANI, PAULO MELLO, SÉRGIO CABRAL, entre outros”.

Em declaração à PF, Nunes disse que foi designado pelo então Comandante do Exército, General Villas Boas, para exercer o cargo de Secretário Estadual de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro durante a intervenção federal.

Segundo o militar, sua “primeira missão” era encontrar nomes para o comando da Polícia Civil e da Polícia Militar.

Segundo Nunes, sua intenção era nomear um delegado com quem havia trabalhado durante a atuação da Força de Pacificação na Comunidade da Maré, mas ele não aceitou o convite.

“QUE assim escolheu o nome de RIVALDO BARBOSA para tal cargo, nome esse que constava em tal lista; QUE a subsecretaria de inteligência contraindicou o nome de RIVALDO, mas o depoente decidiu pelo seu nome, tendo em vista que tal contraindicação não se pautava em dados objetivos; QUE teve contato com RIVALDO na época da Força de Pacificação e depois acompanhou seu trabalho enquanto Chefe da DH, notadamente no Caso Amarildo; QUE apesar de RIVALDO ter tomado posse no dia 13 de março de 2018, seu nome havia sido escolhido alguns dias antes; QUE não sofreu ingerência de ninguém para a escolha de tais nomes; QUE deu carta branca para RIVALDO escolher seus subordinados, mas lhe deixando claro que vetaria nomes que fossem contraindicados”, diz trecho do depoimento de Richard Nunes.

Depois da intervenção, Richard Nunes comandou o Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx) a partir de 2019 e o Comando Militar do Nordeste.

Já Braga Netto assumiu a Casa Civil do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2020. No ano seguinte, virou ministro da Defesa. Ele deixou a pasta em março de 2022 e se lançou candidato a vice-presidente na chapa do Bolsonaro.

A CNN pediu um posicionamento ao Exército, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Em nota, a defesa de Braga Netto disse que durante o período da Intervenção Federal na área da segurança pública no estado do Rio de Janeiro, em 2018, a Polícia Civil era “diretamente subordinada à Secretaria de Segurança Pública”.

“A seleção e indicação para nomeações eram feitas, exclusivamente, pelo então Secretário de Segurança Pública, assim como ocorria nas outras secretarias subordinadas ao Gabinete de Intervenção Federal, como a de Defesa Civil e Penitenciária”, disse a defesa. “Por questões burocráticas, o ato administrativo era assinado pelo Interventor Federal que era, efetivamente, o governador na área da segurança pública no Rio de Janeiro”.

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